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Sem oxigênio nem vacinas suficientes, Manaus só não pode ficar sem memória

Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, durante visita a Manaus - Divulgação/Ministério da Saúde
Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, durante visita a Manaus Imagem: Divulgação/Ministério da Saúde

Do UOL, em São Paulo*

22/01/2021 01h46

Sem oxigênio para tratar seus pacientes, que estão morrendo asfixiados, e se valendo de escavadeiras para abrir covas para dar conta de enterrar as vítimas do novo coronavírus, Manaus enfrenta agora as consequências de um fim de ano de aglomerações, da falta de atenção a alertas de empresas e especialistas e de protestos contra iniciativas para o fechamento da cidade —estes com apoio de Jair Bolsonaro (sem partido).

Sei que a vida não tem preço, mas não precisa ficar com esse pavor todo. Vi que o povo em Manaus ignorou o decreto do governador do Amazonas.
Jair Bolsonaro em 28/12/2020, sobre medida para fechamento do comércio no estado

Pouco mais de duas semanas depois, a cidade sufoca. Moradores da região metropolitana de Manaus correm com cilindros vazios e enfrentam filas buscando oxigênio para tratamento. Pacientes tiveram de ser transferidos a outros estados.

À medida que o vírus avança, cidades do interior —muitas delas sem leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva)— veem seus estoques de oxigênio chegarem perto do fim. Apesar de o abastecimento ter aumentado nos últimos dias por causa de embarques de outros estados e uma doação da Venezuela, o Amazonas vive uma explosão de casos, que podem estar relacionados a uma variante do vírus, mais contagiosa, detectada na região.

Tudo aqui está um caos. Tem gente morrendo por asfixia, eu presenciei quando visitei minha mãe. As pessoas já chegam em estado muito crítico e não são atendidas por que não tem vaga.
Amaury Andreoletti, advogado

Em um mês, a média de óbitos no Amazonas saltou de 15 para 118. Isso representa um crescimento de 217% em relação a duas semanas atrás. Segundo o boletim epidemiológico da FVS-AM (Fundação Vigilância em Saúde do Amazonas), ontem foram registrados 2.202 novos casos da doença no estado e 67 óbitos.

Pazuello culpa umidade e falta de cloroquina

Dez dias após uma primeira visita a Manaus, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, viajou ontem à cidade para agenda ainda não divulgada. Da última vez, pediu autorização para visitar Unidades Básicas de Saúde para encorajar o que hoje o governo federal chama de "tratamento precoce" —o uso de cloroquina e ivermectina contra a covid-19, ambas as substâncias sem qualquer tipo de eficácia para o tratamento da doença.

O general deixou o Amazonas em 13 de janeiro. No dia 14 o governo local anunciou que o oxigênio acabara em parte da rede de atendimento. Dias depois, fez o possível para afastar de si e do governo Jair Bolsonaro (sem partido) qualquer responsabilidade pelo que ocorre hoje no estado.

Fizemos tudo o que tinha de fazer. Estamos fazendo e vamos continuar fazendo.
Eduardo Pazuello em 18 de janeiro

A umidade chegou a ser arrolada como suspeita pela situação do Amazonas, mas, como o UOL apurou, a demanda por oxigênio já havia crescido 11 vezes quando Pazuello pousou no Amazonas no início do mês.

Na última sexta, o MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas abriu inquérito civil público para investigar improbidade administrativa de agentes públicos em virtude de, em plena crise de desabastecimento de oxigênio em Manaus, ter havido pressão do Ministério da Saúde para que fosse priorizada a distribuição de "tratamento precoce com eficácia questionada" pela rede pública de saúde estadual e municipal.

Pazuello: Perda de Tempo

Sem citar a crise sanitária que há dias domina os noticiários, Pazuello afirmou ontem também que estados e prefeituras é que executam ações de saúde.

Se você for procurar uma resposta do nível municipal comigo, isso vai ter que ser reposicionado para baixo. Uma ação comigo, que é do estado, eu tenho que passar para o estado. É uma perda de tempo, e a pessoa acaba não tendo aquela sua resposta o mais rápido possível.
Eduardo Pazuello

Nesta semana, seis procuradores do Conselho Superior do Ministério Público Federal cobraram o procurador-geral da República, Augusto Aras, por ter dito em nota que não poderia investigar autoridades federais por causa de eventual má gestão na pandemia de coronavírus.

Por sua vez, o governador Wilson Lima, seu vice e outros secretários são investigados pela compra de respiradores superfaturados e inúteis para o combate à covid-19. A investigação foi requerida pela Subprocuradoria da República dois dias após reportagem do UOL, publicada em abril do ano passado.

Manaus: Média de óbitos cresceu 217% em relação a duas semanas atrás - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Manaus: Média de óbitos em janeiro foi 5x maior que a média histórica
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Problemas também com a vacina

Numa história que parece longe de ter seu fim, o epicentro da pandemia de covid-19 no país agora enfrenta problemas ligados à vacinação.

A ação teve de ser suspensa na capital durante o dia de ontem para que a campanha pudesse ser reformulada. Isso porque a vacinação do grupo prioritário incluiu o filho de um deputado e as gêmeas de um empresário local recém-formados em medicina.

Por isso, as Secretarias de Saúde do Estado do Amazonas (SES-AM) e Municipal (Semsa-Manaus) irão discutir os critérios que vão determinar as pessoas que serão imunizadas com o primeiro lote das vacinas. As unidades de saúde deverão enviar a lista nominal dos profissionais, com o setor em que cada um trabalha, para a secretaria de saúde de Manaus.

Em nota, a prefeitura diz que a medida atende recomendação de órgãos de controle locais, que cobram do governo estadual a apresentação de um "plano reorganizado de distribuição das doses [da vacina] nas unidades da rede estadual, com os critérios de definição de prioridades, baseados na exposição ao risco, comorbidades e faixa etária".

A expectativa é que, após a reorganização, a vacinação em profissionais da saúde recomece hoje.

As pessoas estão cansadas de incompetência, e as pessoas estão cansadas de ineficiência, e acima de tudo as famílias estão cansadas de enterrar seus entes queridos.
Gabriela Gonçalves, defensora pública do Amazonas

De acordo com a Prefeitura de Manaus, o ministério entregou pouco mais de 282 mil doses de vacina contra a covid-19 à Secretaria Estadual de Saúde. Do total, o governo estadual repassou 40.072 doses à Secretaria de Saúde de Manaus, que seriam suficientes para imunizar, com duas doses da vacina, apenas 34% dos mais de 56 mil profissionais de saúde da capital.

* Com agências de notícias