Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
História no Brasil é tecida de modo excludente; é hora de mudar isso
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"Palmares não é um, são milhares", disse o bem-lembrado poeta Oliveira Silveira (1941-2009). O verso ensina que as presenças de vida e lutas da gente negra são até mesmo incontáveis. Elas têm força para marcar e atravessar temporalidades. A naturalização do racismo, porém, ainda compromete nossa capacidade de enxergar esses tantos sujeitos, ideais e atos de afirmação de liberdade e humanidade. Contar essas histórias é o compromisso primeiro da coluna "Presença Histórica", uma iniciativa da Rede de Historiadoras Negras e Historiadores Negros (RHN), em parceria com o UOL.
Colocamos nosso ofício a serviço de um projeto de letramento histórico antirracista, por meio do qual seja possível enxengar com nitidez os "nossos passos que vêm de longe". Materializamos aqui esforços de escrita e diálogo não apenas com especialistas de nosso campo profissional. Nosso interesse é falar com quem se interessa, ou mesmo possa vir a se interessar. Afinal, nossa formação intelectual não se deu apenas dentro dos espaços acadêmicos. Intelectuais ativistas negros e negras de outros tempos e muitos lugares nos servem de referência e estímulo para fazer o que talvez não tenha sido feito antes.
Nesse sentido, a escolha do nome "Presença Histórica" serve para mobilizar uma série de significados. Ao provocar reflexões sobre o passado a partir de questões que nos são caras no presente, buscamos evidenciar que a História não é um repositório de informações abstratas, pitorescas e desconectadas da atualidade. Se é certo que os registros do passado não oferecem as soluções para os nossos impasses de hoje, é importante dimensionar o quanto o presente tem de atualizações de impasses antigos. A consciência dos problemas é um passo importante para a construção de soluções.
Um desses, aliás, diz respeito às poucas oportunidades criadas para o reconhecimento da atuação de historiadoras e historiadores negros no Brasil. Ao passo que a Antropologia se anuncia como a ciência interessada no estudo do outro, a História é aquela por meio da qual se constroem as imagens que as sociedades têm de si mesmas e, a partir disso, dimensionam o que lhes é externo. Não é por acaso, portanto, que você tenha demorado bastante tempo para encontrar historiadores negros sendo acionados como legítimos para falar sobre temas que dizem respeito a todos, todas e todes nós. É a História que nos ajuda a pensar em como as coisas se tornaram aquilo que são hoje.
Por fim, há uma dimensão ainda mais poética e política. "Presença Histórica" é um gesto de atualização do protesto contido no título da revista "Présence Africaine", fundada em Paris em 1941, por intelectuais de países oeste-africanos de expressão francesa. Nos números que circulam ainda hoje, ecoam os fundamentos da luta contra o racismo e a colonização nos territórios africanos e em solo amefricano — esta última uma categoria acionada tempos depois pela filósofa brasileira Lélia Gonzalez. Como pessoas negras do século 21, nós defendemos nossa negritude pela afirmação das múltiplas possibilidades de ser, o que inclui diversidade regional, de tons de pele, gênero e orientação sexual.
Semanalmente, às quartas-feiras, um quinteto se reveza na oferta de artigos: Patrícia Melo (Norte); Carlos da Silva Jr. (Nordeste); Ana Flávia Magalhães Pinto (Centro-Oeste); Mariléa de Almeida (Sudeste); e Fernanda Oliveira (Sul); tendo como editor o jornalista negro Helton Simões Gomes.
Não chegamos aqui sós, nem por acaso
A RHN é uma construção coletiva, horizontalizada, descentralizada e permanentemente aberta para novas adesões. Ela foi criada em 29 de julho de 2015 e, desde então, tem realizado um conjunto de ações de História Pública, empenhadas em lançar luz sobre a agência e o protagonismo de homens negros e mulheres negras em diferentes contextos.
A coluna "Presença Histórica" não é a primeira oportunidade em que a RHN impulsiona uma iniciativa de divulgação das nossas pesquisas e reflexões para além do âmbito acadêmico. Uma dessas ações é a coluna multimídia "Nossas Histórias", publicada em parceria com o Portal Geledés e a Cultne TV, desde setembro de 2020. Buscamos atender por meio dela demandas apresentadas por professores e professoras da Educação Básica, no que diz respeito ao acesso a materiais para a implementação das Leis n. 10.639/2003 e 11.645/2008.
A coluna "Presença Histórica" é, em certa medida, um desdobramento desse primeiro formato, que segue ativo. Mas entender essa conexão demanda um pouco mais de conversa. Com a experiência obtida com a edição das "Nossas Histórias", decidimos promover uma Ocupação de Historiadoras Negras e Historiadores Negros na Imprensa em novembro de 2021. No cinquentenário do Dia Nacional da Consciência Negra, promovemos uma ação política coletiva, intencional, planejada e de alcance nacional, que resultou na publicação de mais de 45 artigos em cerca de 30 veículos de comunicação impressos e digitais. Entre esses, Ana Flávia Magalhães Pinto e Itan Cruz publicaram no UOL o artigo "Por que a história do Brasil 'escolheu' esquecer trajetórias negras?", dando início à construção desta coluna fixa, com identidade própria e perfil inédito no portal de notícias.
Afirmamos, nesse percurso, as presenças históricas de homens, mulheres e crianças, negros, negras e indígenas que tensionaram a história não apenas do Brasil, mas também da América, de África e de outros espaços do mundo. Estamos em constante articulação com as nossas histórias, em que os marcadores de raça, gênero, condição social, sexualidade e tantos outros não passam despercebidos. Numa rápida olhada nos artigos já publicados, é fácil notar nossas preocupações, nossos compromissos e princípios. Esperamos que a coluna "Presença Histórica" se consolide como mais um lugar de insurgência historiográfica e política.
As palavras de Oliveira Silveira, que nos serviram de mote para abrir este texto de estreia, também nos servem como desfecho a apontar caminhos de futuro. A nosso modo, somos "lança-caneta" a escrever "liberdade no céu, riachos, palmeiras e montanhas" e espalhar "no ar uma aura boa".
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