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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Comissão da OAB-BA quer suspensão de bloco por violência contra mulheres

Associados do bloco As Muquiranas com suas armas ameaçadoras - Reprodução Redes Sociais
Associados do bloco As Muquiranas com suas armas ameaçadoras Imagem: Reprodução Redes Sociais

Colunista do UOL

25/02/2023 04h00

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Diante da série de denúncias de assédio e violência contra as mulheres durante o desfile do bloco As Muquiranas, no Carnaval de Salvador, a Comissão de Proteção aos Direitos das Mulheres da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), seção Bahia, sugere a suspensão, por um ano, da agremiação exclusivamente masculina, criada em 1965.

Em entrevista à imprensa local, a presidente da comissão, Renata Deiró, disse que o tempo fora da festa seria útil para a entidade refletir e discutir com os associados as práticas que evidenciam a "masculinidade tóxica" —comportamento fruto da agressividade e do machismo repetido por homens, principalmente quando em grupos.

Seria divertido se fosse apenas entre eles

Não é de hoje que as mulheres que participam do Carnaval de Salvador reclamam dos excessos cometidos pelos associados do bloco As Muquiranas.

Vestidos com fantasias femininas e animados por grupos de pagode, eles desfilam pelo Centro da cidade, perturbando quem quer e quem não quer fazer parte da zombaria. É justamente nesse ponto, do desrespeito a quem não quer interagir com eles, que os abusos deixam de ser brincadeira para se tornarem agressões aos direitos das mulheres.

Além das cantadas obscenas, dos puxões de cabelo e tentativas de beijos forçados, nos últimos anos passou a fazer parte da indumentária do bloco uma grande ameaça à livre circulação das foliãs no Carnaval: armas plásticas, apelidadas pelo grupo de "pistolas do amor', que disparam jatos d'água.

Muquiranas e suas armas ameaçadoras - Valter Pontes/Prefeitura de Salvador - Valter Pontes/Prefeitura de Salvador
8.fev.2016 - Inspirados pelo hit do Carnaval, "Paredão Metralhadora", da banda Vingadora, homens acompanham As Muquiranas com metralhadoras de brinquedo
Imagem: Valter Pontes/Prefeitura de Salvador

Com o passar dos anos, as armas foram aumentando a capacidade de armazenamento de água e de força dos jatos. No improviso das ruas, elas são abastecidas com a água gelada dos isopores de cerveja ou de outras origens menos higiênicas.

O alvo são preferencialmente as mulheres, de todas as idades, inclusive aquelas que estão no circuito do Carnaval de passagem, a trabalho —ou que simplesmente não querem ser molhadas. Nenhuma é poupada. Ao contrário, se demonstrarem insatisfação a sanha agressiva é ainda mais estimulada.

Nas redes sociais, há muitos relatos de experiências constrangedoras de vítimas atacadas por foliões do bloco. Muitas mulheres contam que tiveram suas roupas encharcadas até que ficassem transparentes, especialmente na região dos seios, nádegas e órgão genital. A vergonha causada gerou traumas de gente que tem dificuldade de voltar à folia só de imaginar encontrar com o grupo.

Um vídeo deste ano mostra uma mulher sendo atacada, sem conseguir sair de uma roda formada pelos associados com suas pistolas ameaçadoras.

Diversas organizações de mulheres cobraram posicionamento por parte da direção do bloco, que condenou a violência e se colocou à disposição dos órgãos públicos para identificar os agressores. O presidente do bloco, Washington Paganelli, que é vice-presidente do Conselho Municipal do Carnaval, informou que a entidade não tem poder para punir os foliões que cometem erros e nem impedir o uso das pistolas no desfile.

Por meio de ofício encaminhado à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher, o Ministério Público da Bahia pediu que a Polícia Civil investigue o caso de agressão promovido pelos associados das Muquiranas e registrado em vídeo.

As denúncias que circulam nas redes também envolvem depredação do patrimônio público, já que é costume de certos foliões do bloco subirem em marquises, pontos de ônibus e escalarem prédios do circuito para as performances recheadas de obscenidades.

Há inclusive atrito com os próprios artistas que comandam o trio que anima o desfile. Cantores como Léo Santana, Xanddy, Márcio Victor e outras atrações das Muquiranas já tiveram que se voltar contra os excessos dos foliões, que insistiam em atirar jatos d'água na direção dos instrumentos musicais e dos equipamentos de som.

O que era brincadeira passou dos limites

O bloco As Muquiranas, com mais de cinco décadas, já foi um dos mais divertidos do Carnaval de Salvador. No auge do chamado Axé Music, quando a maior força do Carnaval eram os blocos de trio com suas cordas separatistas, As Muquiranas concentrava a população local, sem muitos apelos ao elitismo de outras agremiações que se tornaram redutos de turistas. Inclusive se mantiveram no circuito mais tradicional, no centro de Salvador, quando o movimento dos demais blocos foi de ocupar o circuito Barra-Ondina, na Orla da cidade.

Os desfiles chamavam atenção pela irreverência e inversão de papéis, características da Folia de Momo. Para as crianças era uma farra ver aqueles marmanjos em ridículos trajes, com exagero de trejeitos e maquiagem.

Nos dias atuais, há todo um questionamento sobre homens se fantasiarem de mulher para curtir o Carnaval, ainda mais quando incluem o erotismo e a hipersexualização dos corpos como parte da performance feminina. Na luta por respeito, as mulheres não querem ser objetificadas como fantasia para o humor masculino. Na mesma direção, os negros condenam o blackface e representantes dos povos indígenas não aceitam que elementos da sua cultura se tornem fantasia carnavalesca ou apropriação cultural para o desfrute da sociedade racista.

Roda de Muquiranas agridem mulher no Carnaval - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
2023: Mulher foi empurrada e assediada no bloco As Muquiranas, em Salvador
Imagem: Reprodução/Twitter

As pistolas dos muquiranas substituíram o excesso de simulações de falos que caracterizavam algumas fantasias. Mesmo travestidos de mulher, havia um fetiche pela exposição do órgão masculino. Além disso, a arma representa o poder sobre os corpos das foliãs que curtem a festa e estabelecem o domínio sobre os espaços, dando aos muquiranas o comando da cidade. Nada mais machista e patriarcal.

É contra essa mentalidade retrógrada que a luta das mulheres se levanta. A sociedade tem proporcionado debates que ajudam a construir um mundo de respeito e igualdade que não combina com a manutenção de um passado de opressões. Tradições se reinventam para atender às necessidades do hoje.

É urgente que a agremiação encontre formas de deter esse ímpeto violento dos associados, que os órgãos públicos possam punir os agressores e que toda sociedade, principalmente os homens, eliminem de vez essas práticas machistas e violentas, disfarçadas de Carnaval.

Machismo não é diversão.