Paes Manso: Tráfico e polícia justificam violência com 'batalha espiritual'
O jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso afirmou em participação no UOL Entrevista que o tráfico de drogas e a polícia usam uma interpretação distorcida da Bíblia de "batalha espiritual" do bem contra o mal para justificar ações violentas.
No caso do crime organizado, ele afirma que essas distorções, em alguns casos, tentam justificar inclusive assassinatos, enquanto na polícia a interpretação relativiza ações violentas e truculentas.
A entrevista foi conduzida pela apresentadora Fabíola Cidral e pelos colunistas Leonardo Sakamoto e Josias de Souza.
A partir do momento que você justifica que vive uma batalha espiritual e diz que representa o bem, como faz o traficante brasileiro, você passa a matar em nome do bem, a partir dessa leitura e interpretação da Bíblia. Quem vai se contrapor dizendo que a lei proíbe assassinato, ouve que a lei da Bíblia é uma lei superior à dos homens. Você passa a não ter como argumentar. Nesse caso, o próprio crime passa a ser justificado. A gente vê muito isso acontecendo nas polícias. Muitos policiais que sustentam suas ações a partir do compromisso com a Bíblia agem de forma truculenta e violenta. Conforme eles mesmos acreditam, existem versículos que justificam esse tipo de ação violenta contra o mal.
Você passa a criar uma confusão e justificativas de ações criminosas em decorrência de uma interpretação da Bíblia. Então você tem uma série de possíveis distorções poque tudo passa a depender da interpretação que autoridades e pastores fazem da Bíblia. Bruno Paes Manso, pesquisador e jornalista
Bolsonaro mistura discurso de perseguido e ungido de Deus, diz Paes Manso
Bruno Paes Manso também afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) mistura o discurso de perseguido e ungido de Deus para manter o apoio que tem do público evangélico.
O pesquisador avalia que esse discurso é "frágil" por Bolsonaro já ter feito parte do "sistema" que diz combater, mas que ele "ainda cola" para esse fatia do eleitorado.
Esse discurso de que são vítimas do sistema funciona muito e sempre funcionou para os evangélicos. O Edir Macedo usa muito esse discurso. E de alguma forma até faz sentido. Tem um sistema de séculos e um grupo novo surgindo. Você tem um grupo que está trazendo uma leitura nova que não existia até o momento. De certa forma, existe uma adversidade das elites contra esse grupo. Mas, ao mesmo tempo, esse discurso acaba se degradando quando você passa a fazer parte do sistema e cometer os mesmos pecados. O que nós temos visto é que esse discurso de perseguido, misturado com o de ungido de Deus, ainda cola e é o que resta para a Michelle, para o Bolsonaro, para o Malafaia, para o Magno Malta, é esse discurso mágico de que eles representam algo que só capta quem acredita [no discurso]. É quase uma seita que fala entre eles próprios.
Guarujá: População vê Estado como inimigo e criminosos como aliados, diz Paes Manso
Durante a entrevista, o pesquisador comentou reportagem publicada hoje pelo colunista do UOL Josmar Jozino, que diz que o PCC pode ter matado o sargento aposentado da PM Gerson Antunes Lima para vingar mortos da Operação Escudo.
Ele afirmou que a linha de investigação da Polícia Civil é "possível" e que, em casos como esse, a população vê o Estado como inimigo por conta da violência de policiais.
Esse tipo de ação [violenta como no Guarujá] promove círculos de vingança que fazem a violência crescer e deslegitimam a autoridade do Estado nessas comunidades. Em resposta a isso, o Estado vai lá e barbariza de forma covarde essas comunidades, com o secretário de segurança pública já inocentando os policiais antes mesmo que as ações sejam investigadas e de que se entenda o que de fato aconteceu. A população desses lugares comunidade passa a ver o Estado como inimigos e os criminosos como seus aliados.
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