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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Com guerra, agência Sputnik Brasil vive 'regime de urgência' e ciberataques

Alexandr Kryazhev/Sputnik
Imagem: Alexandr Kryazhev/Sputnik

Colunista do UOL

10/03/2022 04h00

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Email inválido

Aos sete anos de vida, o site Sputnik Brasil enfrenta um momento inédito. Censurado em vários países e plataformas na Europa, a agência de notícias ligada ao estado russo tem sofrido uma rotina ataques cibernéticos em sua versão nacional. As ofensivas a versão brasileira fora do ar, e afetaram não só seus conteúdos sobre a guerra, mas também os jornalistas da equipe —a redação aqui é inteiramente composta por brasileiros.

Em meio à turbulência gerada pela invasão da Rússia à Ucrânia, a agência conta ao UOL que está vivendo em "regime de urgência" há duas semanas para dar conta da cobertura dos conflitos —e driblar os ataques.

No Brasil, o site da Sputnik foi lançado em 14 de fevereiro de 2015 e tem uma redação no Rio de Janeiro. O grupo disse "não ver motivos para informar" o número de jornalistas, nem enviou fotos da redação para ilustrar a reportagem.

A pauta não se restringe a assuntos russos. A produção engloba temas brasileiros e de outros países sul-americanos. Se pudéssemos comparar, seria como a Agência Brasil (integrante da EBC, Empresa Brasileira de Comunicação), mas com repertório que vai além do próprio país.

Mas quando o assunto é cobertura da guerra, o site segue a cartilha russa de que se trata de "operação especial".

O dia a dia da agência no Brasil, claro, mudou. "Neste momento, assim como a maior parte dos veículos, trabalhamos em regime de urgência, dada a situação geopolítica", diz a empresa em nota enviada por email.

"No nosso caso, a urgência é ainda maior, uma vez que a agência vem sofrendo uma série de restrições e tentativas de censura por parte de governos e empresas privadas. Além disso, também temos lidado com muitos ataques cibernéticos aos nossos sistemas", diz o texto, citando o quadro como "preocupante e um atentado à liberdade de imprensa".

Página inicial da versão brasileira da Sputnik - Carlos Madeiro - Carlos Madeiro
Página inicial da versão brasileira da Sputnik
Imagem: Carlos Madeiro

Fora do ar

Durante os últimos dias, a Sputnik Brasil ficou fora do ar por alguns instantes. Segundo informou à coluna, isso ocorreu por ataques do tipo DDoS (de "denial of service" ou ataques de negação de serviço massivos, que deixam sistemas indisponíveis).

"É quando um servidor é meio que 'bombardeado' por muitos acessos ao mesmo tempo e ele não suporta e faz com que o servidor caia, mas isso precisa ser um ataque orquestrado e possivelmente automatizado", afirma Raquel Saraiva, presidente do IP.rec (Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife).

Apesar de usar um método simples, o ataque é considerado sofisticado pelos recursos que mobiliza. "É necessário um conjunto grande de máquinas entrando no site ao mesmo tempo, de forma que ele fique inacessível, por ter muitas requisições ao mesmo tempo, mais que o servidor pode suportar", completa.

Ainda no texto enviado à coluna, a agência alega que a crise na Ucrânia tem sido "usada como justificativa para os ataques ao nosso trabalho".

Em meio ao que chamou de "campanha de desinformação", a União Europeia proibiu as transmissões da RT (rede de TV internacional financiada pelo governo russo) e da Sputnik nos países do bloco. Também no dia 28, Facebook, Instagram e TikTok bloquearam o acesso a várias contas que pertencem à Sputnik em diversos países europeus. No dia 1º de março, foi a vez do YouTube bloquear os canais. O Google também bloqueou notícias dos grupos.

"Lamentamos como todo mundo que a situação tenha chegado a esse ponto. Lamentamos também que uma cobertura objetiva como a nossa —sim, nós mencionamos todos os lados nas nossas matérias, o que inclui, é claro, a visão russa— esteja sendo apontada como tendenciosa por aqueles que, no nosso entender, têm feito uma leitura (e uma escrita) tendenciosa dos fatos", diz a Sputinik Brasil.

No Brasil, a agência segue no ar sem restrições. No Twitter, tem a etiqueta "Russia state-affiliated media" (Mídia afiliada ao estado da Rússia). A marcação ocorreu em todo o mundo e foi uma resposta às acusações de espalhar desinformação sobre a invasão da Ucrânia.

Página no Twitter traz etiqueta de mídia estatal russa   - Reprodução - Reprodução
Página no Twitter traz etiqueta de mídia estatal russa
Imagem: Reprodução

Em uma publicação do dia 28 de fevereiro, a agência reclamou que não apenas sua conta do Twitter, mas o perfil pessoal de alguns funcionários brasileiros começaram a exibir o rótulo de mídia estatal.

Na matéria, a presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Maria José Braga, chamou de "sanção injustificada" a decisão das empresas de rotularem jornalistas. "Embora a Sputnik seja estatal, é uma agência de jornalismo de profissionais competentes e comprometidos", disse.

Guerra não, operação especial

A coluna leu várias matérias sobre a guerra na agência e percebeu que o site segue um padrão e não trata a invasão pelo termo guerra, mas sim "operação especial da Rússia na Ucrânia".

"Entre os principais objetivos da operação estão a 'desmilitarização e desnazificação da Ucrânia' para proteger a população da região de Donbass e para prevenir um ataque contra a Rússia a partir do território da Ucrânia em meio a ações agressivas da OTAN e avanço do bloco para o leste europeu", informa um texto.

Site trata guerra como "operação especial" - Reprodução - Reprodução
Site trata guerra como "operação especial"
Imagem: Reprodução

Mas o portal aborda vários temas, inclusive política e economia brasileiras. São comuns as reportagens que falam de Jair Bolsonaro ou Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo.

"Nós falamos sobre diversos assuntos, nacionais e internacionais, e mostramos o que muitos outros preferem esconder, proporcionando uma plataforma com diversas opiniões, para que o nosso púbico possa tirar as suas próprias conclusões", afirma.

A agência ainda informou que não recebe material da Rússia, mas publica textos de outras Sputniks como fonte "sempre que julga interessante, relevante". "Da mesma forma que usamos informações da Reuters, AFP, AP e outras agências", completa. Na nota, sem citar exemplos, a Sputnik afirma que mostra "o que muitos outros preferem esconder". Afirmam também que a redação "toma decisões de maneira autônoma".