Ato contra ajuste fiscal de Milei leva estudantes e professores às ruas
Um protesto em repúdio ao ajuste econômico do governo Javier Milei e em defesa da universidade pública mobilizou nesta quarta-feira (2) manifestantes em toda a Argentina. A maior concentração foi na capital, Buenos Aires, onde uma multidão tomou a praça do Congresso e as ruas no entorno.
Os organizadores chegaram a falar em "1 milhão de pessoas" — entre estudantes, professores, funcionários públicos e outros setores da sociedade —, mas não houve divulgação oficial do número de manifestantes.
O ato pacífico desafiou o protocolo antiprotesto de rua, instituído pelo governo argentino que proíbe manifestações que fecham vias públicas.
A reportagem não registrou forças policiais no entorno, como tem acontecido em outras manifestações no país.
Os líderes dos movimentos de estudantes e de professores disseram durante o protesto que a educação é a única alternativa para milhões de argentinos que querem ascender socialmente e transformar suas vidas.
Os manifestantes protestaram contra o congelamento do orçamento, os baixos salários de professores e o veto da lei orçamentária universitária, aprovada pelo Senado e que Milei prometeu derrubar.
Em setembro, os senadores aprovaram uma lei que declara emergência orçamentária para as universidades e pede ao Poder Executivo que os salários sejam atualizados com base na inflação acumulada desde dezembro de 2023, que totaliza 144%, quando assumiu Milei.
O projeto aprovado também pede atualização bimestral do orçamento destinado ao funcionamento das universidades.
A educação pública é considerada um dos orgulhos dos argentinos, sendo a universidade pública um símbolo de prestígio para o país que tem cinco prêmios Nobel.
O atual presidente tem ideologias pôlemicas mas ganhou a eleição democraticamente. O que queremos é que ele valorize a educação pública e nossas universidades
Maitê na Gomes, 19, estudante de gestão ambiental na Universidade Nacional Arturo Jauretche, em Buenos Aires
A estudante de medicina da Universidade de Buenos Aires, Agustina Sanz, de 21 anos, também revelou preocupação com o futuro da universidade diante do ajuste econômico do governo Milei.
"Os professores estão indo embora. Estamos tendo aulas em condições precárias. No inverno, morremos de frio porque as janelas estão sem vidros. Os professores estão recebendo salários baixos. Além disso, muitos colegas estão desistindo da universidade devido ao aumento de custo de vida", revelou Agustina.
Estou aqui defendendo o lugar onde estudo, que é uma das maiores universidades do mundo.
Agustina Sanz, aluna de medicina na Universidade de Buenos Aires
Em coletiva de imprensa nesta quarta-feira, o porta-voz da Casa Rosada, Manuel Ardoni, afirmou que o governo não é contra o financiamento da universidade pública, mas contra a sanção do Congresso da lei orçamentária universitária.
O presidente Milei endossou durante as manifestações universitárias diversas publicações na rede social X que qualificaram o protesto como "político".
O governo argentino alega que a reivindicação por aumento de salários dos professores não é justificável.
Os docentes reclamam que seus salários tiveram perda de 40% no primeiro semestre de 2024. Em Julho, o Conselho Superior da UBA (Universidade de Buenos Aires), a maior da Argentina, declarou emergência em matéria salarial.
O governo Milei, por meio do Ministério do Capital Humano, responsável pela pasta de educação, afirmou que o salário dos professores universitários aumentou 71% de dezembro de 2023 a julho de 2024. A informação contradiz a declaração do vice-reitor da UBA, Emiliano Yacobitti, que afirmou que o governo não contabilizou no índice "os impactos da inflação acumulada, que é praticamente o dobro das atualizações reconhecidas pelo governo aos professores universitários".
Em abril, a UBA chegou a cortar a luz e suspender o uso de aquecedores e elevadores, além de ter aulas nas ruas, devido a falta de dinheiro para a manutencao da universidade. Logo depois, o governo Milei aprovou um orçamento emergencial para que a universidade pudesse pagar as contas básicas.
O médico aposentado Alberto Schocron, 77, disse à reportagem que estava protestando "para que não nos matem".
Estar aqui na marcha universitária faz parte da luta. Essa política de fome vai trazer mais mortos do que a pandemia.,
Alberto Schocron, médico aposentado, que coordenou grupos de voluntários durante a pandemia da covid-19
Apesar de o governo Milei estar conseguindo o prometido déficit fiscal e desacelerar a inflação mensal, que em agosto registrou 4,2%, a inflação acumulada em um ano segue alta, com mais de 260% e a inflação desde janeiro até agora acumula quase 90%, num contexto em que o país não cresce. O PIB (produto interno bruto) da Argentina caiu 1,7% no segundo trimestre deste ano em relação ao primeiro trimestre.
A Argentina enfrenta ainda índices históricos de pobreza. De acordo com dados oficiais, o pais registrou neste ano 52,9% de pobres, um aumento de 11 pontos em relação ao segundo semestre de 2023, no governo do peronista Alberto Fernandez. Ou seja, há 15,7 milhoes de pessoas vivendo na pobreza -- o maior índice em duas décadas.
Sobre os desafios sociais, o governo Milei argumenta que o país foi "quebrado" por governos peronistas e repete o jargão "no hay plata".
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