Parlamentares repudiam guerra, mas não há consenso sobre condenar Rússia
Senadores e deputados federais repudiaram a guerra entre Rússia e Ucrânia, mas não mostraram consenso sobre o Brasil vir a condenar oficialmente a Rússia pela invasão. Para parte dos congressistas ouvidos pela reportagem, bastaria pedir a suspensão imediata de hostilidades e uma solução diplomática, sem apoiar um lado específico, como já havia feito o Itamaraty.
Na noite de sexta (25), o Brasil votou contra a Rússia no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em um esforço de reposicionar o país diante dos ataques contra a Ucrânia e da pior crise de segurança internacional em décadas. Antes disso, o posicionamento do Itamaraty seguiu uma tendência de neutralidade na política externa brasileira, mas, no Congresso, há quem tenha visto uma excessiva passividade do governo brasileiro diante da situação e até mesmo "apoio velado".
Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, Aécio Neves (PSDB-MG) chegou a conversar com o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), na quinta (24), numa tentativa de convencer o presidente Jair Bolsonaro (PL) a tomar uma posição "mais clara e firme", sem sucesso até o momento.
O Brasil não pode ter uma posição que seja compreendida como dúbia"
Aécio Neves, deputado e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, ao UOL
A presidente do colegiado homólogo no Senado, Kátia Abreu (PP-TO), também soltou nota no mesmo dia. Disse considerar "as ações militares russas na Ucrânia fato de extrema gravidade, que viola princípios fundamentais da Carta da ONU e do direito internacional, por atentar contra a soberania e a integridade territorial de um país soberano e colocar em risco a vida de cidadãos inocentes".
Um deputado da base aliada de Bolsonaro, sob reserva, afirmou que todos devem rechaçar qualquer tipo de violência e agressão à soberania de um país, porém, questionou se os parlamentares deveriam ir tão longe a ponto de pedir que o Brasil tome partido na disputa.
Outro deputado do centrão avaliou que, "de boca fechada, Bolsonaro vai dar problema para o Brasil e, se abrir a boca, vai dar mais problema ainda". Para ele, o melhor a se fazer é ouvir os diplomatas e deixar todo e qualquer posicionamento somente com o Itamaraty. Apesar da tradição de não interferência do Brasil, ressaltou que o país costuma trabalhar mais próximo aos valores de países ocidentais.
"Quanto mais a gente puder agir com a diplomacia, sem criar polêmica, melhor. Mas, é aquele jargão: se ficar o bicho pega e, se correr, o bicho come", disse, ao ponderar possíveis prejuízos econômicos se o Brasil apoiar a Ucrânia explicitamente.
Um colega dele de Câmara lembrou que as opiniões pessoais e tomadas de decisões de Bolsonaro são, em geral, "imprevisíveis". A seu ver, Bolsonaro tem de se preocupar mais com os potenciais efeitos econômicos negativos da guerra do que com a eventual perda de votos na tentativa de reeleição em outubro por sua condução do país perante o conflito no leste europeu.
Contudo, há quem aposte que o fato de Bolsonaro ter evitado condenar a Rússia pessoalmente reforce, entre seus críticos, a imagem de alguém que não se importaria com vidas humanas, assim como dizem ter ocorrido na pandemia. Na avaliação dos políticos, numa corrida presidencial disputada com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nenhum voto deve ser desprezado.
Um senador aliado do presidente, que também preferiu não se identificar na reportagem, considera haver uma "confusão" de interpretação ao associar o suposto apoio de Bolsonaro à Rússia por causa da viagem dele ao país na semana passada — na qual chegou a anunciar "solidariedade" aos russos — com a posição oficial da República Federativa do Brasil.
Para o aliado de Bolsonaro, há uma tentativa de aproveitar uma crise sem relação com o Brasil para criticar Bolsonaro visando ganho eleitoral. Em sua avaliação, qualquer condenação deve partir das Nações Unidas.
Parte da oposição soltou declarações afirmando que os Estados Unidos têm parcela de culpa pela escalada da violência e pelo desenrolar da guerra.
Em linhas gerais, para eles, a Rússia está apenas se defendendo de uma política "imperialista" dos norte-americanos na região por meio da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), aliança militar entre nações da América do Norte e Europa criada no contexto da Guerra Fria para impedir o avanço da então União Soviética sobre países da Europa Ocidental.
Bolsonaro evita criticar Rússia diretamente
O presidente Bolsonaro tem evitado falar sobre a guerra e muito menos condenar a Rússia de forma direta. Na semana passada, antes de a guerra começar, e visitou Putin em Moscou e se disse "solidário à Rússia", sem explicar o contexto. Ele ainda disse que Putin é uma "pessoa que busca a paz".
Na quinta, desautorizou o vice-presidente, Hamilton Mourão, por ter criticado a Rússia explicitamente. Na ocasião, Mourão também comparou Putin ao ditador alemão Adolf Hitler. A atitude de Bolsonaro causou surpresa em parlamentares brasileiros, por mais que nem todos apoiem que o Brasil condene oficialmente a Rússia pela guerra.
A Ucrânia quer que o Brasil imponha sanções econômicas à Rússia numa tentativa de minar os recursos financeiros russos.
Sanções econômicas e restrições de exportações à Rússia vêm sendo discutidas e pactuadas pelos Estados Unidos, pelo Reino Unido e pela União Europeia. Há dúvidas, porém, se as medidas terão realmente efeitos práticos.
Um fator que torna uma eventual aplicação de sanções econômicas pouco provável é o comércio significativo entre a Rússia e a agricultura brasileira, em especial com a importação de fertilizantes para o Brasil.
Sem Bolsonaro, presidentes do Mercosul condenam ataques
Nesta noite, os presidentes de Argentina, Paraguai e Uruguai, membros do Mercosul, condenaram os ataques da Rússia à Ucrânia em uma declaração que não incluiu o Brasil.
Em uma nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores do Paraguai, que detém a presidência do Mercosul neste semestre, os líderes dos três países disseram que o avanço da Rússia em território ucraniano constituía uma "violação aberta dos princípios e normas do direito internacional".
"A este respeito... apelam veementemente à suspensão da agressão e à retirada imediata das forças militares russas do território ucraniano para o início urgente de negociações diplomáticas que conduzam a uma solução pacífica, aceitável e duradoura."
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