Compra, irmãos Miranda, contrato suspenso: a linha do tempo do caso Covaxin
Irmãos Miranda, contrato suspeito, CPI da Covid: na última semana, as denúncias de suposta irregularidade na compra da vacina Covaxin, desenvolvida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, tomaram a atenção do cenário político brasileiro. Opositores do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) falam em prevaricação, enquanto aliados e membros do Executivo negam veementemente as acusações.
O contrato foi suspenso hoje pelo Ministério da Saúde, mas o caso já motivou um pedido de investigação contra Bolsonaro no STF (Supremo Tribunal Federal), apresentado por três senadores. Os parlamentares querem que a PGR (Procuradoria-Geral da República) apure se o presidente "optou por não investigar o suposto esquema de corrupção" envolvendo a compra da Covaxin.
Apesar de o caso ter ganhado destaque somente nos últimos dias, a relação do Brasil com a Covaxin data ainda do ano passado, tendo começado a tomar forma em janeiro de 2021.
Confira a linha do tempo:
6 de janeiro: 'MP das Vacinas'
Tudo começa com a edição, por Bolsonaro, da MP (Medida Provisória) 1.026 — apelidada de "MP das Vacinas" —, que flexibilizou as regras para permitir a compra de quaisquer vacinas e medicamentos mesmo antes do aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), desde que tenham sido aprovados por entidades sanitárias de países considerados referências, como Estados Unidos, Reino Unido e China.
A Central Drugs Standard Control Organization (CDSCO), equivalente à Anvisa da Índia, não aparecia nessa lista em um primeiro momento. Na prática, isso significava que a Covaxin não teria entrada facilitada no Brasil.
8 de janeiro: carta de Bolsonaro
A Covaxin aparece junto ao governo federal pela primeira vez em 8 de janeiro deste ano, quando Bolsonaro envia uma carta ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi. Nela, o presidente pediu a antecipação "com urgência" de 2 milhões de doses da vacina da AstraZeneca produzida pelo Serum Institute e mencionou a intenção de contar também com a Covaxin para imunizar a população brasileira.
[Entre as vacinas selecionadas pelo governo brasileiro] encontram-se aquelas da empresa indiana Bharat Biotech International Limited (Covaxin) e da AstraZeneca junto à Universidade de Oxford (Covishield), também produzida pelo Serum Institute of India.
Jair Bolsonaro, em carta a Narendra Modi
3 de fevereiro: emenda de Barros
A figura do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), entra em cena no início de fevereiro, quando o deputado apresenta uma emenda à MP das Vacinas para acrescentar a Central Drugs Standard Control Organization (CDSCO), da Índia, na lista de agências sanitárias consideradas referências.
A CDSCO foi responsável por autorizar o uso da Covaxin na Índia ainda em janeiro, o que, em tese, facilitaria a aprovação da vacina no Brasil caso a proposta de Barros passasse adiante. Foi o que aconteceu: a MP viria ser a sancionada por Bolsonaro pouco mais de um mês depois, em 10 de março.
Vale dizer, porém, que a inclusão de um órgão de saúde da Índia também consta em emendas apresentadas pelos deputados Orlando Silva (PCdoB-SP) e Renildo Calheiros (PCdoB-PE). A única diferença é que Barros sugeriu a CDSCO, enquanto Silva e Calheiros citaram, respectivamente, uma "entidade regulatória da República da Índia" e o "Ministry of Health & Family Welfaree", Ministério da Saúde indiano.
25 de fevereiro: anúncio da compra
Ainda em fevereiro, o Ministério da Saúde anunciou a assinatura do contrato para compra de 20 milhões de doses da Covaxin. O acordo, segundo a própria pasta, foi feito junto à Precisa Medicamentos e a Bharat Biotech, e o investimento total foi de R$ 1,614 bilhão — ou R$ 80 por dose, aproximadamente.
É a primeira negociação de vacinas com a presença de um intermediário (neste caso, a Precisa). Todos os outros contratos fechados pelo governo federal — como Pfizer, AstraZeneca, Janssen e CoronaVac, por exemplo — foram tratados diretamente com as fabricantes.
20 de março: reunião com Miranda
Menos de um mês após o anúncio do Ministério da Saúde, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) se encontra com Bolsonaro no Palácio da Alvorada para alertá-lo sobre um possível esquema de corrupção envolvendo a compra da Covaxin. De acordo com o parlamentar, o presidente reconheceu a gravidade do caso e disse que acionaria a Polícia Federal para investigar.
Miranda ainda diz ter avisado Bolsonaro sobre as pressões que seu irmão, Luis Ricardo Miranda, do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, estaria sofrendo para aprovar a importação da Covaxin. O presidente, então, teria atribuído a situação a algum "rolo" de Ricardo Barros.
30 de março: Anvisa nega certificado
A Anvisa se nega a conceder a certificação de boas práticas de fabricação de medicamentos à Bharat Biotech, que produz a Covaxin. Segundo a agência, havia problemas na documentação apresentada, nos métodos de análise, na integridade dos recipientes e nas técnicas usadas para "esterilização, desinfecção, remoção ou inativação viral", entre outros.
4 de junho: importação aprovada
A Anvisa aprova a importação de quantidades limitadas — 4 milhões de doses — e o uso em condições controladas da vacina Covaxin. A autorização, porém, trazia as seguintes condições:
- Que todos os lotes destinados ao Brasil tenham sido fabricados após as adequações implementadas pela Bharat Biotech em abril, após a negativa do certificado de boas práticas;
- Apresentação de certificado de potência para todos os lotes;
- Entrega e avaliação pela Anvisa dos dados referentes a dois meses de acompanhamento de segurança do estudo clínico de fase 3;
- Liberação de todos os lotes quanto aos aspectos de qualidade por análise laboratorial pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), da Fiocruz.
9 de junho: certificação concedida
Com os ajustes feitos pela Bharat Biotech, a Anvisa concede o certificado de boas práticas de fabricação das plantas envolvidas em todo o processo produtivo da Covaxin.
22 de junho: "sobrepreço" de 1.000%
Documentos do Ministério das Relações Exteriores divulgados pelo jornal O Estado de S. Paulo mostram que o governo comprou a Covaxin por um preço 1.000% maior do que, seis meses antes, era anunciado pela Bharat Biotech.
Um telegrama sigiloso da embaixada brasileira em Nova Délhi informava, em agosto de 2020, que o imunizante tinha preço estimado em 100 rúpias (US$ 1,34 a dose). Em dezembro, outro comunicado dizia que vacina "custaria menos do que uma garrafa de água". Em fevereiro, o Ministério da Saúde pagou US$ 15 por dose (R$ 80,70, na cotação da época) — a mais cara das vacinas compradas até agora.
23 de junho: Miranda fala, governo reage
Luis Miranda dá entrevista ao Estadão e enfim revela ter se encontrado com Bolsonaro três meses antes para denunciar as suspeitas em torno da compra da Covaxin. De acordo com o parlamentar, ele apresentou documentos que comprovavam as irregularidades.
No mesmo dia, em pronunciamento, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, rebateu as declarações de Miranda, classificadas como "mentirosas" e construídas para "atingir a imagem do presidente Jair Bolsonaro". Ele também anunciou que Bolsonaro pediu à Polícia Federal que investigue o deputado por suposta denunciação caluniosa.
Quero alertar ao deputado Luis Miranda que o que ele fez hoje é denunciação caluniosa, e isso é crime. Sobre as acusações, quero dizer: não houve favorecimento a ninguém, porque essa é a prática desse governo. Não houve sobrepreço, não houve compra alguma. Portanto, o governo tomará medidas e o presidente determinou que a PF abra uma investigação.
Onyx Lorenzoni, em pronunciamento
25 de junho: sessão na CPI
Logo depois das revelações feitas à imprensa, Luis Miranda e seu irmão, Luis Ricardo, são convocados a depor na CPI da Covid, onde reforçaram as suspeitas em torno do contrato da Covaxin. Ao final da sessão, já bastante pressionado, o deputado enfim confirmou que Bolsonaro citou o nome do líder Ricardo Barros ao ouvir as denúncias de irregularidade.
28 de junho: notícia-crime no STF
Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) apresentam uma notícia-crime contra Bolsonaro no STF por prevaricação, crime cometido por funcionário público ao retardar ou deixar de praticar um ato de ofício — neste caso, a compra de vacinas contra a covid-19 — para satisfazer um interesse pessoal.
A relatora do caso é a ministra Rosa Weber, que pediu à PGR para analisar se vai ou não abrir um inquérito contra o presidente.
29 de junho: contrato suspenso e posição da PGR
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anuncia a suspensão do contrato com a Precisa Medicamentos, representante da Bharat Biotech no Brasil, para compra de 20 milhões de doses da Covaxin. A decisão foi tomada junto à CGU (Controladoria-Geral da União), que deve analisar o caso em "não mais de dez dias", segundo anunciou o ministro Wagner Rosário.
Por uma questão de conveniência e oportunidade, decidimos suspender o contrato para que análises mais aprofundadas sejam feitas. (...) O Ministério da Saúde vai fazer uma apuração administrativa para verificar todos os aspectos da temática que foi suscitada a partir do final da semana passada. Assim que tivermos dados mais concretos, nós vamos comunicar os senhores da imprensa.
Marcelo Queiroga, ministro da Saúde
No mesmo dia, a PGR pede que a ministra Rosa Weber não dê prosseguimento à notícia-crime protocolada por senadores contra Bolsonaro. No entendimento do vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, é conveniente que o MPF (Ministério Público Federal) aguarde a conclusão da CPI da Covid em vez de instaurar uma investigação concorrente sobre o caso Covaxin.
30 de junho: inquéritos e suspensão da Anvisa
O MPF (Ministério Público Federal) do Distrito Federal e a Polícia Federal decidem abrir inquéritos para apurar as denúncias de irregularidade no contrato de compra da Covaxin. O primeiro, um inquérito criminal, foi determinado pelo procurador da República Paulo José Rocha Júnior, enquanto o segundo atende a um pedido do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
A determinação do MPF-DF de criminalizar as investigações foi tomada pelo 11º Ofício de Combate ao Crime e à Improbidade Administrativa. Antes, a apuração tinha caráter preliminar — como a aberta pela PF.
Paralelamente, a Anvisa suspende o prazo para analisar o pedido de uso emergencial da Covaxin no Brasil, apresentado na véspera pela Precisa Medicamentos. A decisão foi tomada após a agência verificar que documentos obrigatórios para avaliação da eficácia e da segurança da vacina "foram apresentados apenas parcialmente ou não foram localizados".
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