'Temos direito a um futuro': quem é a menina brasileira que protestou com Greta Thunberg na ONU
Catarina Lorenzo, de 12 anos, nunca tinha ficado diante de tantas câmeras como na segunda-feira, 23 de setembro, quando subiu ao palco de um salão da sede do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em Nova York.
Mas a jovem surfista de Salvador, na Bahia, não se deixou intimidar. "Eu pensei: 'Vim aqui para mudar o mundo. Estou aqui para representar todas as crianças do mundo e fazer algo para acabar com as mudanças climáticas. Nada vai nos parar, nada vai conseguir me deter'", diz Catarina à BBC News Brasil.
A brasileira foi porta-voz, junto com outras 15 crianças e adolescentes de 12 países, entre elas a sueca Greta Thunberg, de 16 anos, de uma reclamação formal contra a postura de Alemanha, Argentina, Brasil, França e Turquia no combate às mudanças climáticas.
Elaborada pela ONG Earthjustice e o escritório de advocacia Hausfeld, a petição apresentada ao Comitê de Direitos das Crianças da Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que estes cinco países não estão cumprindo compromissos assumidos para reduzir suas emissões de CO2 e, assim, ameaçam o bem-estar de crianças de todo o mundo.
"Estou aqui para exigir que todos os líderes do mundo nos ouçam e nos ajudem a parar as mudanças climáticas", disse Catarina, em inglês, diante da plateia no Unicef.
Assim como seus colegas, ela foi a Nova York para contar pessoalmente como a poluição e eventos climáticos extremos os está afetando diretamente.
"Em Salvador, o governo joga esgoto no rio, que vai para o oceano. E não podemos nadar ou surfar, porque senão ficaremos doentes. Estou falando isso porque é a coisa certa a dizer, essa é a verdade. É a nossa vida que está sendo prejudicada", disse Catarina.
"Se os adultos não quiserem nos ajudar, vamos agir sozinhos se for necessário, porque não vamos permitir que tirem nosso futuro de nós. Eles tiveram direito a ter seu futuro, por que não temos direito de ter o nosso?"
'Ela é apaixonada pela questão ambiental'
Catarina foi indicada para participar da iniciativa pela Heirs to Our Oceans (Herdeiros dos Nossos Oceanos, em tradução livre), uma organização dedicada a conscientizar sobre a importância das conservação dos mares e formar jovens líderes ligados a esta causa.
"Conversando com a Catarina, vimos que era muito apaixonada pela questão ambiental e queria estar envolvida com isso", diz Kimberly Fetsick, advogada do escritório Hausfeld e uma das responsáveis pela petição.
A mãe da menina, Caroline Lorenzo, diz que ela ficou muito feliz com o convite, porque sempre teve uma preocupação com o meio ambiente e há algum tempo tinha o desejo de fazer algo em prol disso.
"Ela me surpreendeu muito no palco. Achei que ia travar, mas falou muito bem. Acho que é algo que vem de dentro dela", diz Caroline.
Fetsick afirma que Catarina "mais do que atendeu as expectativas" dos organizadores da iniciativa ao chamá-la para participar e "contar sua história para o mundo".
Um dos episódios que a brasileira compartilhou em Nova York se passou quando ela tinha 9 anos e, ao nadar em uma piscina natural em Maraú, no litoral baiano, que ela e sua família costumavam visitar, notou que a água estava muito quente e que os corais ali estavam repletos de pontos brancos ? um sinal de que os organismos estavam mortos.
"Tive que sair porque não aguentei de tão quente que estava, e fiquei pensando que, se eu não consegui aguentar, como os peixes e outros animais iam conseguir?", conta ela.
'Por que não choveu, vô?'
Catarina diz que, na época, ainda não entendia muito bem o que estava acontecendo ali, mas, depois, ao estudar sobre meio ambiente na escola, compreendeu que aquilo era um reflexo das mudanças climáticas.
"Quando a professora falou que o mundo está ficando mais quente por causa das ações humanas, aquela história veio na minha cabeça e percebi que tinha sentido os efeitos disso na minha vida", diz.
A partir daí, Catarina passou a ficar mais atenta a esse assunto e a perceber outros efeitos das mudanças no clima, como sobre a pequena plantação de verduras que a família tem em seu sítio.
A menina conta que seu avô sempre dizia para eles começarem a plantar antes da temporada de chuvas, entre janeiro e abril.
"Mas aí não choveu. Eu virei para o meu avô e falei: 'Por que não choveu se você disse que ia chover? Agora, não vai nascer cebolinha, alface, nada.' Agora, só chove em junho e julho. As chuvas mudaram", conta ela.
Em Nova York, Catarina conheceu a história de outras crianças e adolescentes que, como ela, viram em primeira mão os impactos das mudanças climáticas.
Descobriu assim que a elevação do nível do mar e tempestades cada vez mais fortes e frequentes são uma ameaça para quem vive nas ilhas de Palau e Marshall, no Oceano Pacífico.
Na Nigéria, o clima mais quente e inundações estão intensificando epidemias de dengue, malária, febre amarela, zika e chikungunya. E, no Alaska, as temperaturas mais quentes têm impedido tribos indígenas de caçar e pescar, o que ameaça sua subsistência e sua cultura.
"Isso não está só me afetando, mas também outras pessoas, de diferentes formas. Mas, no fundo, é a mesma coisa: são as mudanças climáticas. Por isso, viemos pedir que todos os países cortem suas emissões para proteger o futuro de todas as gerações", diz Catarina.
Testemunhas das mudanças climáticas
A Earthjustice afirma que esta é a primeira vez que crianças apresentam uma reclamação formal à ONU por desrespeito aos termos da convenção do órgão que trata dos seus direitos, assinada por todos os países-membros, com exceção dos Estados Unidos.
Destes países, 45 assinaram um protocolo adicional que permite que crianças apresentem diretamente uma petição sobre violações de tratados internacionais. Os cinco países contra os quais a reclamação foi apresentada são os maiores emissores de CO2 deste grupo.
De acordo com o documento, nenhum deles tomou medidas suficientes para limitar a elevação da temperatura média global em 1,5°C ou 2°C conforme estabelecido pela Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, de 1992, e o Acordo de Paris, de 2016.
A expectativa é que a ONU avalie se eles violam desta forma direitos infantis e, caso concorde, cobre explicações destes países e faça recomendações para corrigirem suas políticas ambientais.
Ao compartilhar suas histórias, Catarina e seus colegas esperam mostrar aos líderes reunidos em Nova York para a Assembleia-Geral da ONU que se trata de uma questão importante e urgente.
Mas o mundo dará ouvidos a crianças e adolescentes neste assunto? "Acho que deveriam. Podem pensar que somos só crianças e não sabemos de nada, mas nós vimos com nossos próprios olhos as mudanças climáticas", diz Catarina.
"Se não estão dando ouvidos aos dados científicos, viemos aqui contar nossas histórias, mostrar que as mudanças climáticas existem e dizer que temos direito a um futuro."
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