Nova lei de Milei pode ser 'tiro no pé' a refúgio de foragidos de 8/1
O governo Milei publicou ontem (22) o chamado Decreto de Necessidade e Urgência, que modifica as regras sobre a concessão de refúgio político e incorpora uma série de mudanças na lei de refúgio atual. A iniciativa ocorre no contexto da retirada de status de refugiado do ex-presidente boliviano Evo Morales, a quem foi concedido refúgio em 2020, quando fugiu da Bolívia por pressão dos militares.
As novas regras do governo Milei também ocorrem num momento em que há pedidos de extradição feito pelo STF (Supremo Tribunal Federal) do Brasil a brasileiros condenados por tentativa de golpe de Estado e estão pedindo refúgio na Argentina.
A Argentina não vai reconhecer como refugiados os estrangeiros que se encontrem envolvidos em crimes internacionais — ou seja, a pessoas que, antes de serem admitidas como refugiadas na Argentina, tenham sido acusadas e/ou condenadas fora do país por um crime grave.
Conforme o texto do decreto, haverá novas condições para uma pessoa ser considerada refugiada, além das já estabelecidas, entre elas:
- não ter cometido crimes de guerra, contra a paz e a humanidade;
- não ter cometido crimes comuns graves;
- não ter participado de atividades que vão contra os princípios das Nações Unidas.
Será considerado autor de crime grave quem estiver envolvido em "participação em atividades terroristas, violações graves dos direitos humanos ou qualquer outra ação que comprometa a paz e a segurança internacionais", diz o texto.
Não terá acesso ao refúgio qualquer pessoa que tenha incitado ou participado dessas atividades.
O texto diz que serão considerados crimes internacionais graves aqueles que afetem a vida, a liberdade, a integridade fisica ou sexual das pessoas, bem como afetar bens, "desde que tenham sido perpetrados por meio da força, violência e intimidação sobre as pessoas" e que também tenham sido cometidos por meio do crime organizado, diz a nota.
Segundo o novo decreto, os processos em andamento sobre os pedidos de refúgio devem ser adaptados aos novos regulamentos.
Bolsonaristas se dizem tranquilos
Com o slogan de "Viva a liberdade, carajo", jargão do presidente Javier Milei, o brasileiro Saymon Castro, que está pedindo refúgio político na Argentina, se diz tranquilo sobre as novas regras no país. Ele é acusado de ser um dos articuladores da tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro, mas se diz inocente. "Para a gente continua a mesma coisa, porque nós somos perseguidos políticos e não cometemos crimes comuns". "Seguimos firmes e fortes. E viva a liberdade, carajo", exaltou.
"Não mudou nada para nós", disse outro brasileiro acusado de envolvimento nos ataques aos Três Poderes, que se diz inocente e está pedindo refúgio político na Argentina, mas que preferiu não se identificar. Para a reportagem, ele disse que está tranquilo desde o primeiro dia que entrou com solicitação de refúgio, no início de 2024, quando quebrou a tornozeleira e fugiu para o país vizinho.
Em contato com o UOL, ele encaminhou um áudio supostamente de um advogado argentino o qual explica que "nada muda" para os brasileiros investigados e condenados por tentativa de golpe de Estado. A explicação é de que os mesmos estão pedindo refúgio por "perseguição política" e as regras mudaram para as pessoas que cometeram crimes comuns.
Com a nova implementação do governo Milei, a CONARE (Comissão Nacional para Refugiados), ligada ao Ministério do Interior que está vinculado ao gabinete do presidente, será a responsável por decidir sobre as deliberações de refúgio e será o órgão responsável para aqueles que perderam a condição de refugiados e precisam regularizar seu status ou mesmo deixar a Argentina.
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Quero receberSegundo o governo argentino, "a medida pretende que a gestão do asilo político seja mais eficiente e eficaz, garantindo assim a proteção adequada para aqueles que realmente precisam (de refúgio) e desencorajar aqueles que cometem crimes internacionais e querem abusar do sistema".
Governo tenta barrar pedidos de refúgio
O governo Milei alegou que o número de pedidos de refúgio político na Argentina por parte de pessoas oriundas de países do Oriente Médio "tem apresentado aumento significativo nos últimos anos". Apesar de não apresentar dados objetivos sobre a quantidade geral de pedidos de refúgio nos últimos anos, o governo justificou que atualmente aumentaram de 60% a 90% os pedidos de refúgio no país e comparou a anos anteriores, cujo aumento foi de 300% em 2017 e 150% em 2018, segundo dados oficiais. De acordo com o governo, o novo decreto vai "barrar" os pedidos de refúgio no país.
Milei tirou o status de refugiado de Morales
No dia 2 de outubro, o Ministério da Justiça da Argentina informou que o refúgio político do ex-presidente boliviano Evo Morales tinha sido cancelado. O governo Milei alegou que o refúgio de Morales "foi usado indevidamente como ferramenta política" pelo então presidente argentino na época, Alberto Fernandez (2019-2023), que concedeu refúgio ao ex-presidente em 2020. Na época, o governo Fernandez considerou Morales como "perseguido", com a condição de que o ex-presidente não fizesse declarações políticas na Argentina.
A coluna esteve em contato com especialistas argentinos e organizações sociais que trabalham com migração e refúgio e todos se mostraram preocupados com as implicações que o novo decreto pode produzir às pessoas que são refugiadas e que estão em processo de pedido de refúgio. No entanto, nenhuma organização quis se pronunciar oficialmente sobre o decreto pois alegaram que ele ainda precisa ser estudado antes de tomar alguma posição.
Por ora, há divergência sobre o impacto que a mudança na lei pode produzir para os bolsonarisfas que estão foragidos no país. De acordo com o advogado argentino especialista em temas migratórios, Cristian Rubelli, o decreto pode afetar a situação dos brasileiros se a Argentina entender que eles foram acusados e condenados por atos terroristas no Brasil referente à tentativa de golpe de estado do dia 8/1/23.
"Não acredito que fosse isso que Milei tinha em mente, mas as modificações que determinam o decreto podem se tornar um tiro no pé e dificultar a condição dos brasileiros foragidos na Argentina por envolvimento no dia 8/1. Os crimes podem ser compreendidos como atos contra a democracia", afirmou. Para o advogado, no entanto, o que teria motivado a mudança na lei foi a concessão de refúgio a Evo Morales. "Esse decreto é mais um show do governo por Evo Morales. O ex-presidente boliviano pode recorrer ao seu refúgio que foi suspenso", explicou.
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