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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Nordeste: líderes a governos se dizem neutros para evitar elo com Bolsonaro

Capitão Wagner, no Ceará, começou o programa de TV falando que vai dialogar com qualquer presidente  - Reprodução
Capitão Wagner, no Ceará, começou o programa de TV falando que vai dialogar com qualquer presidente Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

31/08/2022 04h00

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Candidatos que lideram as pesquisas de intenções de voto para o governo em três estados do Nordeste decidiram ignorar a disputa presidencial e, mesmo ligados ou apoiados por pessoas que apoiam Jair Bolsonaro (PL), pregam a neutralidade na corrida nacional.

Levantamentos feitos até aqui mostram que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está à frente com folga em todos os nove estados nordestinos e que a rejeição a Bolsonaro no Nordeste é a maior entre as cinco regiões do país.

Com o início das campanhas eleitorais e dos programas de rádio e TV, a estratégia de quem está na frente da disputa é manter distância do presidente. Isso ocorre com os candidatos Capitão Wagner (União Brasil), no Ceará; Valmir de Francisquinho (PL), em Sergipe; e Silvio Mendes (União Brasil), no Piauí.

"A rejeição de Bolsonaro é muito alta no Nordeste e associar imagem a um candidato com rejeição alta pode influenciar naquele voto que não é consolidado, do eleitor que pode mudar", afirma a socióloga, cientista política e professora da UECE (Universidade Estadual do Ceará) Monalisa Torres.

Justamente no Ceará, o Capitão Wagner rechaça sua ligação com Bolsonaro e quis deixar isso bem claro logo no início de seu primeiro programa na TV, na sexta-feira passada (26), quando disse que iria respeitar a decisão do eleitor cearense e que iria dialogar com qualquer candidato.

Pesquisa Ipespe no Ceará divulgada no dia 25:

  • Capitão Wagner (União Brasil) - 37%
  • Roberto Cláudio (PDT) - 25%
  • Elmano de Freitas (PT) - 20%

No Piauí, o candidato Sílvio Mendes (União Brasil) tem apoio formal do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), mas ignora completamente o presidente e também usou as redes sociais e a TV para afirmar que vai negociar com o chefe do Executivo nacional, "seja qual for o presidente".

Pesquisa Ipec no Sergipe divulgada no dia 23:

  • Silvio Mendes (União Brasil) - 38%
  • Rafael Fonteles (PT) - 23%
Silvio Mendes, no Piauí, segue o discurso de neutralidade de eleição presidencial - Reprodução - Reprodução
Sílvio Mendes, no Piauí, segue um discurso de neutralidade em relação à eleição presidencial
Imagem: Reprodução

Outro caso está em Sergipe, único estado em que um líder da corrida segundo as pesquisas é um candidato do PL: Valmir de Francisquinho. Apesar de estar no partido, não há qualquer menção a Bolsonaro em programas de rádio, TV ou redes sociais. Em linha oposta à do presidente, ele tem postado defesas ao diálogo e ações a quilombolas e sindicatos, por exemplo.

Porém, ele pode acabar de fora da disputa, já que foi condenado pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) e pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por abuso de poder político e teve os direitos políticos suspensos por oito anos.

Na segunda-feira (29), o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, negou o pedido de sua defesa e manteve a inelegibilidade. Seus advogados ainda recorrem e prometem ir até o STF (Supremo Tribunal Federal) para derrubar a condenação, que foi feita pela associação da cor azul à candidatura do seu filho a deputado estadual em 2018.

Pesquisa Ipec em Sergipe divulgada no dia 25:

  • Valmir de Francisquinho (PL) - 29%
  • Fábio (PSD) - 16%
  • Rogério Carvalho (PT) - 12%
  • Delegado Alessandro (PSDB) - 9%
Valmir de Francisquinho: campanha sem Bolsonaro - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Valmir de Francisquinho: campanha sem Bolsonaro
Imagem: Reprodução/Facebook

Lula é mostrado com orgulho

No outro lado das campanhas, os concorrentes correm para se escorar na imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nos três estados onde estão atrás dos políticos neutros, os petistas têm usado e abusado da imagem de Lula.

Elmano de Freitas (PT), no Ceará, abriu seu programa usando a imagem de Lula e pedindo votos para ele. O mesmo fizeram Rogério Carvalho (PT-SE) e Rafael Fonteles (PT-PI).

No caso de Piauí e Ceará, os petistas têm outros trunfos nos seus estados: os ex-governadores Wellington Dias e Camilo Santana, respectivamente, que deixaram seus cargos neste ano para concorrer ao Senado. Ambos lideram as intenções de voto com certa folga e ajudam a angariar eleitores para as chapas.

Para Monalisa Torres, é normal que os candidatos rivais atrás nas pesquisas usem cada vez mais a ligação com Bolsonaro para atacar o líder na corrida no Nordeste.

"A gente pode esperar um processo de nacionalização [nas campanhas ao governo] para tentar mexer com esse voto não consolidado. Como o apoio de Bolsonaro pesa negativamente, ele pode puxar o candidato para baixo. Em um cenário de disputa competitiva, como a gente está vendo no Ceará, essa diferença pode pesar", comenta.

No Ceará, inserções de TV já trouxeram essa relação com o presidente, por exemplo. O presidenciável Ciro Gomes (PDT) classifica o Capitão Wagner como uma "ameaça" ao Ceará e afirmou, em convenção do PDT no dia 27 de julho, que ele é um "bolsonarista cuja única obra foi ter as mãos sujas de sangue liderando um motim". Ele ficou conhecido nacionalmente durante uma greve de policiais no estado.

No caso de Wagner, Monalisa Torres diz que a neutralidade do candidato já foi usada em 2020, na eleição para a Prefeitura de Fortaleza, quando ele chegou ao segundo turno, mas perdeu para Sarto (PDT).

"Ele tenta manter a neutralidade e assim se blindar da possível associação que possam vir a fazer dele. Até mesmo em algumas pautas, como a pregação do respeito ao resultado das urnas eletrônicas, ele se distancia", diz ela, citando que a estratégia irritou os políticos bolsonaristas mais fanáticos.

"Houve uma crítica muito pesada, uma pressão grande para que o Wagner assumisse esse lugar da candidatura do Bolsonaro porque, no caso do Ceará, o Bolsonaro precisa muito mais do Wagner do que o contrário", finaliza.