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Os estados americanos que estão usando a maconha para combater a epidemia de opioides

Fernando Duarte

Do Serviço Mundial da BBC

16/09/2018 07h23

Em 28 de agosto, o governador do Estado americano de Illinois, Bruce Rauner, assinou um projeto de lei permitindo que médicos possam prescrever a cannabis (maconha) como uma alternativa ao uso de analgésicos oriundos de opioides.

Mortes causadas pelo uso indevido desses medicamentos altamente viciantes e derivados do ópio (incluindo heroína) têm contribuído para o crescimento do número de vítimas fatais por overdose nos Estados Unidos.

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Os opioides são medicamentos derivados da papoula - planta que também é a base de produção do ópio. Eles estimulam receptores no cérebro e geram um poderoso alívio da dor. Além disso, reduzem a ansiedade e a depressão que costumam acompanhar episódios de dor intensa. Por outro lado, eles também produzem uma sensação de euforia e são altamente viciantes - a ponto de causarem uma epidemia hoje considerada crise de saúde pública nos EUA.

Em 2017, ao menos 72 mil pessoas morreram de overdose nos Estados Unidos. Mais de duas em cada três pessoas foram vítimas de opioides em geral, segundo um relatório preliminar do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), divulgado em agosto.

Atualmente, a overdose tira mais vidas americanas do que as armas de fogo ou acidentes de trânsito. O CDC estima que mais de 700 mil americanos morreram de overdose de opioides desde 1999, incluindo pessoas famosas, como o cantor pop Prince, que morreu em 2016 depois de sofrer uma overdose acidental de fentanil, elemento 50 vezes mais forte que a heroína.

Em média, no ano passado, cerca de 200 americanos morreram de overdose diariamente.

Segundo o Drug Enforcement Administration (órgão americano de repressão às drogas), em contrapartida, não houve nenhuma morte por overdose de maconha nos Estados Unidos no ano passado.

Dores crônicas

Illinois, cujo número de mortes por overdose de opioides (1.947) foi o sétimo maior do país, não é o único Estado americano a testar a maconha para tentar solucionar o problema.

Nova York, Geórgia e Pensilvânia adotaram programas parecidos, na esperança de que a maconha ajude a enfrentar o problema de saúde pública.

Essas iniciativas são limitadas a pacientes com prescrição de medicamentos para tratar de dores crônicas.

Um dos problemas para tratar o tema é a ampla oferta de pílulas de opioides nos Estados Unidos: um relatório de 2017 mostra que há 58,5 receitas médicas desses medicamentos para cada 100 americanos.

Esse número já foi maior: em 2012, havia 81,3 receitas para cada 100 pessoas. Porém, mesmo com o esforço legislativo e de associações médicas, o índice de 2017 é ainda mais de duas vezes maior que o registrado em 1999, segundo o CDC.

Houve outro efeito colateral dessa presença massiva de opioides nos Estado Unidos: viciados sem acesso a prescrições passaram a buscar remédios e drogas de forma alternativa e ilícita, como pílulas falsificadas ou heroína. Um relatório da CDC de 2017 apontou que as mortes causadas por drogas nos Estados Unidos quintuplicaram entre 2010 e 2016.

Medicina com cannabis

Alguns especialistas acreditam que dores crônicas poderiam ser tratadas com as propriedades da cannabis. Nos Estados Unidos, a droga já é usada em tratamentos de uma série de problemas de saúde, como dores, náusea, espasmos musculares e epilepsia.

Ao menos 30 estados e o Distrito de Columbia já legalizaram o uso medicinal da cannabis. Além disso, nove Estados passaram também a permitir uso recreativo da planta, apesar da legislação federal criminalizar a maconha.

Pesquisas acadêmicas mostraram que regiões com leis pró-cannabis não apenas reduziram as prescrições de opioides, como também diminuíram o número de mortes por overdose em comparação com locais que ainda proíbem esse tipo de tratamento com a erva ou derivados.

Segundo um estudo da Universidade da Pensilvânia, 13 Estados que liberaram o uso medicinal da maconha tiveram redução de 24,8% da mortalidade por overdose entre 1999 e 2010 em comparação com estados sem a nova lei.

Uso recreativo da maconha

O estudo da Universidade da Pensilvânia faz parte de um conjunto de pesquisas sobre a relação entre o uso medicinal da cannabis com a queda de prescrição de opioides.

Em abril deste ano, pesquisadores da Universidade de Kentucky adicionaram à discussão uma importante descoberta: o uso recreativo da cannabis também tem relação com a queda das prescrições de opioides.

"Descobrimos que a implementação do uso medicinal da maconha está associada a uma taxa de 6% da queda de prescrição de opioides no Medicaid (programa social do governo americano na área da saúde)", diz Hefei Wen, professor-assistente da Universidade de Saúde Pública e um dos autores do estudo.

Wen e seu colega Jason Hockenberry estudaram os dados de quatro Estados que implementaram leis pró-cannabis entre 2011 e 2016 (Colorado, Washington, Alasca e Oregon).

"Vale a pena lembrar que nossas descobertas sugerem correlação e não causalidade", diz Wen.

O estudo, no entanto, atraiu grande atenção da mídia americana, porque 11 Estados planejam consultar a população sobre leis pró-cannabis nas eleições de meio de mandato, em novembro.

"A crise dos opioides é um problema complexo e nós não acreditamos que ele será resolvido com uma 'bala de prata'. Mas há uma forte evidência de que a cannabis seja efetiva em tratamentos de dores crônicas em adultos. Pesquisas sugerem que o acesso legal à maconha pode ajudar em uma série de problemas associados aos opioides", diz Sheila Vakharia, diretora da Drug Policy Alliance (DPA), ONG que atua por mudanças nas leis americanas sobre drogas.

Segundo a DPA, estudos mostram que a inalação de maconha junto a opioides diminui dores crônicas, permitindo que doses de remédios derivados do ópio sejam reduzidas. Outro efeito observado foi a diminuição dos sintomas de abstinência.

Descobertas como essa fizeram com que políticos americanos aderissem à causa do uso médico da maconha para dores crônicas, e entre eles está a senadora Elizabeth Warren, uma figura chave no Partido Democrata.

Warren representa Massachusetts, um dos Estados que estão no topo do ranking de 10 de maiores incidências de mortes por overdose de opioides e opiáceos. Em 2017, porém, houve redução de 8% nas mortes em relação ao ano anterior. O Estado legalizou o uso medicinal da cannabis em 2012 e o uso recreativo em 2016.

Apesar de mudanças nos Estados, a maconha ainda é considerada ilegal pela legislação federal americana. Uma lei de 1970 proibiu o uso medicinal e classificou a maconha com "alto potencial para abuso e dependência física e psicológica".Mas há quem conteste o uso da maconha

Há alguns meses, o procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, ameaçou impor a lei federal em estados onde a cannabis é legalizada. Em abril, Sessions disse que a maconha "contribuiu para a crise do opioide".

Embora não concordem com Sessions, há acadêmicos que relativizam a influência da maconha para solucionar a crise do opioide.

Em editorial publicado pelo periódico científico Addiction neste ano, um grupo de especialistas multidisciplinares definiram a expansão do acesso à cannabis como "prematura".

O argumento é de que a correlação entre o uso da cannabis e a redução de mortes precisa ser investigada mais profundamente. Os especialistas também afirmam que a liberação da maconha não deve substituir o acesso a tratamentos para dependência de opioides ou a redução do encarceramento para usuários e pequenos traficantes.

"A venda de sorvetes e o número de afogamentos estão positivamente correlacionados, mas comer sorvete não causa afogamento. A venda de sorvetes cresce durante os meses mais quentes, quando as pessoas saem para nadar", escreveram os especialistas.

Deborah Hasin, professora de epidemiologia na Universidade de Columbia e uma das autoras do editorial, disse à BBC que ainda são necessários estudos para estabelecer como o uso de maconha pode influenciar o comportamento de usuários de opioides.

"A maconha poderia ter um papel na redução do uso de opioides se um indivíduo com dores crônicas diminuísse ou parasse com os opioides. Alguns clientes de lojas de medicina canábica dizem que pararam com os opioides, embora outros continuem usando", diz.

"Alguns membros da mídia, clínicos e formuladores de políticas públicas abraçaram essa ideia de que as leis sobre a maconha diminuíram as taxas de prescrição de opioides, hospitalizações e overdoses. Porém, os estudos atuais são uma maneira falha de determinar as causas do comportamento individual. Há também a preocupação de que o aumento da presença de cannabis pode levar a problemas relacionados à própria cannabis, sem ajudar a aliviar a crise dos opioides", acrescenta Hasin.