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Até Bolsonaro acha que Guedes exagerou: "Não podemos fazer isso aí"

O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante solenidade no Palácio do Planalto - Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante solenidade no Palácio do Planalto Imagem: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

26/08/2020 14h33Atualizada em 27/08/2020 00h09

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"É... Acho que eu exagerei...", comentou Sergio Cabral ao voltar para a cela depois de ser condenado pela enésima vez a mais de 200 anos de cadeia.

Paulo Guedes poderia repetir a mesma frase, depois de ouvir o discurso do presidente Jair Bolsonaro hoje, em Ipatinga (MG), em que descartou o projeto Renda Brasil da forma como foi apresentado pela equipe econômica.

"Ontem discutimos a possível proposta do Renda Brasil. E eu falei: está suspenso. Vamos voltar a conversar (...) Não posso tirar de pobres para dar a paupérrimos. Não podemos fazer isso aí", queixou-se o presidente.

A caixa de mágicas de Guedes parece não enganar mais ninguém. Nem o presidente.

O truque consistia em mudar o nome e arrumar um novo figurino para o Bolsa Família, programa criado pelo ex-presidente Lula em 2009, para tornar permanente o auxílio emergencial da pandemia que alavancou a popularidade do presidente.

Bolsonaro queria aumentar o auxílio, que atualmente é de R$ 190, para R$ 300 por mês e aumentar o número de beneficiados, mas como não há dinheiro no cofre, Paulo Guedes teve a brilhante ideia de reformular ou extinguir outros benefícios na área social, como o abono salarial, a Farmácia Popular e o seguro-defeso, para abastecer o novo programa.

Além disso, Guedes quer ressuscitar a CPMF e cortar deduções de saúde e educação do Imposto de Renda.

Ou Guedes não sabe fazer contas ou acha que todo mundo é bobo, e o Congresso iria cair na conversa dele.

O monstrengo assustou até o fiel Centrão, que fez chegar até o presidente o mal-estar causado entre os aliados.

Renda Brasil seria a cereja do bolo do Pró-Brasil, o pacote de medidas sociais do governo a ser usado por Bolsonaro na campanha pela reeleição, mas as divergências entre o presidente e o ministro frustraram a iniciativa.

Quem se deu bem foi o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que apresentou o novo Minha Casa Minha Vida dos governos petistas, rebatizado de Casa Verde e Amarela, com condições especiais de financiamento para as regiões Norte e Nordeste, que se tornaram prioritárias na campanha de Bolsonaro.

Contrariado, Paulo Guedes, que quer ver seu ex-assessor Rogério Marinho pelas costas, nem foi à cerimônia de assinatura da medida provisória que instituiu o programa na terça-feira e já foi enviada para o Congresso.

A principal mudança é a redução da taxa mínima de juros, atualmente de 4,75%, para 4,25% nas duas regiões.

Curioso é que o Casa Verde e Amarela prevê atender 1,6 milhão de famílias de baixa renda com o financiamento habitacional até 2024 (dois anos depois do final do mandato de Bolsonaro).

Com apenas 20 meses de governo, tudo agora no Palácio do Planalto está voltado para a campanha eleitoral, no embalo dos bons índices do presidente nas pesquisas.

Isso está deixando o ministro da Economia com seu Posto Ipiranga desabastecido, cada vez mais isolado no governo, agora criticado em público por Bolsonaro e enfrentando a turma do general Braga Netto, chefe da Casa Civil, aliado a Rogério Marinho, para tocar as obras do Pró-Brasil.

Uma das fórmulas encontradas é redirecionar para obras cerca de R$ 10 bilhões que eram destinados ao combate à covid-19 e que ainda não foram utilizados.

Sai a austeridade fiscal, assim como aconteceu com Sergio Moro e seu combate à corrupção, e volta o desenvolvimentismo, com novos nomes para o projeto reeleitoral que poderia ser chamado de "me engana que eu gosto".

Enquanto se fala em milhões e bilhões como se fosse troco no Palácio do Planalto, na vida real a pandemia continua matando muita gente todo dia, com um general interino no Ministério da Saúde, sem prazo para sair, e outro encarregado de apagar o fogo na Amazônia, sem sair de Brasília, onde atua como ombudsman do governo.

Vida que segue.