Barroso cita livro sobre ditadura e 'Cálice' após Bolsonaro ameaçar eleição
Depois de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ameaçar a realização das eleições em 2022 e chamar Luís Roberto Barroso de "idiota" e "imbecil", o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) usou suas redes sociais para responder indiretamente ao ataque.
Sem citar Bolsonaro, Barroso recomendou na noite desta sexta-feira (9) o livro "A ditadura escancarada", de Elio Gaspari, e a música "Cálice" —composição de Chico Buarque e Gilberto Gil censurada durante o regime militar.
Na mesma publicação, o ministro compartilhou um pensamento: "Quando um homem de bem responde um insulto com outro insulto, ele permite que o mal vença. Não é preciso responder. O mal consome a si mesmo".
Mais cedo, em nota, Barroso afirmou que "qualquer atuação no sentido de impedir" a realização das eleições "viola princípios constitucionais e configura crime de responsabilidade".
Bolsonaro alegou fraude sem apresentar provas
Nesta sexta-feira, Bolsonaro voltou a ameaçar a realização das eleições de 2022 em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada.
Sem provas ou indícios, o presidente reiterou que o atual sistema eletrônico é passível de fraudes e que é preciso implementar o voto impresso. A insinuação infundada é a de que poderia haver fraude nas atuais urnas para derrotá-lo no ano que vem.
"Não tenho medo de eleições, entrego a faixa a quem ganhar, no voto auditável e confiável. Dessa forma, corremos risco de não termos eleições ano que vem. Futuro de vocês que está em jogo", afirmou.
Ele criticou a posição de Barroso contra o voto impresso. Em sua argumentação, o ministro diz que um dos principais problemas do voto impresso é de que ele poderia ferir o sigilo do voto.
"Resposta de um imbecil, lamento falar isso de uma autoridade do STF, só um idiota para fazer isso", disse Bolsonaro que, ao longo da conversa, ainda afirmou que era uma "vergonha" Barroso estar no STF.
Autoridades repudiam a ameaça
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), reagiu à ameaça de Bolsonaro. Sem citar o nome do presidente ou de aliados, Pacheco afirmou que o Congresso "não admitirá qualquer atentado" à sua independência. Disse também repudiar especulações sobre fraude nas urnas eletrônicas e sobre a possibilidade de não haver eleições em 2022, algo que Bolsonaro vem repetindo sem apresentar provas.
Todo aquele que pretender algum retrocesso ao Estado democrático de direito, esteja certo, será apontado pelo povo brasileiro e pela história como inimigo da nação
O ministro do STF Alexandre de Moraes, que será o próximo presidente do TSE, também veio a público repudiar ataques às eleições.
País nunca teve comprovação de fraude em urnas eletrônicas
Ontem Bolsonaro já havia feito a mesma ameaça em relação às eleições de 2022, dizendo que elas poderiam não acontecer se, em sua visão, não fossem limpas. Hoje, ele avançou em sua posição.
"Nós vamos ter eleições limpas, pode ter certeza. Eu não participar de fraude não quer dizer 'vou ficar em casa'. Não teremos eleições fraudadas em 2022", disse Bolsonaro, que em outro momento da conversa disse que a "fraude está no TSE" e "acontece de cima para baixo".
Desde a adoção das urnas eletrônicas no Brasil, em 1996, nunca houve comprovação de fraude nas eleições. Essa constatação foi feita não apenas por auditorias realizadas pelo TSE, mas também por investigações do MPE (Ministério Público Eleitoral) e por estudos independentes.
Além disso, as urnas eletrônicas são auditáveis e este procedimento é feito durante a votação. O processo é chamado Auditoria de Funcionamento das Urnas Eletrônicas (ou "votação paralela"). Na véspera da votação, juízes eleitorais de cada TRE (Tribunal Regional Eleitoral) fazem sorteios de urnas já instaladas nos locais de votação para serem retiradas e participarem da auditoria.
Pelo menos desde março do ano passado, Bolsonaro tem afirmado possuir provas, embora não as apresente, de fraude nas eleições de 2014 e de 2018.
Sobre a primeira, ele afirma que o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) teve mais votos que Dilma Rousseff (PT), eleita naquele ano. A respeito de 2018, ele afirma que uma fraude o impediu de ter derrotado o candidato do PT, Fernando Haddad, ainda no primeiro turno.
No dia 21 de junho, o TSE deu prazo de 15 dias para que o presidente forneça provas das alegações sobre a segurança das urnas. O prazo, porém, só vencerá em agosto devido ao recesso judicial. Ainda não houve resposta de Bolsonaro no processo.
Momento de pressão para Bolsonaro
A manifestação em tom ameaçador de Bolsonaro ocorre em um momento de pressão. Além do avanço nas investigações da CPI da Covid, pesquisa do Datafolha divulgada ontem mostrou rejeição recorde de 51% ao presidente desde que ele assumiu o cargo em 2019.
Na conversa com os apoiadores, Bolsonaro tentou novamente desqualificar institutos de pesquisa, sem apresentar qualquer indício, e tentou minimizar a suspeita de irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin e a denúncia de pedido de propina do ex-diretor do Ministério da Saúde Roberto Dias.
Ele voltou a chamar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de 'nove dedos' e disse que o possível rival na campanha eleitoral de 2022 só ganharia com fraude comandada pelo TSE.
"Se essa cambada voltar ao poder, toda semana vocês tinham dois, três casos de corrupção. Comigo agora, terceiro escalão teria negociado comprar vacina. Não foi gasto um centavo. Daí vêm os institutos de pesquisas fraudados colocando o nove dedos em cima [Lula]. Para que? Se confirmado, com voto fraudado no TSE. Não estou culpando todo servidor, mas na cabeça ali tem algo, porque não querem o voto auditável", disse.
Sem ser claro na referência, Bolsonaro ainda disse que "já está certo quem vai ser presidente ano que vem". Na sequência, ele questionou: "A gente vai deixar entregar?". O presidente não apresentou provas sobre a declaração e tampouco foi questionado sobre suas razões pelos apoiadores.
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