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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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TCU alertou União em 2020 de risco em atraso de obras em encostas no Recife

 Vila dos Milagres, no bairro do Ibura, após deslizamento - Rafael Vieira/Código 19/Folhapress
Vila dos Milagres, no bairro do Ibura, após deslizamento Imagem: Rafael Vieira/Código 19/Folhapress

Colunista do UOL

07/06/2022 04h00

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Após uma auditoria em 2020, o TCU (Tribunal de Contas da União) alertou o governo federal que o atraso no repasse de verbas ao projeto de contenção de encostas no Recife deixaria milhares de pessoas vivendo em áreas de alto risco. Naquela época, as obras já se arrastavam por oito anos.

O cronograma dos trabalhos havia sido estipulado em 2012, quando um termo de compromisso foi assinado entre a prefeitura do Recife e o então ministério das Cidades (hoje MDR, Ministério do Desenvolvimento Regional).

Dez anos depois da assinatura, entre o fim de maio e o início deste mês, 128 pessoas morreram na Grande Recife após uma sequência de deslizamentos de terra provocados por chuvas intensas. Na capital, só no bairro do Ibura, que seria beneficiado pelas obras, o deslizamento de uma barreira deixou ao menos 25 mortos.

O MDR afirma que das cinco etapas do projeto, uma foi concluída, uma está em andamento e três não começaram por falta de verba. Já a prefeitura diz que não toca a obra porque falta liberação do recurso.

Casas em área de risco no Jardim Monte Verde, entre Recife e Jaboatão dos Guararapes - Sérgio Cadena/Arquivo Pessoal - Sérgio Cadena/Arquivo Pessoal
Casas em área de risco no Jardim Monte Verde, entre Recife e Jaboatão dos Guararapes
Imagem: Sérgio Cadena/Arquivo Pessoal

Concebido como parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) 2 —ainda no governo da presidente Dilma Rousseff (PT)—, o projeto "Contenção de encostas em setores de alto risco em Recife" incluía áreas de maior risco mapeadas pela prefeitura, com base em aspectos geológicos, geotécnicos e vulnerabilidade social.

O plano de trabalho previa beneficiar 2.436 famílias —ou cerca de 10 mil pessoas—, que teriam "ganhos em segurança, acessibilidade e mobilidade".

O termo de compromisso previa investimentos estimados na época em R$ 150 milhões (R$ 275 milhões em valores corrigidos pelo IPCA, a inflação oficial) do governo federal e R$ 1,6 milhões (2,9 milhões em valores atualizados) da prefeitura recifense.

A obra faz parte de um programa nacional que destina verbas para execução de projetos e obras de contenção de encostas em áreas urbanas. Na quarta-feira passada, o UOL revelou que o orçamento federal para esse tipo de obra caiu de 96% ao longo de 10 anos.

O andamento das obras

Até agora, apenas uma das cinco etapas do projeto foi concluída. Uma está atrasada e outras três, por falta de verbas federais, aguardam desde 2018 autorização para começar.

As cinco etapas são divididas por 12 lotes. A única etapa concluída, finalizada em 2020, corresponde a três lotes. Com custo de R$ 18,4 milhões, segundo o MDR, corresponde a apenas 12,15% da execução física total do projeto, conforme o TCU.

Obras da primeira etapa em morro de Três Carneiros, no Recife - Relatório/TCU - Relatório/TCU
Obras da primeira etapa em morro de Três Carneiros, no Recife
Imagem: Relatório/TCU

As obras do projeto incluem:

  • Contenção de encostas com muro de arrimo
  • Estabilização de taludes
  • Escadarias
  • Pavimentação de passeios/caminhos
  • Drenagem superficial

Um dos pontos que chama a atenção no relatório do TCU é que o município estaria sendo cobrado pelo MP-PE (Ministério Público Estadual de Pernambuco) a executar as obras por se tratarem de "áreas de risco alto e muito alto", segundo o Plano Municipal de Redução de Riscos.

Entenda cada etapa

As etapas de 2 a 5 foram homologadas em 2017 pelo então Ministério das Cidades (hoje MDR), e as obras chegaram a ser licitadas. Entretanto, segundo o MDR, apenas a etapa 2 está em execução, e as demais estão aguardando verba (ver mais abaixo).

Segundo o projeto, 77 setores de risco seriam atendidos se essas quatro etapas estivessem prontas.

De acordo com os auditores do TCU, a obra não andou porque os desembolsos financeiros estabelecidos no termo de compromisso "vêm sendo reiteradamente descumpridos pelo concedente [MDR], impactando negativamente nos contratos de execução das obras firmados desde 2017 pela Autarquia de Urbanização do Recife (URB)".

A discrepância entre a previsão e o repasse de verba é tão grande que, para a etapa 2, o TCU descobriu que os contratos assinados pela prefeitura estabeleciam o prazo de 12 meses para a execução, mas o cronograma do MDR previa um repasse das verbas por um intervalo de tempo quatro vezes maior (48 meses).

O TCU alega ainda que, no inverno, é comum chuvas causarem incidentes com mortes, e que havia como reduzir riscos com as obras.

Os projetos básicos e executivos foram desenvolvidos a partir de 2012 por uma empresa contratada pela prefeitura e foram revisados em 2016 para fins de licitação.

Com o atraso dos repasses, diz o TCU, todas as etapas precisaram ser reprogramadas. À época, o TCU alegou que existiam sete contratos de obras suspensos.

No que diz respeito às etapas 3 a 5 —que representam quase 70% do objeto do termo de compromisso— o TCU reclamou que não foi constatada, no MDR, "qualquer previsão de cronograma por parte do gestor federal".

Em resposta ao TCU, à época, a prefeitura apresentou a estimativa para a conclusão da etapa 2 até 2021, e as etapas 3 a 5 até este ano. Entretanto, nenhuma delas foi ou será cumprida.

A situação de baixa execução física do objeto do Termo de Compromisso, com reduzidos recursos financeiros alocados ao empreendimento até a presente data permitiu inferir que há ausência de prioridade do gasto público em ações de prevenção de desastres.
Relatório do TCU de 2020

Na sessão do TCU em que os ministros analisaram o documento, no dia 7 de outubro de 2020, a corte aprovou os termos do relatório de auditoria e encaminhou pedido de informações e cobrança das obras à Prefeitura do Recife e ao MDR.

Sem recursos

Em resposta à coluna, o MDR informou que o termo de compromisso "encontra-se vigente" e que as etapas estão em execução pela prefeitura.

O ministério afirma que a etapa 2 está em execução, e o valor empenhado no momento é de R$ 50,6 milhões. "Vale ressaltar que o valor empenhado não garante a emissão de AIO [autorização de início de obra]. É necessário que o ente [prefeitura] execute os procedimentos, tais como realização de licitação", diz a pasta.

Sobre as etapas 3, 4 e 5, o órgão diz que aguarda a emissão autorização de início de obra de 2018. Para que elas possam começar, afirma, é "necessário reforço orçamentário". Além disso, o ministério diz que "trabalha junto ao Ministério da Economia e Congresso Nacional para garantir recursos necessários para obras prioritárias."

Mesmo diante da falta de verba, o órgão alega que o governo federal já repassou para as obras R$ 48,8 milhões. A pasta diz ainda que existe um valor desbloqueado de R$ 42,2 milhões para execução do projeto. "Portanto, ainda há saldo na conta bancária que poderá ser desbloqueado pelo ente de acordo com a execução da obra", afirma.

A Prefeitura do Recife alegou que as obras não andaram como deveriam porque faltaram recursos. Diz ainda que já tem os projetos prontos, mas não pode os executar porque não haveria verba. O município alega ainda que fez várias cobranças pela liberação do orçamento previsto para o projeto ao governo federal, sem sucesso.