Era do amadorismo jihadista pode ter acabado, como mostraram ataques em Paris

Katrin Bennhold

Em Londres (Inglaterra)

  • Miguel Medina/AFP Photo

Os combatentes do Estado Islâmico que retornam da Síria podem não ser os homens-bomba às vezes desajeitados do passado, como mostraram os ataques em Paris.

Quando se trata de tramas terroristas, o Reino Unido já teve sorte mais de uma vez.

Em 2007, dois carros-bomba plantados no West End de Londres falharam em detonar. Os dois militantes ligados a essas bombas então levaram um jipe cheio de explosivos ao Aeroporto de Glasgow no dia seguinte, mas de novo não conseguiram matar ninguém. Um ano depois, um muçulmano recém-convertido, visando um restaurante em Exeter, detonou prematuramente seu colete suicida no banheiro.

Esse amadorismo não se restringiu às ilhas. Em 2009, um militante colocou fogo em suas calças enquanto tentava explodir um avião de passageiros com destino a Detroit com explosivos escondidos em sua cueca, lhe rendendo o apelido de "homem da cueca-bomba", e em abril, um atirador que tinha como alvo uma igreja francesa acabou atirando na própria perna.

Mas os ataques sincronizados do mês passado em Paris sugerem que os dias de inépcia jihadista podem estar chegando ao fim.

Vários dos agressores de Paris, que estiveram na Síria e pareciam ser bem treinados, fazem parte dos aproximadamente 30 mil combatentes estrangeiros de 100 países que se juntaram ao Estado Islâmico em menos de três anos. Acredita-se que mais de 5.000 deles sejam ocidentais, muitos dos quais podem futuramente voltar para casa.

"A Europa está muito mais vulnerável hoje do que a poucos anos atrás", disse Jytte Klausen, uma professora da Universidade Brandeis.

A pesquisa dela mostra que, mesmo antes da ascensão do Estado Islâmico, também conhecido como EI ou Daesh (sigla pejorativa em árabe), cerca de um entre 12 combatentes estrangeiros planejavam ataques domésticos ao voltar para casa.

Mais significativo, em meio aos temores de os radicais islâmicos estarem voltando à Europa, ela descobriu que os planos passam a apresentar o dobro de probabilidade de serem bem-sucedidos após os perpetradores passarem algum tempo nos campos de batalha jihadistas.

Jihad é uma fonte de redes, treinamento e brutalização, disse Peter Neumann, o diretor do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização do King's College London.

O último conflito a mobilizar combatentes estrangeiros em uma escala semelhante foi o Afeganistão contra os soviéticos nos anos 80. Cerca de 20 mil foram para lá. Mas isso cobriu toda uma década e o percentual de ocidentais era muito menor.

Mesmo assim, a jihad afegã representou um precursor preocupante: os veteranos daquele conflito ressurgiram nos campos de batalha da Bósnia até a Argélia e Iraque. Eles estiveram envolvidos no estabelecimento de movimentos jihadistas como a Al Qaeda e planejaram contra o Ocidente ao longo das duas últimas décadas.

"Não é coincidência que Osama Bin Laden tenha começado sua carreira terrorista como um combatente estrangeiro", disse Neumann, cujo centro conta com um banco de dados de cerca de 700 jihadistas ocidentais na Síria. "Todos os grandes planos na Europa envolveram pessoas que treinaram no exterior. Esse é o motivo para ser tão importante evitar refúgios para treinamento, porque o treinamento os torna 'melhores terroristas'."

Uma ampla coalizão de nações, incluindo o Reino Unido, está agora bombardeando alvos do Estado Islâmico na Síria. Mas parte dos estragos em casa já está feito, disse Neumann.

"Mesmo se o conflito sírio terminasse amanhã, o que sabemos que não acontecerá", ele disse, "as consequências permanecerão conosco por uma geração".

Antes do Estado Islâmico entrar em cena, três dentre quatro grandes planos terroristas foram desbaratados, como sugere a pesquisa de Klausen. A habilidade das autoridades de manter mesmo esse nível diminuirá a menos que as sociedades ocidentais reprimam severamente as células terroristas locais, ela disse.

Isso exigirá que os países europeus reforcem sua capacidade de policiamento e inteligência para acompanhar o crescente número de jihadistas repatriados, assim como uma melhora do compartilhamento de inteligência em um continente em grande parte sem fronteiras que ainda trata a segurança nacional como, bem, uma questão nacional.

Mas eles também precisam investir em planos de prevenção ambiciosos que dependam de mais do que apenas homens e mulheres uniformizados, dizem os especialistas. A desconfiança dos serviços de segurança é alta nas comunidades muçulmanas onde o Estado Islâmico recruta. Com pais e assistentes sociais mais bem posicionados para detectar os primeiros sinais de radicalização, as autoridades de contraterrorismo precisam melhorar sua influência, disse Neumann.

Assim como os jihadistas aprenderam com os erros do passado, ele disse, os governos ocidentais precisam aprender com os seus: "Precisamos nos tornar mais inteligentes no que se refere à prevenção".

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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