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CEO da Pfizer confirma à CPI oferta ignorada de vacina e carta a Bolsonaro

Hanrrikson de Andrade, Luciana Amaral e Rayanne Albuquerque

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

13/05/2021 04h00Atualizada em 13/05/2021 18h48

Em depoimento hoje à CPI da Covid, o gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, confirmou três ofertas ignoradas de vacinas contra a covid-19 pelo governo brasileiro em agosto do ano passado e o envio de uma carta da farmacêutica ao presidente Jair Bolsonaro e outras autoridades com o objetivo de acelerar a negociação dos imunizantes.

O documento ficou sem resposta por dois meses, segundo Carlos Murillo. A falta de um retorno também foi confirmada pelo ex-secretário de comunicação da gestão Bolsonaro Fabio Wajngarten ontem à CPI.

Se um dos acordos propostos tivesse sido fechado, segundo estimativa de Carlos Murillo, o Brasil teria recebido até o segundo trimestre de 2021 cerca de 18,5 milhões de doses. As primeiras remessas teriam chegado em dezembro do ano passado, de acordo com o cronograma inicial.

Com os entraves impostos pelo Ministério da Saúde, o acordo só foi concretizado em março deste ano, um mês depois de a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovar o registro definitivo do imunizante. O desfecho ocorreu sob críticas ao trabalho do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello —um dos motivos pelos quais ele acabou demitido. Pazuello está previsto para depor à CPI na quarta que vem, dia 19.

Até o momento, o Brasil recebeu pouco mais de 2 milhões de doses de vacinas da Pfizer. As primeiras doses começaram a chegar no país no final de abril.

Carlos Murillo disse que as primeiras reuniões com o governo federal para a venda de doses da vacina começaram em maio de 2020. A negociação principal aconteceu com o Ministério da Saúde, mas também houve contato com outros integrantes do governo, disse.

Segundo o CEO da Pfizer, a pessoa com quem interagia diretamente era o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde sob a gestão Pazuello, Élcio Franco. Com Pazuello, teve duas interações, citou.

13.mai.2021 - O gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, em depoimento à CPI da Covid - Jefferson Rudy/Agência Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado
13.mai.2021 - O gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, em depoimento à CPI da Covid
Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Propostas foram ignoradas pelo governo federal, diz

A primeira proposta da Pfizer foi feita em 14 de agosto de 2020 com a previsão de 70 milhões de doses até o final de 2021. A oferta era de 500 mil doses para 2020, 1,5 milhão para o primeiro trimestre de 2021, 5 milhões para o segundo trimestre, 33 milhões para o terceiro trimestre e 30 milhões para o quarto trimestre.

A segunda oferta foi feita em 18 de agosto e considerava 1,5 milhão de doses para 2020, 1,5 milhão para o primeiro trimestre de 2021, 5 milhões para o segundo trimestre de 2021, 14 milhões para o terceiro trimestre e 8 milhões para o quarto trimestre.

A terceira proposta foi de 26 de agosto. Considerava 1,5 milhão de doses para 2020, 2,5 milhões para o primeiro trimestre de 2021, 8 milhões para o segundo trimestre, 10 milhões para o terceiro trimestre e 8 milhões no quarto trimestre.

De acordo com Carlos Murillo, a Pfizer não recebeu respostas do governo federal.

Então, a Pfizer enviou carta ao governo

Diante da situação, em 12 de setembro de 2020, a farmacêutica enviou uma carta endereçada a Bolsonaro (sem partido), ao vice Hamilton Mourão (PRTB), a três ministros —Pazuello, Braga Netto e Paulo Guedes e ao embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Forster, com o objetivo de pedir mais rapidez nas negociações e se colocar à disposição, confirmou.

Assinada pelo presidente mundial da companhia, Albert Bourla, a carta ficou dois meses sem resposta, informou Carlos Murillo, assim como Fabio Wajngarten em depoimento à CPI ontem.

Nós não recebemos resposta da Presidência"

Ainda assim, ontem, Wajngarten buscou isentar Bolsonaro de qualquer culpa por eventuais omissões e minimizar a quantidade doses que foram oferecidas nas primeiras conversas com a farmacêutica.

Em novembro, as conversas entre a farmacêutica e o Executivo Federal começaram a avançar. No entanto, ainda havia dificuldades burocráticas e, depois, o governo federal se queixava de "cláusulas leoninas".

Carlos Murillo negou tal classificação e disse que as condições que a Pfizer propôs ao Brasil foram as mesmas negociadas e assinadas com mais de 110 países.

A Pfizer acabou decidindo pedir o registro definitivo da sua vacina à Anvisa, sem passar pelo pedido de uso emergencial. A Anvisa anunciou a concessão do registro em 23 de fevereiro deste ano. O executivo avaliou hoje que a farmacêutica não encontrou dificuldades no processo.

Se o Brasil tivesse feito um contrato com a Pfizer mais cedo, Carlos Murillo disse que "provavelmente, sim", a empresa teria pedido emergencialmente a autorização.

Senadores de oposição consideraram que o governo foi omisso e lento, e lembraram que outros países e o próprio governo brasileiro compraram vacinas antes de uma autorização regulatória.

Senadores governistas procuraram demonstrar que o governo sempre agiu a favor das negociações, mas esbarrava em questões jurídicas e na falta da aprovação da vacina da Pfizer pela Anvisa.

Mais ofertas desde novembro de 2020

Em 11 de novembro, a Pfizer fez nova oferta para cerca de 70 milhões de doses —2 milhões para o primeiro trimestre de 2021, 6,5 milhões para o segundo trimestre, 32 milhões para terceiro trimestre e 29,5 milhões para o quarto trimestre—, disse Carlos Murillo.

Em 24 de novembro foi feita a mesma oferta, com algumas "considerações diferentes, principalmente em condições para execuções do contrato com o Ministério da Saúde, como a necessidade de ter o registro sanitário aprovado para assinar essa oferta".

A quinta oferta da Pfizer aconteceu em 15 de fevereiro de 2021. Era de 100 milhões de doses, considerando 8,7 milhões no segundo trimestre de 2021, 32 milhões no terceiro trimestre e 59 milhões no quarto trimestre de 2021.

A oferta aceita pelo governo brasileiro é de 8 de março deste ano, informou. São 100 milhões de doses: 14 milhões no segundo trimestre de 2021 e os 86 milhões restantes no terceiro trimestre de 2021.

Um segundo contrato, de oferta feita em 23 de abril, por 100 milhões de doses adicionais, está em fase final de assinatura com o governo brasileiro, afirmou;

O preço cobrado pela dose sempre foi de US$10, de acordo com Carlos Murillo.

O posicionamento atual da Pfizer é continuar fornecendo a nossa vacina através dos governos no mundo. A companhia ainda não tem fornecido a vacina a entes privados. Desconheço quando é que poderia isso acontecer"

Carlos Bolsonaro participou de reunião da Pfizer com Wajngarten, diz

Carlos Murillo declarou à CPI da Covid que o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos) participou de uma reunião de representantes da farmacêutica com integrantes do governo no Palácio do Planalto.

Após aproximadamente uma hora da reunião, Fabio [Wajngarten] recebe uma ligação, sai da sala e retorna para a reunião. Minutos depois, entram na sala de reunião: Filipe Garcia Martins, Assessoria Internacional da Presidência da República, Carlos Bolsonaro"
Carlos Murillo, CEO da Pfizer

Segundo o executivo, Wajngarten explicou a Filipe Martins e a Carlos Bolsonaro os esclarecimentos prestados pela Pfizer até então no encontro. "Carlos ficou brevemente na reunião e saiu da sala. Filipe Martins ainda permaneceu na reunião. Foi encerrada logo na sequência, e as representantes da Pfizer saíram do Palácio do Planalto", disse.

Ontem, Wajngarten disse ser possível "caber numa mão" o número de vezes que falou com Carlos Bolsonaro.

O depoimento de Carlos Murillo aos senadores durou cerca de 5 horas e meia. Ele era ex-presidente da Pfizer no Brasil e estava à frente da companhia no período de articulações junto ao governo brasileiro para aquisição de doses da vacina produzida pela farmacêutica. Atualmente, Murillo ocupa a função de CEO da empresa para a América Latina.

Quem já prestou depoimento à CPI

  • Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde
  • Nelson Teich, ex-ministro da Saúde
  • Marcelo Queiroga, ministro da Saúde
  • Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa
  • Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência
  • Carlos Murillo, gerente-geral da Pfizer na América Latina

Próximos depoimentos previstos

*Nem todas as convocações já foram aprovadas, e as datas ainda podem sofrer alguma alteração.

  • Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores: 18 de maio
  • Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde: 19 de maio
  • Mayra Pinheiro, do Ministério da Saúde, conhecida como "capitã cloroquina": 20 de maio
  • Representante do Instituto Butantan: 25 de maio
  • Representante da Fiocruz: 26 de maio
  • Representante da União Química: 27 de maio