50 anos depois de alerta bombástico, limites do planeta estão sendo atingidos
Como o crescimento econômico poderá ser infinito num mundo cujos recursos têm um fim? Em 1972, um relatório coordenado pelo físico americano Denis Meadows no MIT (Massachussets Institut of Technology) analisou em profundidade os limites do nosso modelo de crescimento e se tornou um livro best seller, que vendeu 30 milhões de exemplares no mundo. Cinquenta anos depois, a humanidade toma o rumo dos piores cenários antecipados pelos cientistas.
Em quase todos os países e em especial nos desenvolvidos, tudo é feito em excesso: produção, consumo, poluição, alimentação, pesca, emissões de gases de efeito estufa. O livro previa que, se continuássemos na busca cada vez mais intensa por crescimento, o sistema planetário sofreria um "bug" no século 21.
"O que podemos dizer claramente é que aquilo estava pré-configurado nos anos 1970 e início dos 1980, no relatório Meadows, são coisas que, a maior parte delas, foram confirmadas nas décadas seguintes e, algumas delas, de forma até mais intensa do que previsto, como as mudanças climáticas. Na época, elas foram levadas em conta de maneira limitada", afirma o pesquisador-adjunto do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França) Aurélien Boutaud, doutor em Ciências da Terra, em entrevista ao programa C'est Pas Du Vent da RFI. "Então, as conclusões gerais do relatório não poderiam ser mais atuais."
No ano em que foi redigido, o estudo teve o impacto de um primeiro grande alerta da comunidade científica, com repercussão mundial, sobre os riscos que estavam por vir. Desde então, nove limites planetários ao abuso dos recursos naturais e à atividade humana foram desenhados pelos especialistas - dos quais cinco já foram atingidos.
"É difícil dizer quantos limites de fato existem, mas a literatura científica hoje identificou dez. São variáveis que determinam os grandes equilíbrios ecológicos da escala planetária, como a integridade da biosfera, da biodiversidade, a mudança no uso dos solos, a utilização de águas doces, os ciclos biogeoquímicos do fósforo e do azoto, entre outros", explica Boutaud, autor de um livro sobre o tema. "O que constatamos é que, há um século e meio, alguns desses elementos estão sendo perturbados pela atividade humana, de uma forma que pode ser irreversível."
Mudança de paradigmas
O pesquisador francês explica que as mudanças climáticas são um exemplo claro desses desequilíbrios da Terra, assim como a acidificação dos oceanos. Há 50 anos, estabilizar o crescimento econômico e da população mundial teriam sido suficiente para evitar uma degradação tão séria do planeta. Hoje, porém, todo o desafio é minimizar os danos.
O consenso apontado em estudos como os do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas, indica que a única alternativa para evitar uma catástrofe ainda maior para as próximas gerações é o mundo desacelerar: reverter um modelo de progresso que busca cada vez mais.
"Nós sempre precisaremos dos sistemas de produção industrial, da agricultura, da saúde etc. Mas como podemos reorganizar tudo isso de maneira que eles sejam não pouco, mas muito mais econômicos, sóbrios, em matéria de energia? Em muitos casos, isso nos parece possível", comenta Matthieu Auzanneau, diretor do think tank The Shift Project, especializado na transição energética.
Fim das energias fósseis
Desde o Protocolo de Kyoto, primeiro marco internacional para tratar do problema, os cientistas apontam as energias fósseis como as maiores vilãs do círculo vicioso que conduz a Terra a graves alterações. No Acordo de Paris sobre o Clima, os líderes globais concordaram que seria necessário acelerar o abandono do carvão e petróleo - mas, na prática, quase nada foi feito nesse sentido. Agora, a guerra da Ucrânia leva a Europa a acordar para o perigo da dependência dos combustíveis russos - uma nova oportunidade para acelerar a transição energética.
"Temos que esperar isso, mas me faz pensar em um doente que já recebeu um diagnóstico há muito tempo, mas que precisa chegar ao limite do que os médicos dizem. Sentir na pele os efeitos, para chegar à conclusão de que ele precisa parar de fumar", lamenta Auzanneau. "Aqui na Europa, nós sabemos há muito tempo que somos dependentes demais dos recursos controlados por Vladimir Putin. E se já tivéssemos encaminhado a saída do petróleo, como previa Kyoto, Putin não teria tanto poder quanto tem hoje", analisa.
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