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Com 71 mortes, letalidade da PM de São Paulo volta a subir em maio

Os aumentos consecutivos da letalidade têm preocupado a gestão João Doria (PSDB) e motivado críticas até de entidades de classe - BRUNO ESCOLASTICO/PHOTOPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Os aumentos consecutivos da letalidade têm preocupado a gestão João Doria (PSDB) e motivado críticas até de entidades de classe Imagem: BRUNO ESCOLASTICO/PHOTOPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Felipe Resk e Marco Antonio Carvalho

30/06/2020 19h00

Com mais de dois casos registrados por dia, o número de pessoas mortas em ações da Polícia Militar subiu mais uma vez no mês de maio, durante a quarentena contra o coronavírus em São Paulo. Na contramão de todos indicadores de produtividade policial, em queda no período, os aumentos consecutivos da letalidade têm preocupado a gestão João Doria (PSDB) e motivado críticas até de entidades de classe.

Segundos dados oficiais do governo, houve 71 mortes decorrentes de intervenção policial no mês, ou 6% a mais do que no mesmo período de 2019, quando São Paulo havia contabilizado 67 ocorrências. Essa classificação deve ser usada para ocasiões em que há pressuposto de legitimidade na ação policial — durante um tiroteio com assaltantes, por exemplo.

Também foram registrados mais oito casos de homicídio doloso (quando há intenção de matar) praticados por PMs — estes sim, considerados crimes. Os dados representam a soma de ocorrências com agentes em serviço ou de folga, e foram publicados hoje no Diário Oficial.

Por sua vez, o número de PMs mortos durante confrontos também aumentou. De acordo com as estatísticas da Secretaria da Segurança Pública, seis agentes foram assassinados em maio — dois deles quando estavam em serviço. Em 2019, o índice havia totalizado três policiais.

Em abril, a letalidade da PM de São Paulo já havia atingido patamar recorde para os primeiros quatro meses do ano. Uma análise de boletins de ocorrências, disponibilizados no Portal da Transparência da Secretaria da Segurança Pública (SSP), mostra que a maior parte dos casos entre janeiro e maio aconteceu na capital, com prevalência em bairros mais pobres, na periferia.

O aumento de mortes em ações da PM acontece em contexto de queda de crimes patrimoniais no Estado, geralmente usados pelos governos para justificar a alta na letalidade, durante o isolamento social. Para a gestão Doria, agora os casos estariam subindo porque, como as ruas estão mais vazias, as viaturas levariam menos tempo para atender as ocorrências, aumentando assim o risco de confronto. Questionada, no entanto, a SSP não informa o quanto esse tempo de resposta caiu.

Outro ponto que chama atenção de especialistas é que todos os indicadores de produtividade policial decaíram no período. Na prática, isso significa que, embora mais suspeitos tenham morrido durante as operações, a polícia prendeu menos pessoas (-38%), recuperou menos veículos (-50,7%) e tirou menos armas ilegais das ruas (-0,5%) em maio.

"A impressão é de que estamos falhando em algum ponto, porque a conta não fecha", afirma a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Para ela, é preciso fazer uma análise minuciosa dos casos para tentar identificar os reais motivos da alta. "Como o aumento não está aliado a um cenário de maior violência urbana, fica a sensação de que se trata, na verdade, de um problema de comportamento da polícia", avalia.

Em paralelo, denúncias de violência policial têm acontecido com frequência, principalmente através das redes sociais. Entre os episódios mais recentes, está a suspeita de participação de PMs em um atentado a bomba contra a casa da presidente municipal do PT em Nuporanga, no interior, e o caso de um jovem que desmaiou após ser estrangulado em Carapicuíba, na Grande São Paulo. Nas duas ocorrências os agentes foram afastados das ruas, segundo o governo.

Ivana analisa que o uso de tecnologia, como celulares para gravar ações policiais, pode ser uma ferramenta eficiente para controlar os excessos. "É preciso fazer uma abordagem de dentro para fora e de fora para dentro da corporação", diz a desembargadora. "De um lado, você reforça para a polícia, através da educação, que ela serve para proteger a sociedade. Do outro, você ensina a sociedade a mostrar para o Estado quando essa obrigação não é cumprida."

Pressionando pela escalada de relatos de violência, Doria anunciou na semana passada que irá submeter a cúpula da PM a novo treinamento a partir de julho. "O retreinamento de todo o comando das nossas tropas é para evitar em 1% de maus policiais, que insistem em utilizar violência desnecessária, possa compreender que isso não é aceitável", disse o governador.

Na ocasião, o Estado informou já ter expulsado ou demitido 220 policiais envolvidos em crimes ou falhas graves desde o início de 2019. Com base no argumento de que há "menos de 1% de maus policiais", Doria também negou que a violência estaria relacionada a possível "insubordinação da tropa" — embora especialistas alertem para o apoio crescente ao presidente Jair Bolsonaro, hoje adversário político do governador, nas fileiras da PM.

O anúncio do novo treinamento, no entanto, provocou a reação de entidades de classe. Apontada como um dos focos do bolsonarismo na PM, a associação Defenda PM divulgou nesta semana um artigo, assinado pelo ex-corregedor Marcelino Fernandes da Silva e pelo coronel da reserva Ernesto Puglia Neto, em que responsabiliza Doria pela letalidade.

No documento, os oficiais afirmam que o quadro da PM "tenta acertar a qualquer custo", mas "ganha mal", "está desmotivado" e "doente psicologicamente". Também dizem que a violência nas tropas foi incentivada por discursos de Doria e por políticas de segurança pública que priorizam batalhões voltados para o confronto.

"Com suas falas e atos, o governador João Doria está enviando mensagens ambíguas ao efetivo policial, como quando afirmou categoricamente durante a campanha que 'a partir de 1º de janeiro, a polícia vai atirar para matar!' ou pela criação de BAEP, os Batalhões de Ações Especiais de Polícia, que têm como missão a repressão", diz o texto. "Em razão desses fatores, (a PM) está cometendo não-conformidades em sua atuação".

Governo estadual diz que casos de letalidade são alvo de investigação

O Estadão analisou dados de 373 ocorrências de mortes decorrentes de intervenção policial, registradas de janeiro a maio, cujos boletins são parcialmente divulgados no Portal da Transparência da SSP. Nos documentos, não constam informações de como cada episódio aconteceu.

O levantamento mostra que ao menos 148 casos (39,6%) foram na cidade de São Paulo. Em seguida, aparecem os municípios de Campinas (13 ocorrências), Guarujá e São Bernardo do Campo (ambos com 12), além de Osasco e Santo André (10).

Na capital, a concentração se dá na periferia, de acordo com os BOs. O ranking de delegacias que mais registraram esse tipo de ocorrência é formado pelos DPs do Jaçanã (8 casos), Jardim Arpoador (7), Cidade Tiradentes (6), Brás (5), Perus (5), Parque São Rafael (5), Vila Jacuí (5), Jaguaré (5) e Jardim Miriam (5), além de Guaianazes (4), São Mateus (4) e Vila Ema (4).

Em nota, a SSP afirma que "compromisso das forças de segurança é com a vida" e que os casos de letalidade são sempre alvo de investigação. "Todas as ocorrências são analisadas para verificar a conduta dos policiais e avaliar a adoção de alternativas de intervenção para evitar o mesmo resultado em episódios futuros", diz. "Não há complacência com o erro. Só nos primeiros cinco meses do ano, mais de 70 policiais militares foram demitidos ou expulsos da instituição."

Segunda a pasta, os policiais são posicionados em áreas com maior incidência de delitos, a partir da análise da mancha criminal em São Paulo, o que teria possibilitado a redução de crimes contra o patrimônio. "Em relação à produtividade, o trabalho integrado das polícias permitiu a ampliação do volume de drogas apreendidas em maio e nos primeiros cinco meses do ano. No mês a alta foi 29,6% e ano acumulado do ano 7,13% frente aos mesmos períodos de 2019", diz a nota.

Ainda segundo a SSP, o programa de treinamento vai envolver "todos os níveis hierárquicos" da PM e terá como objetivo "reforçar os conhecimentos e técnicas da instituição". "Serão retomados conceitos de polícia comunitária, direitos humanos, abordagem policial, gestão de ocorrências, polícia judiciária, entre outros temas relacionados", afirma. "O governo do estado também iniciou a instalação de 500 câmeras corporais nos uniformes dos agentes de segurança para dar mais transparência às ações da polícia."