Suspeita de omissão levou Anderson Torres à prisão; entenda
A suspeita de omissão e conivência com atos golpistas levaram à prisão do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, detido nesta manhã (14) ao desembarcar no Aeroporto Internacional de Brasília.
O que justificou a prisão de Torres?
Anderson Torres teve a prisão preventiva decretada na terça-feira (10) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, relator das investigações sobre o atentado.
A prisão preventiva não tem prazo de duração, apenas deve ser reavaliada a cada 90 dias. Ela é decretada como forma de garantir a ordem pública e econômica, por conveniência da investigação, ou quando há indício suficiente de autoria de crime e de perigo na liberdade do investigado.
Na decisão, Moraes apontou principalmente a suspeita de "omissão e conivência" de Torres, uma vez que o ex-secretário deveria ter tomado medidas para prevenir a ocorrência dos crimes. Segundo o ministro do STF, tal omissão ficou demonstrada com:
- A ausência de policiamento, em especial do Comando de Choque da Polícia Militar do DF;
- A autorização para mais de 100 ônibus ingressarem livremente em Brasília sem qualquer acompanhamento policial, mesmo sendo fato notório que praticam atos violentos;
- Total inércia no encerramento do acampamento na frente do quartel-general do Exército, mesmo quando patente que o local "estava infestado de terroristas".
Segundo Moraes, houve falta de preparação da Secretaria de Segurança Pública para prevenir os atos terroristas.
O Código Penal estabelece que a omissão é penalmente relevante quando o investigado deveria ou poderia ter agido para evitar o resultado do crime. Entre as atribuições de Torres como secretário estava garantir a segurança do Distrito Federal por meio de programas, ações e diretrizes, além de coordenar as forças de segurança locais.
Por quais crimes Torres poderá responder?
Como as investigações ainda estão em andamento, não é possível definir quais crimes serão imputados ao ex-ministro. Além disso, fatos novos podem ser descobertos, como ocorreu com a apreensão da minuta de decreto que estabelecia um estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral - uma medida inconstitucional. O documento foi encontrado durante buscas na residência de Torres. O ex-secretário nega ter elaborado a minuta.
Moraes cita que há indícios de materialidade e autoria de oito crimes no episódio de invasão à sede dos Três Poderes. São eles:
- Art. 163, Código Penal (dano): Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:
- Art. 288, Código Penal (associação criminosa): Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes
- Art. 359-L, Código Penal (abolição violenta do Estado Democrático de Direito): Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais;
- Art. 359-M, Código Penal (golpe de Estado): Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído
- Art. 2º, Lei 13.260 (terrorismo): Prática por um ou mais indivíduos, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública;
- Art. 3º, Lei 13.260 (apoio a terrorismo): Promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista;
- Art. 5º, Lei 13.260 (preparação a atos de terrorismo): Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito;
- Art. 6º, Lei 13.260 (financiar atos de terrorismo): Receber, prover, oferecer, obter, guardar, manter em depósito, solicitar, investir, de qualquer modo, direta ou indiretamente, recursos, ativos, bens, direitos, valores ou serviços de qualquer natureza, para o planejamento, a preparação ou a execução.
As investigações devem apurar se a omissão de Torres contribuiu para o cometimento dos crimes acima e também eventual participação, ainda que por omissão dolosa, do ex-ministro em algum deles.
Quem pediu a prisão preventiva de Anderson Torres?
A Polícia Federal. O Supremo Tribunal Federal recebeu uma representação assinada pelo diretor-geral da corporação, Andrei Passos Rodrigues. Ele pediu a prisão do ex-secretário e buscas em endereços ligados a Torres.
Este documento ainda não foi divulgado, mas trechos dele foram citados por Moraes. Segundo o ministro, a representação "aponta as diversas omissões, em tese dolosas, praticadas pelos responsáveis pela segurança pública no Distrito Federal e que contribuíram para a prática dos atos terroristas".
A possibilidade de uma eventual omissão das autoridades públicas que tinham o dever legal de agir e eventualmente se omitiram, mesmo diante das informações que alertavam para os fatos vindouros, bem como das imagens que mostraram os manifestantes se deslocando do QG-Ex para a Praça dos Três Poderes, permitindo que tamanho dano tomasse forma"
Trecho de representação da PF que pedia a prisão de Anderson Torres
A Advocacia-Geral da União também pediu ao ministro a decretação da prisão de Torres, mas em flagrante, logo após a invasão e depredação das sedes dos três Poderes.
O que disse Moraes ao decretar a prisão de Torres?
Moraes considerou o comportamento do ex-secretário como "gravíssimo" e disse que poderia colocar em risco a vida de diversas autoridades, como o presidente da República, parlamentares e ministros do Supremo Tribunal Federal.
"No caso de Anderson Gustavo Torres e Fábio Augusto Vieira [ex-comandante da PM-DF, também preso], o dever legal decorre do exercício do cargo de Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e de Comandante-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal, e a sua omissão ficou amplamente comprovada pela previsibilidade da conduta dos grupos criminosos e pela falta de segurança que possibilitou a invasão dos prédios públicos", disse o ministro.
No caso dos atos ocorridos em 8/1/2023, há fortes indícios de que as condutas dos terroristas criminosos só puderam ocorrer mediante participação ou omissão dolosa - o que será apurado nestes autos - das autoridades públicas mencionadas"
Alexandre de Moraes, ministro do STF
Moraes também relembrou o histórico da tentativa de invasão à sede da PF, em 12 de dezembro. O episódio ficou marcado pelas cenas de vandalismo de radicais bolsonaristas ao depredar ônibus e veículos pelo centro de Brasília.
O ministro apontou que os atos ocorreram "sem que houvesse uma atitude proporcional" de Torres, que à época era o ministro da Justiça e Segurança Pública de Jair Bolsonaro (PL).
O que diz Anderson Torres?
Após a notícia da decretação da prisão preventiva, Torres anunciou que voltaria ao Brasil para se apresentar à Justiça. O ex-secretário estava em Orlando, na Flórida (EUA), e desembarcou neste sábado (14).
"Tomei a decisão de interromper minhas férias e retornar ao Brasil. Irei me apresentar à justiça e cuidar da minha defesa. Sempre pautei minhas ações pela ética e pela legalidade. Acredito na justiça brasileira e na força das instituições. Estou certo de que a verdade prevalecerá", escreveu.
Sobre a minuta de decreto inconstitucional encontrada em sua residência durante as buscas, Torres disse que o documento estava em uma "pilha para descarte" e seria triturado.
Havia em minha casa uma pilha de documentos para descarte, onde muito provavelmente o material descrito na reportagem foi encontrado. Tudo seria levado para ser triturado oportunamente no MJSP. O citado documento foi apanhado quando eu não estava lá e vazado fora de contexto, ajudando a alimentar narrativas falaciosas contra mim
Anderson Torres
O advogado Rodrigo Roca, que defende Torres, negou à colunista Juliana Dal Piva, do UOL, que o ex-ministro tenha elaborado o documento.
"Não é de autoria do ex-ministro. Todos os dias tinha alguém que procurava propondo golpe, estado de sítio. Isso nunca foi levado ao presidente (Jair Bolsonaro). A maior prova é que isso foi encontrado na casa dele", afirmou Roca.
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