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Vitória de F. Bolsonaro atrasa investigação contra senador, dizem juristas

Herculano Barreto Filho, Igor Mello e Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio, e colaboração para o UOL, em Curitiba

26/06/2020 04h00

A decisão da 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio) favorável ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que remete o inquérito do Caso Queiroz da 1ª instância para o Órgão Especial do mesmo Tribunal, deverá retardar o andamento da investigação, segundo juristas ouvidos pelo UOL. Isso porque o Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção) do Ministério Público do Rio, até então responsável pelo inquérito, sai de cena.

Na semana seguinte à prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz, na última quinta-feira (18), era esperada apresentação de denúncia à Justiça contra Flávio pelos crimes de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro, dado o andamento avançado do inquérito. Mas, com a decisão de ontem, todo o conteúdo produzido pelos promotores muda de mãos e será remetido aos procuradores do Gaocrim (Grupo de Atribuição Originária Criminal) da Procuradoria-Geral de Justiça, que investigam deputados estaduais com mandato na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).

Por dois votos a um, a 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ deu foro especial a Flávio por entender que ele nunca deixou de ser parlamentar —de deputado estadual, ele assumiu uma cadeira no Senado em 2019. Os demais investigados no inquérito também são beneficiados pelo habeas corpus. As decisões judiciais anteriores foram mantidas.

Para o criminalista Wallace Martins, da Anacrim (Associação Nacional da Advocacia Criminal), Flávio Bolsonaro ganha tempo com a mudança para o Órgão Especial do TJ. Segundo ele, a vitória foi parcial, já que as decisões do juiz de primeira instância Flávio Itabaiana, como a prisão de Fabrício Queiroz, foram mantidas inicialmente.

Agora, Flávio Bolsonaro apenas ganha tempo. Foi uma vitória efêmera e frágil

Wallace Martins, advogado

O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirmou que a mudança de foro "embaralha o jogo" para uma eventual denúncia de Flávio sobre o esquema de rachadinha.

O caso sairá de um órgão do MP-RJ e vai para outro. Vai ter que ser reanalisado. Não podemos dizer que voltamos à estaca zero, mas pode haver uma mudança grande na condução da investigação

Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado

A transferência da investigação para outro órgão do MP-RJ pode acarretar um adiamento de uma possível apresentação de denúncia contra Flávio, segundo Kakay. "Há um investigado preso preventivamente [Queiroz]. Esta denúncia, se ocorrer, precisa ser apresentada rápido", pondera.

Kakay ainda explicou que, com o caso de Flávio no Órgão Especial do TJ-RJ, uma condenação poderia torná-lo inelegível. O advogado Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, concorda.

"Ele [Flávio Bolsonaro] vai perder o direito ao recurso e vai ser julgado direto pelo órgão colegiado. Isso tem repercussão na Lei da Ficha Limpa. Se for condenado, ele não pode mais se candidatar mesmo que o processo não tenha terminado", explica. O filho de Jair Bolsonaro assumiu uma cadeira no Senado pelo RJ no ano passado —o mandato é de oito anos.

Bottino ainda vê outros impactos negativos para Flávio, apesar da previsão de um período maior de investigação com a mudança de competência. Em vez de ser julgado por um juiz de 1º grau, com direito a recurso, o caso agora será avaliado por um colegiado formado por 25 desembargadores, sem a possibilidade de um recurso de apelação para reavaliação das provas.

Na prática, diz Bottino, só resta à defesa eventuais recursos para o STF (Supremo Tribunal Federal) e STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Veja a seguir os efeitos práticos no andamento do Caso Queiroz após a decisão de ontem:

O que acontece imediatamente com essa decisão?

O caso de Flávio Bolsonaro passa a tramitar no Órgão Especial do TJ-RJ, responsável por julgar pessoas com prerrogativa de foro por função, como o vice-governador, os deputados estaduais e os secretários estaduais.

O Órgão Especial é composto por 25 desembargadores —os 13 mais antigos e 12 eleitos para mandatos de dois anos. Portanto, as decisões sobre o caso passam a ser colegiadas.

As provas já colhidas podem ser anuladas?

Sim. Caberá ao Órgão Especial avaliar um eventual pedido da defesa de Flávio sobre a anulação das provas obtidas através de medidas cautelares concedidas na 1ª instância, como as quebras de sigilos fiscal e bancário e os resultados de mandados de busca e apreensão.

Queiroz será solto imediatamente?

Não. As decisões do juiz Flávio Itabaiana seguem tendo validade até que ocorra a análise de eventuais contestações pelo Órgão Especial do TJ-RJ. O mesmo vale para o mandado de prisão contra a mulher de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar, que é considerada foragida.

Os atuais investigadores deixam o caso?

Sim. Isso porque atualmente a investigação é conduzida pelo Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção) do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), composto por promotores com atribuição para atuar apenas na 1ª instância. O inquérito passa agora para as mãos dos procuradores do Gaocrim (Grupo de Atribuição Originária Criminal) da Procuradoria-Geral de Justiça, que investiga deputados estaduais com mandato na Alerj.