Evangélico, Mendonça assume no STF ação sobre ensino de gênero em escolas
Recém-empossado no STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro André Mendonça assumiu a relatoria de um processo que discute o ensino de questões de gênero na educação. Movida pelo PSOL em 2018, a ação pede a derrubada de duas leis municipais, em Petrolina (PE) e Garanhuns (PE), que proíbem a abordagem do tema na grade curricular e em materiais didáticos nas escolas das cidades.
O processo não é isolado: desde 2017, chegaram ao STF pelo menos 11 ações contra leis locais que impedem discussões sobre gênero, orientação sexual e termos similares. Uma delas foi arquivada antes do julgamento e outras três, incluindo a de Mendonça, ainda esperam análise. Em todas as demais, o Supremo já decidiu por unanimidade anular as legislações, que foram consideradas inconstitucionais.
A posição do STF em torno do tema foi consolidada no ano passado, após os ministros anularem leis que interditavam o debate sobre gênero nas escolas em Nova Gama (GO), Foz do Iguaçu (PR), Ipatinga (MG), Cascavel (PR), Paranaguá (PR), Palmas (TO) e Londrina (PR).
O tribunal considerou que as leis usurpam competência da União, que é responsável pelas diretrizes da educação nacional. Além disso, segundo os ministros, a vedação do ensino sobre gênero viola a Constituição, que prevê uma educação baseada no pluralismo de ideias e na liberdade de ensinar e aprender.
Todos os sete processos já decididos, porém, foram julgados até agosto do ano passado, antes da entrada dos ministros indicados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). O ministro Nunes Marques já teve a chance de se posicionar em dois destes casos, inclusive o que agora está sob a relatoria de Mendonça, mas interrompeu ambos os julgamentos, que eram apreciados no plenário virtual da Corte.
Nos dois casos, Nunes Marques fez um pedido de destaque, para que as ações sejam analisadas em uma sessão presencial. A princípio, nenhuma das ações está agendada para ser discutida pela Corte no primeiro semestre de 2022.
Se divergirem dos colegas, Nunes Marques e Mendonça deverão contrariar uma jurisprudência firmada pelo STF em setembro do ano passado, quando o tribunal compilou os entendimentos predominantes na Corte em temas como união homoafetiva, direitos civis de pessoas transgênero e crimes de homofobia e transfobia, além da questão educacional.
"Vedar a adoção de políticas de ensino que tratem de gênero ou que utilizem tal expressão significa impedir que as escolas abordem essa temática, que esclareçam tais diferenças e que orientem seus alunos a respeito do assunto, ainda que a diversidade de identidades de gênero seja um fato da vida, um dado presente na sociedade que integram e com o qual terão, portanto, de lidar", afirmou o ministro Luís Roberto Barroso no julgamento que anulou a lei de Londrina.
Enquanto esteve na chefia da AGU (Advocacia-geral da União), antes de ser indicado ao Supremo, Mendonça não se pronunciou sobre a questão. Na única manifestação feita durante a gestão dele, o órgão se alinhou ao STF, ou seja, concordou com a derrubada da lei de Londrina, com o argumento de que o município invadiu a competência da União.
Essa manifestação, porém, foi assinada pelo AGU substituto, Renato de Lima França, já que Mendonça estava temporariamente afastado do cargo. Durante a sabatina que selou sua aprovação para o Supremo, no início do mês, ele declarou que "não se admite qualquer tipo de discriminação" contra a população LGBT, mas não foi questionado especificamente sobre o ensino de gênero nas escolas.
Evangélicos
O assunto é acompanhado com interesse pela Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos), principal entidade evangélica a atuar em processos no Supremo. O grupo, que apoiou a chegada de Mendonça, que é pastor, à Corte, atua nos processos sobre o ensino de gênero nas escolas como amicus curiae (amigo da Corte), condição na qual oferecem subsídios aos ministros e podem se pronunciar nos julgamentos.
Em todos os casos, a entidade defendeu as leis que proíbem a abordagem do tema no ensino municipal, mas foi derrotada. A Anajure argumentou, nos julgamentos, que haveria uma "imposição" dos estudos sobre gênero, o que provocaria uma "incompatibilidade com o direito dos pais de fazer com que seus filhos recebam educação moral de acordo com suas próprias convicções".
A advogada Edna Zilli, presidente da associação, afirmou ao UOL que a entidade é contrária até mesmo à inclusão, nas escolas, de conceitos como homossexualidade e a existência de famílias formadas por casais do mesmo sexo.
"Essa é uma conclusão que a escola não precisa expor para as crianças. A televisão e outros lugares deixam muito claro que existem essas opções, de casais do mesmo sexo. Mas fazer disso uma realidade nas escolas, eu acho que a grande maioria dos pais não quer isso para os filhos", afirma Zilli.
As leis
Os primeiros processos sobre o assunto chegaram ao STF em maio e junho de 2017, por meio da PGR (Procuradoria-Geral da República). Em seus últimos meses de mandato, o ex-PGR Rodrigo Janot levou ao Supremo um pacote de seis ações contra leis municipais nesse sentido, aprovadas a partir de 2015.
A proibição do tema foi aprovada, em alguns municípios, como parte dos planos municipais de educação, mas em outros casos foi criada uma lei específica para tratar do tema.
Algumas das normas vedam apenas a discussão de "ideologia de gênero" e termos similares. Mas outras normas, mais rígidas, foram além e proibiram a abordagem de assuntos como orientação sexual, diversidade sexual e até educação sexual.
A lei de Petrolina (PE), cujo processo está sob a relatoria de Mendonça, determinou a vedação da "disciplina denominada ideologia de gênero, bem como toda e qualquer disciplina que tente orientar a sexualidade dos alunos ou que tente extinguir o gênero masculino ou feminino como gênero humano".
Janot mandou abrir as ações a partir de um pedido de Deborah Duprat, que à época chefiava a PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão). Segundo apontou Duprat, os conceitos de gênero e orientação sexual foram construídos com base acadêmica desde a década de 1970 e são fundamentais para a construção de uma escola democrática e plural.
"Essa abordagem é fundamental para que se possa coibir as violações sistemáticas a direitos humanos no Brasil decorrentes de preconceitos de gênero e orientação sexual, que atingem majoritariamente crianças e jovens", afirmou a procuradora.
Linguagem neutra
Uma discussão mais recente, que chegou ao STF em 2021, diz respeito à chamada linguagem neutra de gênero. Em julho deste ano, o PT entrou com uma ação contra um decreto do governo de Santa Catarina que proíbe esta adaptação da língua em instituições de ensino e documentos oficiais de órgãos públicos do estado.
"O decreto combatido, além de estar fortemente marcado pelo traço da censura prévia ao proibir o uso da linguagem neutra de gênero, viola preceitos fundamentais por impedir que alunos da rede pública possam se moldar e formar suas identidades em um ambiente livre e democrático", afirmou o partido na ação.
O relator do caso, ministro Nunes Marques, decidiu em outubro deste ano que o caso deverá ser analisado diretamente pelo plenário do STF, mas a ação ainda não tem data para ser julgada.
Outro processo, aberto em novembro, questiona uma lei semelhante aprovada pelo estado de Rondônia, que proibiu o uso da linguagem neutra "na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas ou privadas, assim como em editais de concursos públicos".
A lei, neste caso, acabou suspensa pelo relator, o ministro Edson Fachin. A medida foi submetida a julgamento virtual, mas a análise não foi concluída devido a um pedido de destaque feito por Nunes Marques. Até que o plenário analise o caso presencialmente, fica valendo a decisão de Fachin.
Em discussão com apoiadores sobre o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), no início de dezembro, Bolsonaro afirmou que "a linguagem neutra dos gays" tem o objetivo de "deixar o pessoal sem raciocinar".
Em abril de 2020, após o STF barrar uma destas legislações pela primeira vez, o presidente havia prometido que enviaria à Câmara um projeto de lei para impedir o ensino de gênero nas escolas. Até o momento, contudo, não houve proposta do Executivo neste sentido.
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