Carlos Madeiro

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Juiz torna trabalho obrigatório para presos do semiaberto em cidade do AM

Os presos do regime semiaberto de Humaitá (AM) vão ter de trabalhar em empresas ou órgãos públicos fora da unidade prisional como forma de cumprimento de pena. Caso não o façam, ocorrerá a regressão para o sistema fechado.

A decisão, de 20 de julho, é do juiz Diego Brum, da 1ª Vara da Comarca de Humaitá, que decidiu pelo novo formato após uma audiência pública em março.

O que aconteceu

Humaitá tem um presídio, que só recebe apenados do regime fechado. Não há colônia agrícola, industrial ou similar. E não há estabelecimento para cumprimento de penas nos regimes aberto e semiaberto.

Ao todo, 118 presos cumprem pena no regime semiaberto na cidade. Outros 15 são do regime aberto e 40 do fechado.

Hoje, os presos do semiaberto tem como única condicionante ir até o presídio assinar o livro diário. "Mas muitos faltam, somem e depois vêm explicar. Na prática eles ficam livres", afirma Brum.

Com a nova medida, empresas e órgãos públicos se comprometeram a se cadastrar no judiciário e oferecer os postos de trabalho. Os presos serão chamados à medida que as vagas forem sendo abertas - caso não haja, ele não será obrigado a trabalhar para cumprir a pena.

Preso será intimado. O apenado será informado da necessidade de trabalhar como forma de ficar no regime semiaberto.

Audiência em março que ouviu sociedade civil de Humaitá (AM)
Audiência em março que ouviu sociedade civil de Humaitá (AM) Imagem: Arquivo pessoal

Como vai funcionar

Para as vagas iniciais, a preferência será por presos com as maiores penas e que não tenham emprego formal.

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Para o reeducando do regime semiaberto, a aplicação da nova sistemática é automática, com exceção de que tenha menos de seis meses de pena a cumprir ou já esteja trabalhando em vínculo formal de emprego.

A cada três dias de trabalho, um dia da pena será diminuído. O mesmo vale para cada 12 horas de estudo. Como além de trabalhar, ele pode fazer cursos profissionalizantes, os benefícios podem ser acumulados.

A ideia é que cada empresa pague ao menos um salário mínimo, observa o juiz. Ele lembra que, pela Lei de Execuções Penais, o mínimo exigido é de ¾ de um salário mínimo.

Contratação não segue CLT. O magistrado ressalta que o ponto positivo ao empregar um reeducando é a redução dos encargos trabalhistas, já que o contrato dele não é regido pela CLT, a verba que recebe tem outra natureza.

Preso que não aceitar pode sofrer sanções. Caso o preso se negue, ele explica que vai se caracterizar descumprimento, que pode ser enquadrada como falta grave. "Aí ele fica sujeito a interrupção do prazo de progressão, perda de dias remidos e regressão de regime."

Receio de críticas

Experiência passada não deu certo. Brum conta que antes de instaurar a obrigatoriedade tentou fazer que o modelo prosperasse de forma voluntária, mas apenas uma reeducanda se prontificou a trabalhar. "Foi frustrante".

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Ele admite que ficou receoso em mudar o modelo sem consultar vários setores da sociedade por entender que a obrigatoriedade poderia gerar críticas e ações contrárias. "Há um viés muito protecionista a esse segmento", afirma.

Para seguir com a proposta, ele realizou uma audiência pública no dia que contou com 14 setores da sociedade. Segundo a ata, 11 deles se mostraram a favor da medida —Sebrae, Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e Defensoria Pública foram a favor da voluntariedade.

É evidente a vontade do povo para que haja a reformulação dos regimes aberto e semiaberto, a fim de seja imposta esta nova sistemática de trabalho para cumprimento da pena, e isso deve ser considerado pelo Poder Judiciário. Diego Brum, juiz da 1ª Vara da Comarca de Humaitá,

A maioria dos presos, diz, não tem emprego, nem renda fixa.

Brum explica que sempre desejou dar um cunho social e "um mínimo de utilidade à pena a ser cumprida." "Sem a dependência do poder público, a maneira que poderia ir adiante seria a iniciativa privada. Todos vão se dar bem no fim das contas."

Esse modelo pode trazer para eles um ponto positivo de não só receber um dinheiro, mas trazer uma ressocialização e ajudar a sociedade, empresas e órgãos públicos.

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Unidade Prisional de Humaitá (AM)
Unidade Prisional de Humaitá (AM) Imagem: TJ-AM/Divulgação

O presidente da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) de Humaitá, Euclides Dobri Júnior, diz que, no caso da região, há um choque cultural das pessoas que deixam a floresta em busca de oportunidades na cidade.

Para ele, sem qualificação e sem conseguir trabalhar, acabam não se adaptando e ficam à margem da sociedade.

Muitos dos casos de crimes aqui não são atos que ocorrem por maldade ou por crueldade. São atos de desespero! Muitos jovens que acompanhamos são pessoas boas, não são criminosos recorrentes. Por isso resolvemos participar desse processo. Euclides Dobri Júnior, presidente da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) de Humaitá.

Vista da cidade de Humaitá (AM), às margens do rio Madeiro
Vista da cidade de Humaitá (AM), às margens do rio Madeiro Imagem: Prefeitura de Humaitá (AM)

Defensoria é contra

Medida fere Constituição. A Defensoria Pública do Estado afirmou, por meio de nota à coluna, que é contra a medida porque "a Constituição Federal proíbe expressamente o trabalho forçado."

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Uma pessoa somente está obrigada a fazer algo se tiver previsão expressa na Lei —o que não seria o caso do Código Penal e da Lei de Execução Penal, lembra a Defensoria.

[A legislação] concede uma faculdade de trabalhar ao apenado, não uma obrigatoriedade. Assim, qualquer obrigatoriedade de trabalho estaria sujeita a uma necessidade prévia de uma lei emanada do Poder Legislativo. Defensoria Pública do Estado, em nota ao UOL

Juiz nega que decisão seja inconstitucional. Brum observa na sentença que o magistrado tem "competência do Juízo das Execuções penais para deliberar sobre a forma de cumprimento da pena e a adequação dos locais e estabelecimentos prisionais". O magistrado afirma ainda que, além de não dispor de local para cumprimento desse tipo de pena, a comarca não tem "estrutura e recursos humanos para fazer a fiscalização adequada das condicionantes dos regimes".

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