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'As Forças Armadas não são o poder moderador', diz ex-presidente do STF

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

19/06/2020 15h44

Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e ex-presidente da corte, afirmou hoje que não cabe às Forças Armadas o papel de "poder moderador" para arbitrar conflitos entre os três Poderes da República.

"As Forças Armadas não são detentoras do poder moderador, simplesmente porque numa república presidencialista não há poder moderador", disse Britto durante o programa UOL Debate, mediado pelo colunista do UOL Reinaldo Azevedo.

Para o ex-ministro, as divergências entre Executivo, Legislativo e Judiciário devem ser mediadas pelas regras do próprio sistema democrático.

Existe um sistema de freios e contrapesos para que haja equilíbrio, nenhum poder é superior ao outro, não há hierarquia entre Poderes, mas há distribuição de funções segundo um esquema lógico.
Carlos Ayres Britto

Também participou dessa edição do programa o general da reserva e presidente do Clube Militar, Eduardo José Barbosa.

Barbosa disse concordar que não cabe às Forças Armadas dar a última palavra em conflitos institucionais, mas defendeu que a Constituição permite sua convocação em situações que exigem a manutenção da lei e da ordem. "As Forças Armadas acompanham o cenário nacional como quaisquer forças armadas do mundo", afirmou.

[As Forças] são subordinadas ao presidente da República, uma subordinação hierárquica, mas poderiam ser convocadas por quaisquer dos Poderes para resolver um problema de conflito em que não haja um denominador comum. É preciso entender que as Forças Armadas cumprem e respeitam constituição.
Eduardo José Barbosa

O poder de convocação das Forças Armadas ganhou a cena política após o artigo 142 da Constituição Federal passar a ser citado em manifestações antidemocráticas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como a possibilidade para uma intervenção militar. Faixas nesses atos têm pedido o fechamento do Congresso e do STF.

O dispositivo da Constituição expresso no artigo 142 diz: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

Judiciário e 'desgoverno'

Comentando as críticas de que o Judiciário estaria se sobrepondo ao Executivo, o ex-ministro Ayres Britto defendeu que a Justiça deve interferir no poder público com o objetivo de "impedir o desgoverno".

"Uma coisa é impedir o governo; outra, é impedir o desgoverno", disse Britto. "Por efeito da Constituição criadora dessas instituições que se têm, o Judiciário não tem a função [de governar], mas tem a força de impedir o desgoverno. O desgoverno está em afrontar a Constituição", afirmou o ex-ministro.

"O Judiciário é o único poder desarmado. Exatamente por ser desarmado é que fala por último. Quem tem arma, fuzil, carabina, míssil, cassetete, não pode falar por último", defendeu Britto.

Fogos contra o STF

A soltura de fogos de artifício feita por bolsonaristas em frente ao prédio do STF, no último domingo (20) foi minimizada pelo presidente do Clube Militar. Para Barbosa, o ato não representou uma ameaça ao Supremo, e sim uma mensagem, e tratá-lo como um ataque à instituição seria um "exagero".

"Estão escandalizando aquilo ali como se soltar fogos fosse uma ameaça. Mas caracteriza uma mensagem: 'Estamos de olho em vocês'. E cabe à população estar de olho em todo mundo, mesmo", disse o general.

Barbosa se disse contra o protesto com fogos, que considerou uma "grande besteira", mas acrescentou que não há nada de mais em se manifestar, desde que pacífica e democraticamente. "O caso dos fogos, eu sou contra. Mas dizer que aquilo é uma ameaça? Se alguém para um carro com uma bomba dentro ao lado do STF, isso é uma ameaça", ele contrapôs.

Governos do PT

Questionado pelo colunista Reinaldo Azevedo sobre os motivos da pouca simpatia pelo PT entre os militares, Barbosa criticou a aproximação do partido com governos de países como Venezuela e disse que os investimentos nas Forças Armadas feitos pelos governos petistas apenas recuperaram uma estrutura que estava defasada.

"A questão não é o PT. Se o PT não fosse tão alinhado com ditaduras, acho que a convivência seria melhor. O entendimento das Forças Armadas com os governos do PT nunca foi ruim", disse Barbosa.

"Nós, as Forças Armadas, somos instituições de Estado. Não importa ideologia A ou B. A gente quer atender a população e colaborar com o desenvolvimento nacional", afirmou o general.

Covid-19 e socialismo

Sobre a atual pandemia do novo coronavírus, o presidente do Clube Militar afirmou que o Brasil está "vivendo o socialismo" com as medidas de isolamento social, fundamentais para conter o avanço do novo coronavírus. Para ele, havia maneiras "menos traumáticas" de lidar com a pandemia, mas o país tem grandes possibilidades de superá-la.

"Estamos vivendo o socialismo: só pode sair se o governo deixa, está proibido falar. Estou falando genericamente, mas as pessoas estão com medo de falar. Será que daqui a pouco vai bater a Polícia Federal na minha porta? É quase um sistema socialista", disse Barbosa.

Assista à íntegra do debate no vídeo abaixo.