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Mesmo proibido, PM investigado por morte de Guilherme tem empresa que faz segurança particular

Caê Vasconcelos, Jeniffer Mendonça, Paulo Eduardo Dias e Maria Teresa Cruz

17/06/2020 14h53Atualizada em 18/06/2020 12h26

O sargento Adriano Fernandes de Campos é um dos PMs investigados de participar do sequestro e morte de Guilherme Guedes, 15 anos, no domingo (14/6), na Vila Clara, zona sul da cidade de São Paulo. Guilherme estava na frente da casa da avó no início da madrugada, quando despareceu. Imagens de câmeras de segurança gravaram os suspeitos.

Embora oficialmente a Secretaria da Segurança Pública e Polícia Militar não confirmem, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) confirma a informação sobre a investigação. Em nota, a SSP-SP apenas confirmou que um suspeito foi identificado, mas não respondeu se havia participação de PMs e disse apenas que "se confirmada, medidas cabíveis serão tomadas".

Em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (17/6), o governador João Doria (PSDB) declarou apenas que o caso está sendo apurado e que "não compactua com desvios".

Campos é lotado no Baep (Batalhão de Ações Especiais) de São Bernardo do Campo. Os Baeps são conhecidos pelo "padrão Rota" de atuação e guardam recentes episódios de violência policial. Adriano integra regularmente o quadro da PM e, no mês passado, recebeu seu salário de R$ 6.312,06 normalmente.

O último deles foi o caso de David Nascimento dos Santos, 23 anos, que enquanto esperava um lanche na favela onde morava foi abordado e colocado atrás de uma viatura do Baep, e apareceu morto horas depois.

Adriano e seu pai, o PM aposentado Sebastião Alberto de Campos, são donos da empresa Campos Forte Portarias Ltda. Na descrição da atividade econômica principal estão "serviços combinados de apoio a edifícios, exceto condomínios prediais", o que seria equivalente a uma zeladoria, além de limpeza e preparação de documentos administrativos (sem mais detalhes).

Contudo, a empresa do PM Campos presta serviços terceirizados de segurança privada. Ao menos é o que falou à Ponte Oswaldo Marchetti, responsável por um galpão localizado na rua Alvares Fagundes. Segundo ele, houve uma invasão ao local na noite de sábado

Adriano Fernandes de Campos, suspeito de matar Guilherme Silva Guedes - UOL - UOL
Adriano Fernandes de Campos, suspeito de matar Guilherme Silva Guedes
Imagem: UOL

No dia seguinte à morte de Guilherme, o vigia, que trabalha para uma empresa terceirizada de segurança, não estava no local. "Estamos sofrendo pressão. O vigia era terceirizado, mas vai explicar isso para as pessoas", afirmou o homem.

A contratante do serviço de segurança teria sido a Globalsan, apontada como proprietária do galpão. Ao lado do corpo de Guilherme havia um pedaço de pano semelhante a farda utilizada pela corporação com a inscrição "SD PM Paulo", o que reforça a linha de investigação e até mesmo a suspeita da família da vítima.

Na documentação da empresa Campos Forte Portarias, os códigos de atividades diferem do que, na verdade, executam. Para ser uma empresa de segurança, os códigos chamados CNAE teriam que ser 80.11-1 que definem como "atividades de vigilância, segurança privada e transporte de valores". Mesmo assim, Campos, como um policial da ativa, não poderia ter parte societária em uma empresa.

Segundo a Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso 16, funcionários públicos, como policiais militares, são proibidos de acumularem cargos remunerados — como chefiar ou comandar áreas em empresas de segurança. Além disso, o artigo 13 do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de São Paulo, em seu item 27, proíbe que o militar da ativa tenha sociedades com fins lucrativos.

Além disso, a empresa não consta nos registros da Polícia Federal como empresa ativa para esse fim, o de segurança, já que é exigida a autorização do órgão para funcionamento. A história guarda semelhanças com o episódio do garoto negro chicoteado por seguranças terceirizados do supermercado Ricoy, em setembro do ano passado. Os vigias eram funcionários da KPR Valente Zeladoria Patrimonial, grupo do qual o tenente-coronel aposentado Cláudio Geromim Valente é sócio.

Para burlar a lei, policiais criam empresas de outras atividades

Em entrevista à Ponte, o tenente-coronel aposentado Diógenes Lucca afirmou que "um policial da ativa não pode ter uma empresa de segurança. Não pode ter nada no nome dele, não pode fazer essa atividade".

Se for uma empresa de outro ramo, como é o caso da Campos Forte Portarias, o PM vai estar sujeito aos próprios regulamentos disciplinares da Polícia Militar. Lucca afirmou que não comentaria o caso específico, mas detalhou a lei da Polícia Federal a que está submetida a atividade de segurança privada.

"A empresa, para prestar esse tipo de serviço, tem que ser regularizada, tem que ter os funcionários com certificado de vigilância, tem que ter qualificação. Tudo isso é a PF que coordena", afirmou.

Na sequência, ponderou que o órgão tem uma série de atribuições e atende muitas outras demandas além dessa, como corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, contrabando, a fiscalização dos aeroportos e ainda a fiscalização das empresas de segurança privada. "Então há muitas empresas clandestinas", complementou.

Imagens de câmera de segurança flagram suspeito de matar Guilherme, na zona sul de SP - UOL - UOL
Imagens de câmera de segurança flagram suspeito de matar Guilherme, na zona sul de SP
Imagem: UOL

"Alguns policiais encabeçam esse tipo de prestação de serviço e acaba tendo o conflito de interesses, entre o serviço que ele executa na Polícia Militar e na Polícia Civil e o trabalho paralelo que muitas vezes é irregular. Isso é um problema que tem que ser enfrentado", pontuou.

O tenente-coronel aposentado Diógenes também chama atenção da necessidade de responsabilizar o contratante, já que, muitas vezes, o serviço regular de uma empresa do ramo acaba ficando caro demais e, então, se abre o mercado para empresas irregulares.

"É diferente de uma empresa de limpeza ou de uma empresa de portaria. O sujeito, então, oferece um serviço de portaria, porque ele pode oferecer isso sem estar sob o olhar da PF, mas ele executa um serviço de segurança. Para o cliente, isso acaba sendo mais interessante. Ele tem um profissional que tá fazendo um serviço de porteiro, de fiscal de pátio, mas na verdade é um serviço de segurança disfarçado. Essa é a forma para diminuir os custos e ter um serviço de vigilância".

Outro lado

A Ponte ligou no número indicado no CNPJ da empresa Campos Forte Portarias Ltda, mas a chamada não completa. Também procuramos a empresa por e-mail para saber se Adriano Campos e seu pai e sócio teriam algo a declarar sobre as investigações e as irregularidades apontadas no negócios deles. Mas, até a publicação da reportagem, não houve retorno.

Também questionamos a SSP-SP e a PM sobre o PM Campos e a investigação, mas, até o momento, não houve resposta.

Com relação à Sabesp, citada por moradores da Vila Clara como responsável pelo galpão, a empresa se posicionou, ainda na segunda-feira, com a seguinte nota: "O local não pertence à companhia. Trata-se de área particular, apartada, que serve de canteiro de serviços de empresa contratada por licitação. A Sabesp lamenta o ocorrido, pedirá esclarecimentos à empresa e está à disposição das autoridades policiais no que for necessário". Nesta quarta-feira, enviou nota semelhante reiterando que não há canteiro de obras da Sabesp "e que o local não pertence à companhia nem está sob sua responsabilidade". O restante do texto é idêntico ao enviado anteriormente.

Procuramos a Globalsan, apontada como proprietária do galpão e portanto a contratante do serviço da empresa do PM Campos, mas, até o momento, não houve retorno.

Leia o texto original no site da Ponte Jornalismo.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do publicado anteriormente, a Sabesp informou que não tem qualquer relação com o local, com o episódio ou com a empresa citada (Globalsan), que apenas presta serviço à companhia.