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Com restrições tardias, mortes por covid-19 vão demorar a cair no Brasil

Enterro de vítima da covid-19 em cemitério de Manaus; patamar de mortes deve continuar alto - 9.mar.2021 - Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo
Enterro de vítima da covid-19 em cemitério de Manaus; patamar de mortes deve continuar alto Imagem: 9.mar.2021 - Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

14/03/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Efeito de restrições sobre número de mortes é a longo prazo
  • Na última semana, óbitos chegaram ao patamar de 2.000 mortes por dia
  • Para especialistas, mudança depende do comportamento da população

Na última semana, o Brasil viu o número de mortes por covid-19 passar de 2.000 por dia. Os dados brasileiros assustam o mundo, principalmente pela comparação com os países mais afetados pelo novo coronavírus. Sem contar com a ação do governo federal, estados e municípios decidiram ampliar restrições para frear a pandemia. Contudo, o efeito dessas medidas não será imediato e o país não sairá do atual patamar de óbitos tão cedo, segundo especialistas ouvidas pelo UOL.

"Os dias serão bem difíceis", diz Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp (Universidade de Campinas) e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia). "Não é daqui a duas semanas que você vai ter um impacto na mortalidade neste momento em que estamos, de altas taxas de ocupação de UTI [Unidade de Terapia Intensiva]."

Algumas regiões do Brasil estão à beira do colapso em seu sistema de saúde ou já estão com filas de pacientes que não conseguem o atendimento com estrutura adequada contra a covid-19. Para evitar isso, especialistas defendiam que medidas mais duras fossem tomadas antes.

A microbiologista Natalia Pasternak, presidente do IQC (Instituto Questão de Ciência), relembra que o que o cenário da pandemia hoje é reflexo de contaminações que aconteceram há "duas, três semanas". "É provável que nesses próximos dias a gente continue com esses números altos."

Ela pontua que o patamar de cerca de 2.000 mortes por dia pode trazer um problema a mais: "a gente se acostumar".

"Espero que a gente não se acostume. Esse que é o recado mais difícil de passar para as pessoas. Eu penso que, quando a gente conseguir baixar para 1.000 [mortes], se [as pessoas] não vão comemorar e sair abrindo tudo: shopping, bar, restaurante. Porque, 'olha só, gente, agora está com 1.000', como se isso fosse aceitável."

Acho que a gente normalizou demais esse número de mortes diários muito alto no Brasil, que já se mantém há muito tempo, e perdeu a noção do que é aceitável
Natalia Pasternak, presidente do IQC

"Fator humano é o que mais impacta"

Para as especialistas, a população mostra uma dificuldade em compreender dados relativos à pandemia, como acreditar que a situação está melhorando quando se registram leves melhoras. "Essa falta de informação adequada sobre o comportamento humano é o fator que mais impacta na pandemia", diz Pasternak. "As pessoas realmente acham que o vírus vai sumir sozinho, sem que a gente faça nada."

Vai demorar muito. Não dá para prever [a melhora]. Algo que depende muito do comportamento de pessoas, a gente não consegue prever os resultados
Natalia Pasternak, presidente do IQC

As restrições adotadas serão importantes para diminuir, primeiramente, o número de casos, o que deve começar a ser visto, no mínimo, em duas semanas. A lógica é que, com menos pessoas contaminadas, o sistema de saúde será menos pressionado a curto prazo.

O efeito sobre as mortes, porém, demora mais porque pacientes ficam internados em UTI por períodos "prolongados", como lembra Stucchi. "A gente sabe que vai ter uma mortalidade alta ainda." Cerca de dois em cada três pacientes intubados morreram em UTI desde março do ano passado.

É dramático. Com essa demanda toda e com esse número absurdo, exponencial, de pessoas adoecendo, a gente deve ficar nesse patamar muito próximo de 2.000 ainda por alguns dias
Raquel Stucchi, consultora da SBI

População precisa ajudar

Apesar da demora de governos para tomarem medidas restritivas, as especialistas concordam que, agora, o principal fator para que a pandemia comece a ser brecada é o comportamento e a consciência da população.

"O mais grave eu acho é que não caiu a ficha das pessoas. Parece que elas não perceberam a gravidade", diz Stucchi, que lembra que a conduta das pessoas preocupa porque não há como se ter "um fiscal para cada uma". Ela reforça que a população é "responsável pelo controle" da pandemia.

Agora, se as pessoas não perceberem que elas também têm um papel nisso, a gente caminha para um caos maior ainda
Raquel Stucchi, consultora da SBI

Um dado que mostra a falta de comprometimento de parte da população com o combate à pandemia é o índice de isolamento social. Medido pela startup In Loco, ele mostra que, em São Paulo, estado mais populoso do país, a taxa de isolamento era de 32% em 11 de março, número semelhante ao registrado nas outras unidades da federação. O mais baixo era o de Mato Grosso do Sul: 29,6%.

porto alegre - 9.mar.2021 - Ageu da Rocha/Futura Press/Estadão Conteúdo - 9.mar.2021 - Ageu da Rocha/Futura Press/Estadão Conteúdo
Movimentação no centro de Porto Alegre na última terça-feira
Imagem: 9.mar.2021 - Ageu da Rocha/Futura Press/Estadão Conteúdo

Brasil na contramão do mundo

O país chega a um momento de piora na pandemia um ano após a OMS (Organização Mundial de Saúde) ter anunciado que o mundo vivia uma pandemia. "A gente corre o risco de se tornar um pária no mundo, de o Brasil ser um risco sanitário global", diz Pasternak.

"Os outros países começam a ficar com medo do Brasil porque ele não controlou a pandemia E o Brasil, do tamanho que é, se torna um risco para o mundo inteiro."

Os Estados Unidos já consideram que a situação no Brasil pode ser uma ameaça para o planeta. A Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) expressou preocupação com o cenário em nosso país. E a OMS, que diz acreditar que frear a pandemia aqui dará "esperança" ao mundo, já projeta o perigo para o mundo com a falta de cuidado aqui.

"Se a situação do Brasil continuar tão grave assim, os países vizinhos serão afetados. E não se trata só dos países vizinhos. Poder ir além", disse, na sexta-feira (12), Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS.

Em conversas com colegas, Stucchi lembra que uma questão recorrente é: "será que a gente tem energia para enfrentar tudo isso de novo?"

E o que mais incomoda as especialistas é que o Brasil poderia ter se preparado, no ano passado, para evitar o que acontece hoje. "Em outubro, novembro, a gente já sabia que teria vacina. Vacinar, sem dúvida nenhuma, é uma medida de controle de pandemia." O Brasil, porém, enfrenta problemas de gestão para conseguir ter doses para avançar na imunização da população.