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Nikolas ignora crime e usa Câmara e golpistas para manter bolsonarismo vivo

Nikolas Ferreira (PL-MG), em cerimônia de posse na Câmara dos Deputados, em fevereiro - Reprodução/Redes Sociais
Nikolas Ferreira (PL-MG), em cerimônia de posse na Câmara dos Deputados, em fevereiro Imagem: Reprodução/Redes Sociais
Gabriela Vinhal e Vinicius Nunes

Do UOL, em Brasília, e colaboração para o UOL, em Brasília

14/03/2023 04h00Atualizada em 14/03/2023 11h14

O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) abusa da estratégia da mentira e da polêmica, seja no plenário da Câmara dos Deputados, seja nas redes sociais, para tentar alçar seu nome ao plano nacional.

Aos 26 anos e em primeiro mandato, coleciona ofensas e fake news, se valendo da imunidade parlamentar.

O modus operandi emplaca entre seus seguidores e mantém aceso o espírito do bolsonarismo. Também foi utilizando essa tática que Jair Bolsonaro se fez popular e se transformou no maior opositor da esquerda no Brasil.

Segundo João Cezar de Castro Rocha, professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), historiador e pesquisador da extrema direita, Nikolas usa os mesmos truques retóricos seguidos por políticos dessa vertente no mundo todo.

A estratégia é baseada em escolher fatos excepcionais, tratá-los como corriqueiros, repeti-los à exaustão e dizer como isso afeta o cotidiano das pessoas. A ideia é causar medo e pânico social.

A resposta para o medo é o ódio. Ele só existe se criar o tempo inteiro um inimigo imaginário para manter a população refém das pautas artificiais da extrema direita, mas que acabam tendo efeito real."
João Cezar de Castro Rocha, historiador e pesquisador da extrema direita

"Pela estratégia, ele não pode deixar de testar limites o tempo todo e cometer crimes o tempo todo", afirma Rocha. A transfobia é crime, equiparado ao do racismo, conforme decisão do STF.

Por que a transfobia?

A atitude não havia tido grandes consequências até a semana passada, quando o deputado se tornou alvo de três notícias-crime no STF (Supremo Tribunal Federal) por transfobia. O ministro André Mendonça, indicado por Bolsonaro ao Supremo, vai ser o relator.

A pauta trans causou grande engajamento nas redes sociais porque já estava sendo usada pela extrema direita nos EUA e na Europa para a criação de um novo inimigo imaginário, explicou o professor. O gancho para dar continuidade ao discurso foi a presença de atletas trans em competições esportivas.

"Não são casos falsos e Nikolas não é original. Basta repetir os casos já existentes e terminar dizendo que 'isso pode acontecer com a sua filha'. Todos entram em pânico e querem repelir o 'inimigo'. A resposta para isso? O ódio", afirma o historiador.

O deputado, o mais votado nas eleições de 2022, já disse que sua "vida não acaba" com uma cassação de mandato. Também negou o crime e chamou de "histeria" as críticas que tem recebido.

Ao UOL, Nikolas disse que "a similaridade entre eu e Bolsonaro são as ideias e não tenho um método específico". "Bolsonaro é uma pessoa bem-humorada, que também tem uma personalidade forte, dá respostas firmes. E eu também da mesma forma", afirmou.

"Não tenho nenhuma empresa, monitoramento ou estratégia (para as redes). Simplesmente sou eu que administro minhas redes e posto aquilo que convém", completou.

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Ações contra Nikolas Ferreira serão relatadas por Mendonça no STF
Imagem: Reprodução

A deputada Maria do Rosário (PT-RS), que era um dos principais alvos de Bolsonaro quando ele estava na Câmara, presidia a sessão quando Nikolas fez um discurso transfóbico no Dia Internacional das Mulheres (8/3).

"O deputado tem que ser responsabilizado, porque, quando a Câmara não age, acaba passando um sinal para toda a nação brasileira de que aqui o nosso trabalho não é sério", disse.

Eu não o interrompi na tribuna porque percebi que era importante que o país visse esse tipo de falta de conduta. Agora ele também pode ser responsabilizado devidamente."
Maria do Rosário, deputada federal (PT-RS)

Estratégia funciona nas redes

O termo "Nikolas Ferreira" vinha com uma aparição média de 300 postagens por dia no Twitter global entre 7 de fevereiro e 7 de março.

Em todo este ano, Nikolas já havia sido citado em 561 mil postagens. O levantamento da Vox Radar mostra que o maior tráfego havia sido identificado em 1° de fevereiro (40.217), dia de sua posse. No dia da "performance transfóbica", seu nome foi tuitado mais de 73 mil vezes.

Segundo a Bites, entre 8 e 9 de março, ele ganhou cerca de 46 mil novos seguidores. Outros momentos em que Nikolas teve crescimentos significativos nas redes foram entre 8 e 9 de janeiro —dia do ataque às sedes dos três Poderes-, com 48,3 mil, e entre 31 de janeiro e 2 de fevereiro, na posse (109,4 mil na soma dos dois dias).

Atualmente, ele tem 11.457.778 seguidores (contando Facebook, Twitter, Instagram e Youtube). Na véspera das eleições, em outubro, tinha 6.646.797. Ou seja, um aumento de 72%.

Jair, Bolsonaros e suas cópias

eduardo bolsonaro ditadura - Reprodução - Reprodução
Eduardo Bolsonaro debochou de tortura sofrida por Miriam Leitão na ditadura militar
Imagem: Reprodução

Nos tempos de Bolsonaro na Câmara, ele usou da tribuna para atacar minorias e exaltar a ditadura militar.

Por ser um "inimigo" do politicamente correto, Bolsonaro ganhou publicidade gratuita nas redes sociais (de adeptos a indignados) e acabou alçado à Presidência.

Para o deputado Duarte Jr. (PSB-MA), Nikolas tenta seguir o mesmo caminho. "Foi uma ação orquestrada. Essa postura, que virou costumeira na Câmara, em especial por parte dos bolsonaristas, é uma atitude de menino de colégio do fundão, que não estuda e não produz", diz.

Deputado fez 2 projetos de lei

Até hoje, Nikolas Ferreira é autor de dois projetos de lei na Câmara. O mais recente altera o Código de Defesa do Consumidor para incluir o crime de elevação de preços sem justa causa nas situações de emergência social, calamidade pública e epidemia.

O outro é alteração em uma lei para facilitar o acesso dos cidadãos para a aquisição, o cadastro, o registro e a posse de armas de fogo e de munição. Nenhum dos dois projetos foi colocado para votação.

O congressista já fez sete discursos no plenário, na maioria defendendo os manifestantes bolsonaristas presos pelos atos golpistas de 8 de janeiro. Ele foi um dos que foi visitar os detidos. Em outra fala, pediu ao Congresso o "impeachment de ministros do Supremo".

Ação parada no Conselho de Ética

Duarte Jr. assina, com a bancada do PSB, do PSOL e do PDT, uma ação que pede a cassação do mandato de Nikolas no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar. No entanto, ainda não há previsão para a instalação do colegiado.

O nome para ocupar a presidência do conselho, geralmente, é feito em acordo das lideranças, com a bênção de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara. Para que alguma ação chegue ao colegiado, é preciso que Lira encaminhe a representação e que o presidente do conselho dê início à tramitação.

A expectativa por parte dos governistas é que o escolhido seja alguém ponderado, que consiga dar encaminhamento às denúncias.

Nikolas não está sozinho

Ao finalizar o discurso transfóbico, Nikolas foi ovacionado pelos seus pares bolsonaristas. Os mais efusivos foram André Fernandes (PL-CE), Gustavo Gayer (PL-GO) e Carlos Jordy (PL-SP), que aplaudiram o congressista de pé. Em coro, gritaram: "Nikolete, Nikolete, Nikolete".

Também na tribuna, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, disse que foi "provavelmente o melhor discurso desta Casa neste ano".

Estreando em conta no Twitter, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, disse que Nikolas "fala em nome de um segmento da sociedade e deve ser respeitado por isso". "Conte conosco, Nikolas! O PL estará sempre contigo", escreveu.

Em maio de 2022, Eduardo Bolsonaro e o PL eram os campeões de processos no Conselho de Ética.

Lira fez reprimenda pública

lira - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Arthur Lira criticou atitude de Nikolas e disse que a Câmara não é espaço para preconceitos
Imagem: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Nikolas ocupou a tribuna da Câmara para fazer um discurso pelo Dia Internacional da Mulher. Em uma atitude transfóbica, colocou uma peruca loira e, em tom de deboche, disse que "se sentia mulher", declarando que as "mulheres estão perdendo espaço para homens que se sentem mulheres" e reforçando o tom preconceituoso.

O MPF pediu que o discurso seja investigado por "suposta violação ética".

Lira criticou Nikolas. "O plenário não é palco para exibicionismo e muito menos discursos preconceituosos. Não admitirei o desrespeito contra ninguém. O deputado Nikolas Ferreira merece minha reprimenda pública", disse em suas redes.

Talvez a punição fique só por isso mesmo. Como o UOL já mostrou, o conselho arquivou mais de 70% das representações apresentadas contra deputados desde que foi criado, em outubro de 2001.

Esse resultado é o oposto do que, segundo o professor Rocha, seria necessário para coibir o comportamento. "É uma fórmula que se revela imbatível para produzir engajamento e likes, mas à custa de comprometer a sanidade mental de todo o país."