Prefeito do PSOL mantém 662 assessores em seu gabinete em Belém
Único prefeito do PSOL em uma capital do país, Edmilson Rodrigues mantém 662 assessores vinculados ao seu gabinete.
Do total, 610 não prestaram concurso público. Trata-se de contratações de caráter político.
Candidato à reeleição, Edmilson e Guilherme Boulos, que concorre por São Paulo, são as apostas do partido na disputa deste ano.
Dados aos quais a coluna teve acesso mostram que foi na gestão de Edmilson que os gastos com cargos políticos vinculados ao gabinete explodiram.
O antecessor dele desembolsou R$ 1,8 milhão de janeiro a abril de 2020, seu último ano de governo. Com Edmilson, o valor saltou para R$ 8,5 milhões no mesmo período deste ano, conforme os últimos dados disponíveis.
Cruzamento feito pelo pesquisador Sérgio Praça, professor da Escola de Ciências Sociais da FGV, mostra que 163 dos funcionários comissionados são filiados ao PSOL. Do PT, partido do vice-prefeito Edilson Moura, são 24 pessoas.
Os números que indicam uso da máquina para fins eleitorais e partidários são muito significativos. Nunca vi algo nessa proporção. O fato é que a esquerda é tão clientelista quanto partidos do centrão. Erra quem pensa que esse uso extensivo, possivelmente irregular e ilegal, de cargos de confiança é coisa dos parlamentares de 'baixo clero.
Sérgio Praça, professor da FGV
No papel e no discurso da bancada no Congresso, o PSOL é contra a privatização e critica o inchaço da máquina pública.
No entanto, seu único prefeito a governar uma capital adotou práticas que não diferem da política tradicional.
Rodrigues levou para seu governo representantes de duas correntes do PSOL — a Primavera Socialista, a qual integra, e a Revolução Solidária, de Guilherme Boulos.
As secretarias são divididas entre PSOL, PT, PCdoB, PV e PDT — apenas partidos de esquerda.
A gestão é marcada pela baixa popularidade, por denúncias de superfaturamento, greves e pelo inchaço da máquina pública.
A presidente do PSOL, Paula Coradi, diz que o governador Helder Barbalho (MDB-PA) prejudica a gestão de Edmilson, que o governo Bolsonaro "não mandou R$ 1 para Belém" e que o prefeito "enfrentou a máfia do lixo".
O governador tenta eleger o deputado estadual Igor Normando (MDB), que lidera as pesquisas com 33% das intenções de voto, segundo levantamento da Real Big Data (6 a 7/9).
Edmilson aparece em terceiro lugar, com 10%. O segundo colocado é o Delegado Éder Mauro (PL), que tem o apoio de Jair Bolsonaro (PL), e 22% das intenções de voto.
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Greves, PPP e piso salarial abaixo do nacional
Em Brasília, o PSOL defende implementar o piso nacional do magistério. Mas, na sua oportunidade de fazê-lo em uma capital, não o fez.
Um professor municipal recebe de salário inicial em Belém R$ 2.900, enquanto que o piso nacional é de R$ 4.580.
Edmilson enfrentou cinco grandes greves na sua gestão que reivindicaram melhoria nos salários de várias categorias. Reagiu a todas elas.
O prefeito teria montado um grupo que faz sua segurança particular apelidado pela imprensa local de "milícia cabana", uma referência à revolta popular, que intimidaria seus críticos.
Colega de partido do prefeito, a vereadora Silvia Letícia diz que Edmilson traiu as bandeiras do PSOL e que ela foi retaliada por criticá-lo. A vereadora recebeu oito vezes menos recursos do fundo eleitoral do que outros colegas para sua campanha à reeleição (até agora, o PSOL repassou a ela R$ 30 mil) e não pode participar do horário eleitoral.
A gente elegeu um prefeito para defender direitos e não privilégios. A expectativa era muito alta, mas é frustrante. Metade do funcionalismo ganha abaixo do mínimo nacional. Ele não nomeou todos os concursados.
Silvia Letícia, vereadora pelo PSOL em Belém
Edmilson também fez uma PPP (Parceria Público Privada), política à qual o PSOL se opõe nacionalmente por entender que é repassar para a iniciativa privada recursos públicos.
O prefeito firmou um contrato de R$ 11,7 bilhões com uma empresa de lixo pelos próximos 30 anos. O acordo não prevê prazo para a construção de um aterro sanitário. Na cidade que irá receber a COP-30 (reunião dos líderes mundiais para discutir o clima), o lixo segue descartado sem qualquer cuidado.
Mais recentemente, o prefeito comprou cinco ônibus elétricos para a cidade. O MP-PA (Ministério Público do Pará) apontou sobrepreço de R$ 4 milhões e descobriu que a compra foi feita sem qualquer planejamento — não há sequer estação para carregar as baterias.
Após acordo, a circulação dos veículos foi liberada mediante a reparação dos problemas apontados, mas sem ter como carregar os ônibus seguem parados.
'Mandato a serviço do partido'
O estatuto do PSOL obriga os prefeitos eleitos pelo partido a colocarem seus mandatos "a serviço do programa partidário".
Pelo que está no documento, se eleito, Boulos também teria que submeter todas as suas decisões ao PSOL.
Entre outras medidas, o programa partidário do PSOL defende:
- Ocupações de terra de prédios públicos e bloqueio de estradas como único caminho para camponeses e trabalhadores conseguirem avanço;
- Controle sobre a produção das grandes empresas;
- Expropriação das grandes fazendas, sejam elas produtivas ou não;
- Estatização das empresas privatizadas;
- Expropriação dos grandes grupos monopólicos capitalistas;
- Fim das benesses tributárias para grandes corporações multinacionais;
- Enfrentamento revolucionário contra a ordem capitalista estabelecida.
A presidente da sigla, Paula Coradi, disse ao UOL que, apesar do que está escrito, a regra vale apenas para os cargos no legislativo.
A experiência em Belém mostrou que ela está correta. Segundo psolistas com quem a coluna conversou, o prefeito não cumpre o programa partidário.
Conforme Coradi, essa regra do estatuto já foi aplicada uma vez. O então deputado federal Cabo Daciolo (RJ) foi expulso em 2015 após insistir em apresentar uma emenda alterando o artigo primeiro da Constituição Federal. Ele queria trocar a frase "todo poder emana do povo" para "todo poder emana de Deus".
"Nos cargos executivos, não tem como impor nossa visão de mundo. O estatuto do PSOL não está acima do programa de governo apresentado na campanha", disse ela, que foi eleita presidente do PSOL com o apoio de Boulos.
Coradi afirma que nenhum filiado irá questionar o cumprimento da regra escrita nesses casos. "Eu sou presidente do partido e posso dizer que não será." Quem contesta o comando da sigla costuma ser punido.
Boulos não comenta; prefeito nega informações
A assessoria de Boulos não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre o estatuto do seu partido.
A prefeitura de Belém foi procurada quatro vezes antes da publicação e se recusou a comentar. Horas após a reportagem ser publicada, enviou uma nota.
Na resposta, afirma que "o contrato firmado com a empresa Ciclus Amazônia para a gestão de resíduos sólidos estabelece a construção de um Centro Bioenergético de Tratamento de Resíduos, que terá capacidade para receber mais de duas mil e quinhentas toneladas de materiais por dia". O contrato, contudo, é de 30 anos e não estabelece prazo para isso. Ou seja, a empresa pode fazer o aterro daqui a 29 anos.
A nota também afirma que "não houve sobrepreço" na compra dos ônibus elétricos e alega que só poderia fazer a instalação dos carregadores após o TCM (Tribunal de Contas do Município) revogar a medida cautelar que impediu a circulação.
A prefeitura, porém, assinou um termo de compromisso com o TCM na qual se compromete a restituir os cofres públicos R$ 3,8 milhões referentes aos problemas identificados em forma de serviço.
Sobre o número de cargos políticos, a nota afirma que os assessores estão "apenas do ponto de vista organizacional atrelados à unidade gestora do Gabinete do Prefeito". Diz também que "não utiliza a filiação partidária como critério de seleção de seus quadros".
A prefeitura informa que paga R$ 1.043,76 (valor abaixo do mínimo) para 33,20% dos seus servidores, referentes a 11.247 servidores.
"Os servidores públicos municipais que estavam com vencimento-base abaixo do salário-mínimo tiveram recomposição de 15,03%, em 2022; de 5,79%, em 2023; e de 3,71%, em 2024. Ninguém na Prefeitura de Belém ganha abaixo do mínimo", afirma.
Sobre o salário dos professores, a prefeitura diz que "os que ingressam hoje na categoria de Professor Licenciado Pleno, têm sua remuneração inicial de R$ 5.129,15 (100h/a) e R$ 8.769,20 (200h/a)".
O Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública do Pará contesta as informações.
Diz que os reajustes mencionados só foram concedidos após greves e que "o prefeito segue devendo o piso salarial do magistério aos professores e o realinhamento do salário ao mínimo nacional dos servidores não docentes". Contracheques enviados ao UOL mostram que o salário base é de R$ 2.331,43 a, no máximo, R$ 3.008,33 bruto.
"O funcionalismo mostrou que a luta é necessária e enfrentou a intransigência do prefeito, marcada inclusive com a ameaça de uso da força policial contra o comando de greve e as categorias em luta", informou o sindicato em maio.
A nota da prefeitura diz ainda que é "fakenews" a informação "que tem sido repetida, sem a apresentação de quaisquer provas ou evidências" de queo prefeito montou um grupo para fazer a sua defesa e que foi apelidado em Belém de "milícia cabana".
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