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PMs acusados pela maioria das mortes no Carandiru começam a ser julgados hoje em SP

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

29/07/2013 06h00

Vinte e seis policiais militares da Rota começam a ser julgados nesta segunda-feira (29) em São Paulo por aquela que é apontada como a ação mais violenta da Polícia Militar no episódio que ficou conhecido como massacre do Carandiru –no qual 111 presos foram assassinados em 2 de outubro de 1992. Sozinho, o grupo responde por 73 homicídios no terceiro pavimento do pavilhão 9, no qual, segundo perícia feita à época, ao menos 300 tiros foram efetuados.

Marcado para ter início às 9h no Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste de SP), este será o segundo júri popular de policiais militares acusados pelo massacre --assim classificado pela OEA (Organização de estados Americanos) em 2000. Em abril, após seis dias de julgamento, outros 23 PMs foram condenados a 156 anos, ao todo, por 13 mortes ocorridas no segundo pavimento do pavilhão.

Se condenados agora, os PMs que respondem pelas mortes no terceiro pavimento poderão pegar até 876 anos de prisão, o equivalente à pena mínima de homicídio doloso (intencional), que é de 12 anos, para cada uma das 73 vítimas. Mesmo assim, a exemplo da primeira leva de julgados, eventual condenação poderá ser respondida em liberdade.

DRAUZIO VARELLA

Bruno Pedersoli/UOL
Massacre do Carandiru foi um marco, mas cadeias ainda não recuperam presos, diz Drauzio Varella

Em entrevista coletiva na última sexta-feira (26), o promotor do caso, Fernando Pereira da Silva, afirmou que, inicialmente, 30 PMs da Rota eram acusados pelos 73 homicídios. Ao longo desses mais de 20 anos, porém, três morreram e um teve o processo suspenso pela Justiça diante de pedido da defesa, que alegou insanidade mental do réu.

Em todo o terceiro pavimento, entretanto, foram 78 mortes –como cinco foram imputadas a um único policial, identificado por sobreviventes devido aos traços orientais, ele responderá sozinho por elas em outro julgamento.

“Já tivemos no primeiro júri o reconhecimento do massacre, ou ao menos o início desse reconhecimento. Mas neste as provas materiais são ainda mais evidentes para reforçar essa tese –não apenas pelo grande número de mortos, e pelo percentual que isso representa no total [de 111 presos assassinados], mas também pela quantidade de rajadas de metralhadoras que a perícia encontrou dentro das celas nesse andar”, disse o promotor.

Dos 26 réus, nove seguem na ativa. Os nomes e as alocações funcionais de cada tiveram sigilo decretado pela Justiça, a pedido da advogada dos PMs, Ieda Ribeiro de Souza.

Para o promotor do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de Guarulhos designado para auxiliar Silva, Eduardo Canto, a “quantidade de tiros que alguns presos receberam, até oito disparos, mostra a violência”.

A exemplo do primeiro júri, Silva afirmou que novamente a “questão ideológica” deve ser o desafio da acusação aos jurados. A afirmação se referiu a colocação do próprio MP, dias antes do primeiro júri, segundo a qual teria de ser combatida, em plenário, “a tese de que bandido bom é bandido morto”.

De acordo com o promotor, porém, desta vez até os casos recentes de violência da PM em manifestações, a exemplo do ocorrido em São Paulo no dia 13 de junho, poderão ser apresentados aos jurados a exemplo da exibição de vídeos sobre condutas criminosas de policiais, exibidos no julgamento de abril.

“Nas mobilizações, o jovem mostrou que queria um país diferente, sem violência policial, por exemplo. No júri em abril, majoritariamente jovem, os jurados também deram essa resposta. Para nós, aquilo foi muito simbólico—porque, assim como nos protestos, eles disseram não querer mais que essa violência prevaleça”, comparou Silva.

A advogada dos réus alegou sigilo dos nomes dos PMs e mesmo das testemunhas para não entrar em detalhes sobre a linha que será adotada. “Se essas pessoas não foram protegidas nesses 20 anos, agora têm que ser, pois são pessoas visadas”, alegou.

Indagada sobre o efeito da condenação da primeira leva de PMs sobre o atual grupo de réus, a advogada afirmou: “Digamos que eles ficaram surpresos demais com a condenação, pois sabem que a opinião pública, em massa, estava a favor deles”, argumentou.

Para a defesa, os PMs agiram sob ordens de superiores –especialmente do então governador da época, Luiz Antonio Fleury Filho –e em legítima defesa, uma vez que haveria uma rebelião na antiga casa de detenção, naquele dia, com presos supostamente armados.

Testemunhas

Parte das testemunhas ouvidas no primeiro júri terão seus depoimentos exibidos aos sete jurados deste segundo em vídeo, conforme acordo feito entre acusação e defesa.

Das 11 testemunhas de acusação, por exemplo, três serão reaproveitados em vídeo no segundo júri; das seis arroladas pela defesa, duas não serão reconvocadas.

Entre as testemunhas que devem ser chamadas novamente a comparecer estão o então governador de São Paulo à época do massacre, Luiz Antonio Fleury Filho, e o srecretário de Segurança Pública à época, Pedro Campos, pela defesa, e o perito aposentado Oswaldo Negrini Neto, pela acusação.

Musa do Carandiru, Rita Cadillac ainda encontra ex-detentos nas ruas de SP

  • "Oi, madrinha. Como vai, madrinha?". Os "afilhados" são ex-detentos do complexo penitenciário do Carandiru. A "madrinha" é a dançarina e cantora Rita Cadillac, 59, que, talvez para muitos da extinta casa de detenção, a figura de musa coubesse melhor no imaginário que o de figura maternal.

Processo tem troca de juiz dias antes de júri

Semana passada, o Tribunal de Justiça de São Paulo anunciou a substituição de juízes do caso. Removido desde o dia 1º deste mês para a comarca de Atibaia, José Augusto Nardy Marzagão sai para a entrada do juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo, também do Fórum de Santana (zona norte de SP), no processo. A remoção, a pedido do magistrado, natural de Bragança Paulista (interior paulista), implica em perda de vínculo com a vara onde o processo corria, explicou o Tribunal.

Segundo a assessoria do TJ, Marzagão irá para a 1ª Vara Criminal da cidade, onde, na realidade, chefiará a 4ª Vara Cível, a ser criada. No caso desde setembro do ano passado, o magistrado ficou conhecido pela rapidez que conferiu ao andamento do processo, que chegou a ficar cerca de dez anos no Tribunal até ter a data de julgamento finalmente designada por ele para janeiro deste ano.

Por meio da assessoria de imprensa do TJ, o novo juiz afirmou que a organização do segundo júri “terá os mesmos moldes de trabalho que foram feitos primeiro plenário”. Também a exemplo do primeiro julgamento, apenas a leitura da sentença poderá ser gravada pela imprensa.