Autor de dossiê antifascista afaga Bolsonaro, mas quer distância de Eduardo
"É você que vai me chamar de fascista?", perguntou ao repórter o deputado estadual Douglas Garcia (PTB), 27, ao receber o UOL em seu gabinete na semana passada.
De costas para bonecos de super-heróis e o retrato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Garcia se defende convicto das oito condenações que sofreu em primeira instância por supostamente divulgar um dossiê contra antifascistas.
"Não chegam nem à metade das 20 vitórias que tive", diz ele, que em 2022 quer ir para o Congresso porque, "apesar de eu ter mais palco" na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), "você não pode falar nada que tudo é motivo de cassar".
Ele usa o mesmo argumento para defender o presidente da acusação de prevaricação por não denunciar o suposto esquema na compra de vacinas contra covid-19. Para Garcia, Bolsonaro seria vítima de quem se aproveita de seu jeito "espontâneo" de ser: "Não que ele tenha intenção de se corromper".
Apesar do afago a Bolsonaro pai, Douglas quer distância do terceiro filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que teria exigido "subserviência": "Não sou cachorrinho de ninguém".
Garcia diz que sua vida mudou desde que assumiu ser gay, após ofensa à deputada trans Erica Malunguinho (PSOL).
Meus pais são evangélicos da Assembleia de Deus. Foi uma situação muito delicada."
UOL - O senhor vivia na favela Buraco do Sapo, na Cidade Ademar, zona sul. Continua morando lá?
Meus pais, eu tirei de lá. Não tenho condições de mudar o padrão de vida de todos os meus parentes, mas meu pai e minha mãe sempre vou honrar, como diz a Bíblia. Hoje moro no Tatuapé, zona leste.
O senhor se assumiu gay em 2019 após ofensa transfóbica à deputada Erica Malunguinho (PSOL). O que mudou na sua vida desde então?
Eu não considero ofensa transfóbica [Garcia disse que expulsaria uma pessoa transexual a tapa no banheiro]. Pedi desculpas por como me coloquei. Desde então minha vida mudou da água pro vinho. Tive de falar com meus pais. Foi um dos momentos mais sensíveis, intensos da minha vida, não sabia por onde começar. Meus pais são evangélicos da Assembleia de Deus. Foi uma situação muito delicada que terminou com os dois me abraçando, chorando e dizendo que me amam.
Meus detratores dizem que saí do armário. Podem falar. Quando vi que meus pais me aceitam do jeito que sou, decidi dar essa informação a Deus e ao mundo.
O senhor já foi condenado oito vezes pela autoria de um dossiê antifascista. O dossiê é seu?
Não dei publicidade a nenhum dossiê. As condenações são em primeira instância e não chegam à metade das 20 vitórias que tive. Uma foi revertida em segunda instância. A maioria foi à revelia [por não comparecer ao julgamento]. Tem processo contra mim no Brasil todo, por isso não consegui acompanhar. E tem juiz que entende que a Assembleia [Legislativa] é domicílio. Quando uma carta chega no protocolo, ela demora a chegar ao meu gabinete, sabe?
Às vezes o servidor não está, às vezes o servidor demora pra entregar. Como posso ter sido citado se quem recebe é um servidor lá embaixo?"
O senhor diz que não divulgou, mas formulou o dossiê?
Eu pedi informações de pessoas do estado de São Paulo e do sexo masculino para direcionar à polícia. Mas sou processado por mulheres no Paraná, Nordeste, Norte. Tudo leva a crer que outro dossiê foi vazado. Vi no Facebook que existia um de 2018.
Em setembro, a Justiça determinou que o Twitter removesse dois vídeos em que o senhor fala sobre ter preparado o dossiê.
Respeito, mas é uma espécie de censura porque possuo imunidade parlamentar.
Um desembargador defendeu na última sentença que a publicação fosse mantida. O outro disse que minha imunidade parlamentar é absoluta."
A imunidade parlamentar não garante que pessoas que ocupam cargos públicos não tenham o conteúdo retirado nas redes sociais. O benefício vale para parlamentares e legisladores que não respondem a processos jurídicos.
Sua advogada afirmou que o dossiê foi entregue a autoridades americanas por Eduardo Bolsonaro, que nega.
Em junho do ano passado almoçamos em Brasília. Tive a ideia de passar à polícia informações sobre quem estava depredando patrimônio público, explodindo tudo, como terroristas. O Eduardo falou "pô, cara, legal, me inclui nessa?", e eu falei "beleza, vou passar pra Polícia Federal e pra Civil".
Quando vi que o então presidente dos Estados Unidos Donald Trump considerava esse grupo terrorista, falei em entregar na embaixada. "Como você [Eduardo Bolsonaro] tem mais proximidade por estar em Brasília, vou repassar e você faz o protocolo, beleza?", [Ele respondeu] "Beleza, vamos fazer". Depois que entreguei, não sei o que ele fez.
Segundo a Constituição Federal, "terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública". A pena é de até 30 anos de prisão.
A origem da briga [com Eduardo Bolsonaro] não foi na campanha para vereador em 2020, quando o candidato apoiado por ele disputava eleitor com seu candidato em São Bernardo?
Ele apresentou o candidato como o único leal a ele. Então não sou leal? Não se trata de lealdade, mas de independência legislativa. Quem controla meu mandado são os conservadores que me elegeram. Não sou cachorrinho de ninguém: vai lá, faz.
Ele quer ser reverenciado e eu não gosto de prestar homenagens. O que é lealdade? Colocar meu mandato pra que ele decida o que fazer? Isso é subserviência.
Em 2022 o senhor vai tentar a reeleição?
Se for da vontade de Deus e do povo, vou para o Congresso Nacional.
Por quê?
A Assembleia é uma bolha de sabão. Apesar de eu ter mais palco, no sentido de usar a tribuna por mais tempo que meus colegas federais, aqui você não pode falar nada que é motivo de cassar, processar. E lá, não é que o nível seja mais baixo, mas você tem maior liberdade para debater.
Pode sair algumas palavras não muito sofisticadas em discurso emocionado e nem por isso você é cassado. Aqui, qualquer coisinha você está na tangente."
E a maior parte das coisas pelas quais eu brigo está no Congresso. Como falar de aborto, Código Penal, escola sem partido e porte de arma em âmbito estadual?
Quais as chances da direita em 2022?
Não vai ser como em 2018, mas as pessoas vão optar pelo conservadorismo pela repulsa ao PT."
A eleição de 2022 vai mostrar se o conservadorismo no Brasil prossegue ou morre. Pela primeira vez teremos uma resposta da população sobre o conservadorismo no Legislativo e Executivo.
Em 2018, o Lula não disputou.
O PT não volta enquanto tivermos uma opção conservadora, e o Bolsonaro é ela. Ele absorve o antipetismo, representa o conservadorismo enraizado na população. Se perguntar a um cobrador de ônibus o que ele acha de chamar sua filha de joãozinho, ele vai achar um absurdo. Essa pauta está em Lula? Não, em Bolsonaro. É o que o Mano Brown falou: "O PT perdeu o poder de se comunicar com a favela".
O governo é suspeito de oferecer propina como condição para comprar vacina e Bolsonaro é investigado por prevaricar ao não recorrer à polícia após suspeita de corrupção na compra da Covaxin. Ele errou?
Bolsonaro é uma pessoa extremamente transparente e espontânea. [Aos risos] Às vezes ele fala alguma coisa que não percebe e que é utilizado contra ele, mas não que ele tenha intenção de se corromper.
E eu não acredito em nada com o deputado Luis Miranda (DEM-DF) [autor da denúncia]. Essa pessoa não vale nada, fugiu dos Estados Unidos perseguido por pessoas que ele tinha dado golpe. O melhor que nos aconteceu é o Miranda nessa CPI. Pessoa podre, histórico criminoso.
O deputado Luis Miranda responde, na Justiça Federal, em Brasília, à acusação de possíveis golpes financeiros. De apoiadores a inimigos do presidente, ele e seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda, mudaram os rumos da CPI da Covid, ao afirmarem que houve pressão para acelerar o contrato da Covaxin, e que Bolsonaro foi avisado.
A CPI diz que Bolsonaro desprezou a compra de vacinas e apostou no kit covid, sem comprovação científica de eficácia. O senhor acredita em impeachment?
Não. O presidente Omar Aziz (PSD-AM) e o relator Renan Calheiros (MDB-AL) são contra o presidente. Qualquer coisa que sair da CPI será a comprovação de que o presidente fez x, y, z. Mentira. Nós [o governo] temos enviado, por parte da União, dinheiro para aquisição de vacina, R$ 2,5 bilhões para São Paulo.
Enquanto não tinha estudo, as pessoas iam ficar tomando dipirona e esperando a morte? O governo resolveu priorizar a autonomia médica, que dizia que, para qualquer tipo de doença que existe, a probabilidade de se curar é maior quando o tratamento é precoce. E não seria diferente com o coronavírus.
Não existe, até o momento, nenhuma substância com eficácia comprovada para o tratamento da covid-19. O termo "tratamento precoce" costuma ser usado para se referir a medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença, como a ivermectina, ou que já tiveram ineficácia atestada por pesquisas amplas, como a hidroxicloroquina. Há outras substâncias, como o rendesivir, que têm sido usadas em casos de pacientes internados.
Bolsonaro já abandonou outros apoiadores. Não teme que ocorra o mesmo com o senhor?
Eu sempre fui independente. O bloco [carnavalesco] Porão do Dops foi muito antes de ser deputado. Não precisei do presidente pra ter visibilidade. Se amanhã ele disser que não está comigo, eu continuaria apoiando o presidente para 2022 porque é a única opção conservadora que temos.
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