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'Podemos ser vítimas do nosso sucesso', diz médico, sobre isolamento social

Evaldo Stanislau, diretor da Sociedade Paulista de Infectologia - Arquivo Pessoal
Evaldo Stanislau, diretor da Sociedade Paulista de Infectologia Imagem: Arquivo Pessoal

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

24/04/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo está preocupado com a opinião de parte da população de que a covid-19 está controlada
  • Evaldo Stanislau insiste que as medidas restritivas são a única forma de combater a doença causada pelo novo coronavírus
  • "A questão é que, quanto mais você controla [a doença], mais dá munição a quem insiste em falar que não é grave", afirma

Os números de casos graves e mortes pelo novo coronavírus no Brasil só não são maiores por causa das medidas de distanciamento social. E elas não podem ser relaxadas agora. Essa é a mensagem do infectologista Evaldo Stanislau, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que chegou a contrair o vírus no início do mês.

Em meio à troca do comando do ministério da Saúde e de repetidas declarações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre reabertura do comércio e flexibilização da quarentena, o infectologista se diz preocupado com a possibilidade de a gravidade da pandemia ser amenizada. Ele insiste que as medidas restritivas são a única forma de controlar a covid-19.

"Quanto mais a gente conseguir afastar as pessoas, menos casos vai ter, resultando, consequentemente, em menos internações e menos óbitos. É assim que funciona. A questão é que, quanto mais você controla, mais dá munição a quem insiste em falar que não é grave", afirma Stanislau, em entrevista ao UOL. O Ministério da Saúde anunciou ontem 49.492 casos confirmados e 3.313 mortes pelo novo coronavírus.

O médico diz ter a percepção de que aumentou o número de pessoas circulando pelas ruas. E as informações divulgadas pelo governo de São Paulo confirmam isso: a taxa de isolamento social da região metropolitana da capital paulista caiu para 48%, sendo que o índice considerado aceitável é de 50%, enquanto o ideal é entre 60% e 70%.

Stanislau credita esse movimento à ideia de que a doença está sob controle, fato que pode levar a consequências graves no futuro. "As medidas [restritivas] iniciadas há um mês começam a dar resultado agora. Se as pessoas passarem a desrespeitá-las, como tem sido visto, poderá haver uma alta ainda maior em duas ou três semanas. Podemos ser vítimas do nosso próprio sucesso", lamenta.

O médico do Hospital das Clínicas pontua que a subnotificação de casos é uma das causas para que parte da população não compreenda a dimensão da doença.

"As pessoas se acostumaram com o assunto, estão criando seus próprios conceitos — reais ou fantasiosos - e, como há muita subnotificação por simplesmente não haver exames para todo mundo, elas acreditam que não é tão grave, que está controlado. E o que vemos é a situação dos hospitais basilares cada vez mais grave", afirma.

A escassez de leitos de UTI (Unidades de Terapia Intensiva) já ocorre em muitas cidades, assim como a sobrecarga no sistema funerário. Em Manaus, além de enfrentar falta de leitos, a cidade passou a abrir covas coletivas para enterrar as vítimas da doença. Praticamente já não há leitos também em Pernambuco, que registra 99% de ocupação em UTIs. Na cidade de São Paulo, o prefeito Bruno Covas anunciou ontem um plano de contingência do serviço funerário durante a pandemia. A medida, entre outras ações, quase dobra a capacidade de enterros por dia e a contratação de mais coveiros.

"Se não houver distanciamento, só vai piorar", adverte Stanislau.

Minha grande preocupação é que não existe medida eficaz contra esse vírus. Não tem vacina, não tem remédio, só o distanciamento. Algumas pessoas não se deram conta da gravidade da doença."

Frio trará mais problemas

Com a entrada do outono e o início da época mais fria do ano em algumas regiões do país, o perigo fica mais acentuado, com o vírus se adaptando melhor a temperaturas mais amenas e o aumento do número de pessoas em locais fechados, pondera o infectologista.

Para ele, o caminho tem de ser manter as pessoas em casa. "Não é possível que todos os infectologistas, todos os sanitaristas, todos os epidemiologistas estejam errados. Será que todos os estudos do mundo inteiro estão errados? Todos os governos no mundo estão errando, e só um ou outro que questiona [o distanciamento social] está certo?"

"Espero que não aprendam do jeito mais difícil"

Stanislau, de 52 anos, atua na ala de epidemiologia do Hospital das Clínicas, na capital paulista, e se afastou do trabalho no dia 2 de abril, quando teve suspeita do novo coronavírus. O diagnóstico foi confirmado uma semana depois. Recuperado da doença, ele diz torcer para que as pessoas não passem pelo mesmo.

"Eu vi pelo lado mais difícil [como doente]. Espero, e torço, para que as pessoas que questionam o isolamento e saem para a rua não precisem sentir na pele o que eu senti. Essa é uma doença multifacetada, perigosa. Vemos muitos profissionais de saúde infectados e muita gente morrendo."

"Às pessoas que seguem questionando, eu digo que vão se arrepender amargamente, porque [se flexibilizar o isolamento] vai piorar. Espero que não aprendam isso pelo método mais difícil. Acreditem na ciência", conclui o médico.