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STF retoma julgamento do marco temporal; ministros devem começar a votar

Grupo protesta em frente ao prédio do STF contra ação que ameaça direito de índigenas sobre a terra - Amanda Perobelli/Reuters
Grupo protesta em frente ao prédio do STF contra ação que ameaça direito de índigenas sobre a terra Imagem: Amanda Perobelli/Reuters

Rafael Neves

Do UOL, em Brasília

02/09/2021 04h00

O STF (Supremo Tribunal Federal) continua hoje, a partir da 14h, o julgamento do marco temporal das terras indígenas, que deve impactar os processos de demarcação das áreas no país. A expectativa é que os ministros comecem a apresentar seus votos na segunda metade da sessão, após se esgotarem as sustentações orais dos advogados que representam os interessados no processo.

Ao todo, 39 entidades se inscreveram no STF como amicus curiae (amigo da Corte), com o direito de se manifestar por até cinco minutos cada uma. A sessão de ontem foi ocupada por 21 oradores, quase todos contrários à tese do marco temporal.

Segundo essa interpretação, rejeitada pelos indígenas, só podem reivindicar demarcação de terra os povos que ocupavam a área até outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição.

Hoje o panorama deve mudar. Das 18 entidades que ainda devem se pronunciar, apenas quatro representam povos indígenas. As 14 restantes, que falarão por último, são sindicatos rurais e outras associações do agronegócio, como a SRB (Sociedade Rural Brasileira).

Alinhados com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), os ruralistas defendem o marco temporal, com o argumento de que sua derrubada traria "insegurança jurídica" às discussões fundiárias no país. Foi o que alegou o advogado-geral da União (AGU), Bruno Bianco, que falou ao STF ontem. Ele lembrou que a tese do marco temporal já foi usada em situações semelhantes.

"O precedente busca harmonizar o direito à posse em relação a terras que [os povos indígenas] tradicionalmente ocupam. O revolvimento dessas salvaguardas firmadas tem potencial de gerar total insegurança jurídica e ainda maior instabilidade nos processos demarcatórios", afirmou.

Desfecho incerto

O ministro Luiz Fux, presidente do STF, afirmou na última quarta que o caso será votado no plenário mesmo que precise de novas sessões. Internamente, porém, a sensação da Corte é a de que haverá um pedido de vista, como informou Carolina Brígido, colunista do UOL. Se isso se confirmar, o julgamento voltará a ficar paralisado por tempo indeterminado.

O adiamento do julgamento para esta semana, determinado por Fux, não encerrou a mobilização de povos indígenas em torno do tema. Acampados em Brasília desde o dia 23, eles se mantiveram na capital federal para acompanhar o caso por mais uma semana. A concentração, porém, se afastou em 2 km da Praça dos Três Poderes.

Se houver um pedido de vista, as atenções se voltam para o Congresso, onde tramitam vários projetos de lei repudiados pelas entidades em defesa dos povos indígenas. Um deles é o PL 490/2007, que prevê a tese do marco temporal, pela qual os indígenas só têm direito a terras que já ocupavam à época da promulgação da Constituição de 1988.

Em junho, este projeto foi aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, presidida pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF). A bancada ruralista, que defende a tese do marco temporal, pede que o texto seja votado no plenário da Casa.

O processo

A decisão do STF terá repercussão geral, ou seja, servirá para solucionar disputas sobre o tema em todas as instâncias da Justiça no país. A disputa opõe ruralistas, apoiados por Bolsonaro, e mais de 170 povos indígenas, que enviaram cerca de 6.000 representantes a Brasília para acompanhar o julgamento, segundo a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

O processo trata de uma briga judicial de 12 anos entre o governo de Santa Catarina e indígenas do povo xoclengue, que reivindicam um território na região central do estado. Em janeiro de 2009, cerca de cem deles ocuparam uma área onde hoje está a reserva biológica do Sassafrás, uma área de proteção ambiental.

Por essa razão, a Fatma, órgão ambiental catarinense à época, pediu reintegração de posse na Justiça. A ordem foi concedida em primeira instância e confirmada pelo TRF4 (Tribunal Regional da 4ª Região), em Porto Alegre. A Funai (Fundação Nacional do índio), então, recorreu da decisão do TR4, e o caso chegou ao Supremo no final de 2016.