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Sem obrigatoriedade, grupo de PMs se mobiliza contra vacina da covid em SP

05.abr.2021 - Policial de SP é vacinado contra a covid-19 na Academia de Polícia Militar do Barro Branco - Divulgação/Governo de SP
05.abr.2021 - Policial de SP é vacinado contra a covid-19 na Academia de Polícia Militar do Barro Branco Imagem: Divulgação/Governo de SP

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

06/04/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Cinco PMs disseram ao UOL que não vão se vacinar
  • Apesar de decisão do STF, a vacina não é obrigatória
  • Grupo repete discurso de Bolsonaro e diz não confiar na "vacina chinesa"
  • PM diz que fará o registro dos que optarem por não receber a vacina

Mesmo com o coronavírus matando mais policiais de São Paulo do que confrontos, grupos de PMs do estado estão se mobilizando nos batalhões para não se vacinar contra a covid-19, seguindo teses defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e contra o governador João Doria (PSDB).

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, em dezembro, que os Estados podem tornar a vacina obrigatória, mas não podem obrigar a se vacinar quem se recusar. O governo paulista, que iniciou ontem a vacinação para agentes da segurança pública, deixou a ação ser voluntária.

A reportagem entrevistou cinco policiais militares que atuam na capital nos últimos dias: um primeiro-tenente e um soldado que atuam na zona leste, um cabo e um sargento da zona sul e um segundo-tenente da zona norte. Todos eles afirmam não querer se vacinar. Três deles, porém, se cadastraram para serem imunizados mesmo sem interesse.

As principais teses seguidas por eles são de oposição ao que diz e orienta Doria. Dizem que determinações são seguidas apenas em ditaduras, afirmam não confiar em vacina trazida da China, repetindo o discurso que Bolsonaro entoava contra a CoronaVac, que é produzida pelo Instituto Butantan, tem aval da Anvisa e eficácia comprovada por estudos.

Para os cinco policiais entrevistados, mesmo com o atraso na compra das vacinas pelo governo federal e com medidas que não se baseiam em dados científicos -sobretudo com relação a "tratamentos precoces" e contra isolamento—, as ações do presidente Bolsonaro são mais efetivas do que as de Doria.

Afirmam, ainda, que não podem confiar no político que governa o estado com mais mortos do Brasil. De fato, em números absolutos, São Paulo é o estado com mais mortes. No entanto, também é o estado mais populoso, não sendo o pior proporcionalmente.

A articulação deles, feita em grupos de WhatsApp e também no dia a dia, presencialmente, tem como intuito, segundo os próprios policiais antivacina, convencer seus colegas de farda, sobretudo os de baixa patente, a também não se vacinar.

Outros policiais paulistas, principalmente do oficialato, afirmam que é pequeno o movimento antivacina dentro da corporação paulista. Dizem que a orientação está sendo feita de maneira "efetiva" em prol da vacinação em massa de todos os policiais do estado, não só os militares, mas, também, os civis, técnico-científicos e penais. Eles criticam o movimento contrário à vacina e se preocupam por esses policiais serem possíveis vetores de transmissão do vírus.

Por meio de nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) confirmou que a imunização dos agentes é voluntária. "Cerca de 140 mil doses de imunizante estarão disponíveis para os profissionais da ativa das polícias Militar, Civil e Técnico-Científica, Corpo de Bombeiros, Guardas Civis Metropolitanos, Guardas Municipais, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal (que atuam em SP) e agentes da Fundação Casa."

A pasta afirmou que a PM fará o registro de todos os policiais que optarem por não receber a vacina para controle interno e da saúde. "Todos os benefícios recebidos pelos policiais são garantidos por lei. Portanto, não estão associados à vacinação", disse a SSP.

Já a Polícia Civil não fará registro dos agentes que não se vacinarem. A SSP não explicou o porquê. "As instituições de segurança de São Paulo reforçam que incentivam a imunização dos agentes como forma de proteção de toda a população contra a epidemia de coronavírus", complementou a secretaria, por meio de nota.

Na cerimônia de inauguração da vacinação dos policiais, no Barro Branco, Doria afirmou que os policiais também estão na linha de frente, tendo contato com o público. "Queria destacar todos esses profissionais e agradecer pelo esforço, pela dedicação, pelo desprendimento que têm feito neste período de pandemia. Todos esses agentes fazem parte dos nossos heróis, ao lado dos nossos profissionais de saúde", afirmou.

O secretário da Segurança Pública, general João Camilo Pires de Campos, acrescentou que "esse processo de imunização representa um marco histórico. Nós vamos imunizar e proteger aquelas pessoas que protegem a sociedade paulista. Essa vacina chega como uma benção para que possamos estar em melhores condições para cumprir nossa missão, que é o combate ao crime".

05.abr.2021 - Policial de SP é vacinada contra a covid-19 na Academia de Polícia Militar do Barro Branco - Divulgação/Governo de SP - Divulgação/Governo de SP
05.abr.2021 - Policial de SP é vacinada contra a covid-19 na Academia de Polícia Militar do Barro Branco
Imagem: Divulgação/Governo de SP

Ação contra a própria classe

Para dois pesquisadores da segurança pública, a ação de policiais se mobilizarem contra a vacina é contrária a uma decisão que beneficia os próprios policiais em nome de uma politização da saúde pública.

O estudioso Dennis Pacheco, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que "é evidente que policiais estão entre grupos mais expostos ao contágio por covid" e que, "sabendo disso, policiais fizeram grande mobilização nacional em março, reivindicando enquanto categoria profissional essencial, a vacinação como ato central de valorização profissional".

"Há grupos minoritários, liderados por perfis de baixa patente tentando criar, ampliar e explorar politicamente brechas de oposição a governadores, optando por se alinharem ao bolsonarismo em detrimento da decisão coletiva da classe", acrescenta Pacheco.

Já para o professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Rafael Alcadipani, "é extremamente preocupante que esse tipo de coisa esteja acontecendo, principalmente porque indica que a ideologização pode custar vidas".

"Infelizmente, os policiais estão muito expostos, muitos estão morrendo, tanto os da ativa quanto os da reserva, e essa questão atinge o nível da irracionalidade. É bastante preocupante. Polícia não pode ser tropa de apoio de bolsonarismo. Isso é completamente inconcebível", diz Alcadipani.

Aplicação em 82 quarteis

A aplicação da vacina a policiais militares do Estado ocorre desde ontem em 82 quarteis. Do total, 22 pontos de vacinação são da capital. Entre os pontos de vacinação, por exemplo, estão a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a EEF (Escola de Educação Física) e a Academia do Barro Branco, que forma os oficiais.

De acordo com a ordem de serviço assinada pelo subcomandante da PM, o coronel Marcus Vinicius Valério, o oficial tenta convencer sua tropa a se vacinar afirmando que "a covid-19 é a maior pandemia da história recente da humanidade". Ele informa no documento que a primeira dose de vacina será disponibilizada entre os dia 5 e 12 de abril, e a segunda dose após 28 dias da primeira aplicação.

A reportagem questionou a SSP quantos policiais se cadastraram até o momento, mas não obteve retorno. No documento assinado pelo subcomandante, está determinado que o sistema de informação deve ser alimentado e atualizado online, para cada pessoa vacinada, no exato momento da vacinação. Os policiais que decidirem não se vacinar ou que tiverem algum impedimento, como afastamento, por exemplo, devem justificar posteriormente.

Desde o início da pandemia, 95 policiais militares, civis e técnico-científicos de São Paulo morreram em decorrência da covid-19. O número de policiais afastados no momento corresponde a 1% do efetivo.