Só se fala na reforma ministerial Viúva Porcina, que foi sem nunca ter sido

Contam que ao montar seu secretariado em Minas, nos anos 80 do século passado, o governador eleito Tancredo Neves foi insistentemente cobrado por um pretendente, que dizia já não saber mais o que responder à imprensa. Foi convidado ou não? Sem também não saber mais o que fazer para dispensar o chato, Tancredo, mais mineiro do que nunca, saiu-se com essa:
"Se a imprensa te perguntar, diga que você foi convidado, sim, mas, infelizmente, não pode aceitar no momento o meu convite porque tem outros compromissos".
O cara nunca mais apareceu. Lula poderia adotar agora a mesma tática com o Centrão, que tem uma fila interminável de candidatos ao ministério.
Desde que a Câmara aprovou a reforma tributária, após um longo parto e bilhões em emendas parlamentares, com sua frágil base governista, que não era tão aliada assim, Lula 3 começou a discutir mudanças no ministério para atrair novos partidos do Centrão.
No começo, o União Brasil, que já faz parte da base e tem três ministérios, mas não costuma votar com o governo, queria apenas colocar um novo nome no Turismo, após a demissão de Daniela Camargo, que tinha mudado de partido.
Uma vez aberta a porteira, o União queria mais e esticou os olhos para o Ministério do Esporte, também cobiçado pelo Republicanos, mas Lula já avisou à ministra Ana Moser: "Fica tranquila, você fica".
O PP, de Arthur Lira e Ciro Nogueira, foi mais guloso e mirou logo no MInistério da Saúde, onde já reinou, um dos maiores orçamentos da Esplanada. Em evento no Palácio do Planalto, Lula já disse que a ministra Nísia Trindade, é "introcável". Como ficamos, então?
Com o Judiciário e o Legislativo em recesso de inverno (no verão, tem outro), sem as CPIs em funcionamento, e a escassez de outros assuntos mais quentes, o noticiário da última semana se concentrou na reforma ministerial que não houve (entrou apenas Celso Sabino, do UnIão, no Turismo), atiçando cobiças de partidos e personagens como aquele que queria ser nomeado pela imprensa secretário de governo de Tancredo Neves. De concreto mesmo, até o momento, não tem nada de reforma.
Lula vai empurrando com a barriga, até a próxima votação importante no Congresso, quando começa tudo de novo.
As especulações se concentram agora no segundo escalão, trazendo à tona orçamentos gordos de siglas como a Funasa, o Fundeb, a Codevasf e outros tradicionais sangradouros de recursos públicos fora de controle.
Como não temos nenhum vulto nacional à vista, que seria um ministeriável inquestionável, as trocas ministeriais, se acontecerem, serão de seis por meia dúzia, o que não fará a Bolsa subir, nem o dólar cair, mas pode, finalmente, oferecer ao governo uma "governabilidade" mais sólida. É disso que se trata.
A corrida por uma vaga num dos 37 ministérios da Esplanada não tem nada a ver com competência técnica e possibilidade para implantar programas que possam melhorar e agilizar a administração pública.
Trata-se, simplesmente, do poder pelo poder _ poder mandar emendas do antigo orçamento secreto para os currais eleitorais (um baú de R$ 9 bilhões), poder nomear os apaniguados, poder demonstrar força em seus estados de origem, poder ter acesso franqueado aos ministros que realmente decidem o destino de verbas e de cargos.
Basta pegar como exemplo o interesse do Republicanos pelo Ministério dos Esportes, um reduto sempre cobiçado pelo partido ligado à Igreja Universal, nos três níveis de poder. Com orçamento pequeno, o Esporte é importante porque, assim como as igrejas, tem pequenas ações pulverizadas por todas as regiões do país, o que facilita arrumar boquinhas públicas para os fiéis de pouca formação técnica.
Desde a Constituinte, sai governo, entra governo, e o Centrão sempre está lá numa boa, criando dificuldades para vender facilidades.
De qualquer forma, ainda é melhor falar da reforma ministerial que não houve, lembrando a Viúva Porcina, aquela que foi sem nunca ter sido, distraindo a distinta plateia, do que de ameaças cotidianas ao regime democrático e às autoridades da Justiça, que ainda não acabaram, como vimos com o ataque ao ministro Alexandre de Moraes e família, neste fim de semana, no aeroporto de Roma. Eles não aprendem, não perdoam e não desistem.
Respiramos novos ares, sim, mas todo cuidado ainda é pouco.
Vida que segue.
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