Relator da ONU acusa Brasil de desmantelar instituições e controles ambientais
O relator especial das Nações Unidas para resíduos tóxicos, Baskut Tuncak, afirmou hoje que o Brasil está "desmantelando" as instituições, já enfraquecidas, que protegem as pessoas e o meio ambiente e está permitindo a exposição de brasileiros a substâncias tóxicas.
Tuncak esteve no Brasil este mês e apresentou nesta sexta-feira suas impressões preliminares depois de duas semanas de visita a diversos locais, inclusive as cidades de Mariana (MG), onde em 2015 rompeu a barragem da empresa Samarco - união das empresas Vale e BHP Billiton, e Brumadinho (MG), onde este ano rompeu uma barragem administrada pela Vale.
"À luz de uma série de crimes ambientais terríveis, desde o rompimento de barragens de rejeitos à uma epidemia de envenenamentos por pesticidas, seria razoável esperar que o país adotasse os mais rigorosos controles ambientais e ocupacionais para o controle de substâncias e resíduos perigosos", disse Tuncak, de acordo com nota distribuída pela Organização das Nações Unidas (ONU).
"Ao contrário, vemos ocorrer o oposto: o país regride, possibilitado pela sensação perversa de impunidade entre os criminosos que envenenam as pessoas, tomam suas terras e destroem o meio ambiente."
O relatório final de Tuncak será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em setembro de 2020, mas o relator ressaltou, por exemplo, a negativa do governo e das empresas envolvidas no rompimento das barragens de que a lama resultante dos desastres fosse tóxica e pudesse causar problemas de saúde nos habitantes, o que tem sido comprovado por pesquisas.
"Os impactos da exposição à lama tóxica no desastre de 2015 agora são visíveis e demonstram ligação com o adoecimento daqueles que foram expostos. No entanto, as empresas responsáveis continuam abusando do seu poder impedindo que informações de saúde e segurança sejam publicadas", disse.
Tuncak disse ainda que o governo brasileiro está descumprindo suas obrigações constitucionais de proteger seus cidadãos ao eliminar ministérios, restringir financiamento para programas essenciais, deixando de aplicar leis, diminuindo a participação da sociedade em instâncias de controle. Além disso, afirmou, o governo do presidente Jair Bolsonaro "criminaliza e ataca" quem luta pela defesa dos direitos humanos e do meio ambiente.
Agrotóxicos e Amazônia
O relator lembrou ainda a onda de liberação de novos agrotóxicos para uso no país. Desde o início do ano, já foram liberados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) 439 novos produtos. De acordo com o governo, os produtos liberados seriam em sua maior parte novos registros de produtos já existentes no mercado brasileiro, mas ambientalistas acusam a Anvisa de enfraquecer a legislação de controle e liberar pesticidas já proibidos em outros países.
"O Brasil segue permitindo o uso de dezenas de pesticidas altamente perigosos, banidos por muitos outros países", acusou Tuncak. "As ações ou falta de ação do governo liberou uma onda catastrófica de pesticidas tóxicos, desmatamento e mineração que envenenarão as gerações futuras, casos ações urgentes não forem tomadas para realinhar o Brasil com o caminho do desenvolvimento sustentável."
O desmatamento na Amazônia e as queimadas na região, que este ano apresentaram um crescimento significativo, e os sinais do governo de que pode fazer mudanças no uso da terra em regiões ambientalmente protegidas —como a tentativa de liberar o garimpo em reservas indígenas e o fim da norma que impedia a plantação de cana-de-açúcar na Amazônia— também foram alvo de críticas por parte do relator da ONU.
"Por décadas, o Brasil ajudou o mundo a encontrar soluções para questões cruciais de meio ambiente e de direitos humanos por meio do trabalho brilhante da sociedade civil e pesquisadores. É desanimador ver as autoridades desmantelando tantos canais de colaboração e até mesmo tentando criminalizar esses atores. Uma mudança radical na relação entre governo e sociedade civil é crucial para melhorar o difícil cenário que eu observei", criticou.
Desde que assumiu o governo, Bolsonaro tem tido uma relação hostil com organizações não governamentais da área ambiental, a quem acusa de quererem explorar a Amazônia, e também com as Nações Unidas.
Recentemente, ao ser perguntado se pretendia pagar os mais de 1 bilhão de dólares que o país deve à ONU —e que pode levar o Brasil e perder o direito de votar em instâncias da Organização—, disse que não tinha preocupação com isso e que as decisões das Nações Unidas "não interessam" ao Brasil.
Procurado para comentar a fala do relator especial da ONU, o Palácio do Planalto ainda não se pronunciou.
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