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Para Teich, sugestão de invadir hospital foi "forma de falar" de Bolsonaro

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

22/06/2020 12h40

O ex-ministro da Saúde Nelson Teich evitou criticar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em entrevista de hoje ao UOL. Embora tenha admitido que deixou o ministério por discordância do antigo chefe, ele reafirmou a legitimidade do presidente "eleito pelo povo". Para Teich, a sugestão de Bolsonaro para invadir hospitais durante a pandemia, por exemplo, foi apenas "uma forma de falar".

Em conversa conduzida pelos colunistas do UOL Tales Faria e Diogo Schelp, no UOL Entrevista, Teich —que tomou posse e deixou o ministério em menos de um mês— também falou sobre cloroquina, protagonismo de Bolsonaro, reunião ministerial e sua saída da pasta.

Questionado sobre a sugestão do presidente Jair Bolsonaro para que a população invadisse hospitais a fim de verificar a ocupação dos leitos, Teich criticou a ideia ao mesmo tempo em que tentou poupar o ex-chefe.

"Eu acho que tudo é a forma de falar", disse. "Como é que eu vejo essa situação: a sociedade tem o direito de saber como o dinheiro é usado. A gente precisa conhecer melhor como o dinheiro está sendo usado. Agora não é uma pessoa entrando num hospital que vai enxergar isso. A gente tem formas adequadas de buscar informação, tem que inclusive melhorar o retorno da informação."

De acordo com o ex-ministro, "entrar no hospital não te dá uma visão do todo". "Precisa de mais dados para entender se foi necessário ou não", disse.

Bolsonaro mina liderança do ministério

Teich admitiu que falta liderança ao Ministério da Saúde para a condução das políticas contra a epidemia. O motivo é o fato de o presidente tomar para si toda a responsabilidade.

"O presidente trouxe pra ele a responsabilidade. Ele tem uma forma de liderar e gerir", disse. "Quando não se tem uma liderança clara no Ministério da Saúde, você abre espaço para disputa de poder, e isso atrapalha. São disputas pessoais acima dos interesses do país."

Ele lembrou, no entanto, que Bolsonaro "foi eleito pelo povo". "Muito da forma como ele fala não é uma coisa nova. Ele sempre foi assim, e foi eleito presidente do Brasil."

Ele também criticou secretários municipais e estaduais, que teriam rejeitado um programa desenhado por ele "para mapear as diferentes cidades do Brasil para discutir a flexibilização do distanciamento".

"Não foi aceito, não teve trabalho em equipe", disse. Se todos tivessem concordado, garante, um "mesmo modelo no país inteiro" seria implementado, o que facilitaria "comparar boas práticas".

Pazuello puxou o tapete?

Sobre o atual ministro interino, Eduardo Pazuello, Teich negou que tenha sido prejudicado por ele. "De forma alguma. No período em que estive lá, Eduardo era meu secretário executivo e sempre me deu suporte. Nunca aconteceu uma postura dele tentando ocupar meu lugar, nunca tentou me enfraquecer."

A minha decisão de saída foi porque, naquele momento, como eu achava que não ia conseguir liderar o processo, eu optei por sair, nunca teve a ver com ele. Ele sempre esteve ao meu lado.
Nelson Teich, ex-ministro da Saúde

Reunião Ministerial

Teich também preferiu não comentar a reunião ministerial em que ele aparece boquiaberto diante das declarações de ministros, que pediam para prender ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e desmatar a Amazônia.

"Eu tinha acabado de chegar. Eu estava na minha primeira reunião. Eu confesso que naquele momento minha preocupação era como é que eu ia falar alguma coisa sobre a covid. Confesso que naquele momento eu não estava julgando as pessoas."

Sobre sua fala no encontro, ele frisou que preferiu evitar palavrões. "O meu jeito de funcionar é esse. Eu vou levar essa conversa para o lado técnico, é a única forma que eu tenho de ajudar o país é essa."

Governo errou ao esconder mortos por covid?

Teich criticou ainda decisão do Ministério da Saúde de esconder o total de mortos por covid-19. O governo só voltou atrás após decisão do STF.

"Isso trouxe uma discussão e problema ao ministério totalmente desnecessário. A não divulgação não esconde a informação, mas traz uma percepção muito negativa. Trouxe um comportamento questionado pela sociedade e imprensa."

Cloroquina

O médico também tentou evitar críticas à pressão de Bolsonaro para que a cloroquina fosse receitada em hospitais embora careça comprovação científica sobre sua eficácia.

"Até a gente ter uma definição, aquilo deveria ser tratado como pesquisa. A gente vê uma situação delicada do ponto de vista emocional da população. Você trabalhar de forma científica onde o medo e ansiedade predominam, é muito difícil. Minha posição é que cloroquina tinha que avançar em pesquisa clinica."

Saída do ministério

"Quando aceitei entrar, eu realmente achava que podia ajudar muito", afirmou Teich. "A única forma de você conhecer alguma coisa é convivendo com ela. E pra mim era importante ajudar o Brasil."

Ele voltou a dizer que sua decisão por sair se deveu a discordâncias com Bolsonaro sobre a condução da crise.

"Eu tinha uma forma de abordar e o presidente tinha outra. Ele é a pessoa eleita, o líder da nação, fui escolhido por ele, mas naquele momento a forma que eu tinha de conduzir não era igual a dele e optei por sair, mas em momento algum eu briguei com o presidente. Eu não queria que evoluísse para mais um desgaste político."

O que faria de diferente?

O ex-ministro afirmou que, "quando se tem informação de qualidade, a solução vem quase que naturalmente".

"Hoje se eu pudesse mudar algo, era tratar a qualidade da informação. Como vai trabalhar a linha de cuidado, se tiver segunda onda, vai ter os agentes comunitários nisso? Se você consegue diagnosticar mais cedo, se você não fez exame adicional, você não entende a gravidade da situação. Tudo isso tem que ser trabalhado. Eu trabalharia informação e aproximação com estados e municípios."

O SUS é "espetacular"

Com experiência em gestão empresarial, Teich não poupou elogios ao SUS (Sistema Único de Saúde).

"Com certeza o SUS é espetacular (...) Melhorar o SUS não tem a ver com sua importância. Ele é fundamental."

Ele lembrou que o sistema "tem um subfinanciamento enorme", e comparou com os Estados Unidos, onde "o gasto por pessoa é de US$ 12 mil, e o SUS não dá R$ 400": "Quanto menos dinheiro, mais eficiente você tem que ser."