Andreza Matais

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Reportagem

Manual da Voepass impede comissários de registrarem falhas nas aeronaves

A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) identificou, há um mês, problemas nos procedimentos adotados pela VoePass para o reporte de falhas de manutenção em voos operados pela empresa.

Uma inspeção do órgão regulador observou que a companhia proíbe comissários de reportarem diretamente problemas associados à manutenção das suas aeronaves. Em vez disso, as falhas devem ser relatadas aos pilotos para eventual inserção em relatório técnico.

A Anac entende que essa política desencoraja o relato de problemas técnicos nas aeronaves operadas pela companhia e solicita que a empresa revise a orientação.

"Considerando a cultura de hierarquia na aviação, provavelmente desencorajaria comissários a fazerem esses registros", afirma o coordenador de Certificação em Aeronavegabilidade da Anac, Antonio de Quadros Andrade Júnior, em documento ao qual a coluna teve acesso.

A inspeção da Anac foi feita na Regional Linhas Aéreas, que é uma empresa da VoePass ainda em processo de certificação. O manual, contudo, é o mesmo da VoePass, como indicado no documento da agência, com diversas menções à própria VoePass em trechos do manual. O documento foi assinado em 18 de julho.

Procurada, a VoePass afirmou que "não tem em seu manual nenhum tipo de veto à comunicação de eventuais problemas em suas aeronaves por parte da tripulação."

Para complementar: "Reforça também que segue as melhores práticas do setor, tendo um Departamento exclusivo para a gestão da Segurança Operacional, que também é responsável por instituir procedimentos de comunicação que asseguram canais de fácil acesso para reportes de toda e qualquer situação que alguém da companhia, inclusive a tripulação, considere um risco para a operação."

A companhia afirmou, ainda, que "todos os seus manuais e procedimentos são revisados e aprovados pela autoridade aeronáutica, em linha com os padrões determinados pelo fabricante das aeronaves e certificados por órgãos internacionais."

No dia 9 de agosto, um avião da VoePass caiu em Vinhedo (SP), na rota Cascavel-Guarulhos. No acidente, 62 pessoas morreram.

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Como noticiado, a mesma aeronave já havia apresentado problemas de manutenção ao longo do ano passado, com problemas associados ao sistema de degelo.

Esse trecho é operado desde junho pela empresa em um acordo com a Latam, que comercializa as passagens aéreas da rota.

Desde fevereiro de 2022, as duas empresas firmaram um acordo de codeshare, que significa oferecerem rotas compartilhadas. Um trecho é feito pela Latam e a outra perna da viagem pela VoePass em algumas rotas.

O acordo entre as duas aéreas inclui opção de compra pela Latam da Voepass. A Voepass não se manifestou se há negociações nesse sentido em curso.

No documento do acordo, constam 117 rotas nas quais a Latam consta como "companhia comercializadora" e a VoePass como "companhia operadora". Entre elas, está a rota Cascavel-Guarulhos.

Os aviões da VoePass somente começaram a fazer essa rota a partir de 2 de junho, segundo registros da Anac sobre pousos e aterrissagens no Aeroporto Internacional de Guarulhos.

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Sobre o acordo, a Latam afirma que "acordos comerciais de codeshare (código compartilhado) são frequentes na aviação brasileira e mundial. Atualmente, a LATAM mantém acordos de codeshare com empresas aéreas de todo o mundo, inclusive com a Voepass".

Segundo a Latam, "a empresa operadora do voo é quem responde por toda a gestão técnica e operacional, incluindo o atendimento aos passageiros nos aeroportos, o próprio voo e as suas eventuais contingências".

O que diz o relatório da Anac:

"Sempre que as comissárias(os) tiverem reportes para a manutenção, deverão solicitar ao comandante da aeronave a inclusão dos reportes no TLB da aeronave", indicando que não haverá um relatório técnico exclusivo para comissárias reportarem problemas técnicos da aeronave, mas que na verdade as observações delas teriam que ser inseridas pelos pilotos, no TLB. Considerando a cultura de hierarquia na aviação (entre outros fatores humanos), na prática do dia-a-dia provavelmente desencorajaria as comissárias a fazerem esses registros. Solicitamos esclarecer o procedimento e revisar conforme necessário, considerando aspectos como a cultura de hierarquia na aviação (entre outros fatores humanos), o que na prática do dia-a-dia, pode desencorajar as comissárias a fazerem tais reportes."

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