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Ciência, Queiroga, corrupção e mortes: as frases de Luana Araújo na CPI

2.jun.2021 - A médica infectologista Luana Araújo depõe hoje na CPI da Covid, no Senado Federal. - REUTERS / Adriano Machado
2.jun.2021 - A médica infectologista Luana Araújo depõe hoje na CPI da Covid, no Senado Federal. Imagem: REUTERS / Adriano Machado

Do UOL, em São Paulo

02/06/2021 11h05Atualizada em 02/06/2021 16h55

A médica infectologista Luana Araújo, que ocupou a cadeira de secretária extraordinária de combate à covid-19 durante pouco mais de uma semana, está sendo ouvida hoje na CPI da Covid, no Senado Federal. O desligamento da subpasta do Ministério da Saúde ocorreu em 22 de maio deste ano, dez dias após o anúncio da nomeação.

Luana está sendo questionada a respeito dos motivos de sua saída e sobre a convivência com outras áreas do governo federal, em especial o Palácio do Planalto. A médica exerceu a função apenas informalmente entre 12 e 22 de maio. A saída ocorreu antes que o nome dela fosse publicado em ato no Diário Oficial da União.

Segundo informações publicadas pela imprensa à época dos fatos, houve divergências entre as partes relacionadas a supostas condições estabelecidas pelo Palácio do Planalto.

A médica tem um posicionamento expressamente contrário a questões que são caras ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como o incentivo ao uso de medicamentos sem eficácia no tratamento da covid-19 (como cloroquina e hidroxicloroquina) e o respeito às medidas de restrição fundamentais no combate ao alastramento do vírus.

Durante o seu depoimento, Luana explicou que foi informada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que não seria nomeada como secretária de enfrentamento à covid-19. Ela disse que o ministro lamentou por ela não assumir o cargo e declarou que o nome da médica "não ia passar pela Casa Civil". Queiroga ainda teria dito que a infectologista teria "autonomia" ao exercer a função.

Além disso, a depoente apontou a necessidade do diagnóstico precoce dos infectados com covid-19 e não discutir um tratamento precoce sem comprovação científica, como indicado, inúmeras vezes, pelo atual mandatário. Luana classificou a discussão em torno de tratamentos ineficazes como "delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente" e ainda criticou a polarização política "esdrúxula" que afasta bons profissionais de exercerem cargos no governo.

Ainda em seu depoimento, a profissional disse que "falta informação de qualidade" ao presidente após ouvir frases antigas dele desqualificando a gravidade da pandemia e as vacinas contra a covid-19. A infectologista também falou sobre denúncias de desvios de recursos e declarou que a "corrupção mata".

Veja as frases de Luana Araújo na CPI da Covid:

Convite de Queiroga

A sua apresentação foi consonante aos meus valores que claramente explicitei a ele [Marcelo Queiroga, ministro da Saúde]. Aceitaria o convite para essa posição se me fosse garantida a autonomia necessária e sempre, sempre fossem respeitadas a cientificidade e tecnicidade. Pleiteei autonomia, não insubordinação e anarquia.

(...)

Eu abri mão de muitas coisas pela chance de ajudar o meu país. Os senhores acham que as pessoas que têm competência para ajudar o país se sentem compelidas a ajudar o país nesse momento? Não se sentem, então nós estamos perdendo.

(...)

Ele [Queiroga] me disse que lamentava e que meu nome não ia passar pela Casa Civil.
Luana Araújo, sobre fala do ministro ao informá-la de que ela não assumiria o cargo

Ciência

Ciência não tem lado. Ciência é bem ou mal feita. Ciência é ferramenta de produção e conhecimento para servir a população priorizando a vida e a qualidade de vida.

(...)

Eu reconheço o sacrifício e esforço de todos os meus colegas. Mas, infelizmente, também reconheço a falta de informação que eles têm para embasar esse tipo de situação [indicação do uso de cloroquina], com todo respeito do mundo. (...) Ninguém está deixando de analisar uma saída, as pessoas estão buscando soluções dentro de tudo que é possível, porque todos os países do mundo sofreram terrivelmente [com a covid]. Todo mundo quer uma saída.

(...)

Com todo respeito que devo aos meus colegas, a gente precisa entender a ciência como uma coisa muito além das nossas limitações pessoais. Preciso aprender com o que as pessoas estão dizendo e ter criticidade para entender isso.

Desqualificação da vacina e do vírus por Bolsonaro

A mim, como médica, infectologista, epidemiologista, educadora em saúde, isso me sucinta a ideia de que eu preciso trabalhar mais, de que eu preciso informar melhor as pessoas. Eu não estou sendo suficiente nas palavras que eu tenho usado. Me parece que falta informação de qualidade. Que na hora que você tem uma informação de qualidade e passa uma informação que a pessoa pode compreender, não é mais esse tipo de comportamento que a gente espera que aconteça. A mim, me dói.
Luana Araújo, após ouvir frases de Bolsonaro

Mortes

Só de ontem para hoje é como se 12 aviões comerciais grandes tivessem caído no nosso território [devido às mortes por covid-19 no Brasil]. Essa é a razão pela qual eu estou aqui hoje. Para mim, isso é intolerável e toda a pessoa deve fazer o que estiver ao seu alcance para impedir essa hecatombe.

"Tratamento precoce"

Essa é uma discussão delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente. Quando eu disse há um ano que nós estávamos na vanguarda da estupidez mundial, eu, infelizmente, ainda mantenho isso. Nós ainda estamos aqui discutindo uma coisa que não tem cabimento. É como se a gente estivesse escolhendo de que lado da borda da terra plana a gente vai pular.

(...)

Eu acredito. Eu acredito em tratamento precoce que funcione. A gente não tem nenhum [contra a covid-19].
Resposta a Luiz Carlos Heinze (PP-RS)

Medicação sem eficácia e responsabilidade médica

É bastante temerário colocar nas costas dos médicos ao redor do país, principalmente aqueles que estão em locais com muito pouca condição técnica, condição de exercício de trabalho, a responsabilidade de usar uma medicação que não tem eficácia. E não é que não foi comprovado, não; a ineficácia está comprovada. Não é mais uma discussão.

(...)

Nós não temos nenhuma ferramenta farmacológica que possa ser utilizada de forma inicial, como o senhor coloca, que impeça a progressão da doença.

(...)

É muito mais simples 'medicalizar' tudo. Então eu vou lá e dou um remédio, uma pílula qualquer, que está pronta, funcionando.
Eu acho que essa adoção infelizmente encontra na população um desconhecimento técnico e um desespero, um despreparo emocional para lidar com isso, que acaba
ecoando. (...) [Mas] Existem muitas estratégias que podem ser utilizadas para proteger essa pessoa que não tem outra opção que não sair de casa.

Polarização política

Infelizmente, por tudo o que vem acontecendo, essa polarização esdrúxula, essa politização incabível, as melhores cabeças que temos nessas áreas não estavam à disposição para trabalhar nessa secretaria.

Veto por posição científica e técnica

Essa hipótese me deixa, nem frustrada, mas extremamente envergonhada. Me coloquei a disposição do atual governo para que a gente junto chegasse a uma solução. Se o veto ao meu nome foi por conta da minha posição científica técnica, necessária, a mim só me resta lamentar. Eu não sei se foi, mas se foi, eu considero isso trágico.
Resposta a Marcos Rogério (DEM-RO) sobre os protocolos iniciais indicados contra a covid-19

Corrupção

Corrupção mata. Simples. Corrupção rouba dinheiro da onde ele deveria ser investido. Isso é resposta de uma cidadã, não estou falando como técnica. Se esse dinheiro é desviado de áreas que são cronicamente subfinanciadas, isso é ainda mais complexo. Então, a resposta curta e direta é que corrupção mata".

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.