Carlos Madeiro

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Maceió: Igreja vira símbolo de resistência e luta por volta à área fantasma

"Estamos impedidos de entrar, mas a escritura e as chaves estão conosco. O patrimônio é nosso, não vamos negociar nada com a Braskem. Vamos resistir em nome de todos."

Com essas palavras, o pastor Wellington Santos, da Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió (AL), anuncia aos fiéis —durante culto online da última quarta-feira (20)— a luta para que o templo histórico seja reaberto. O local de orações, porém, está em uma área fantasma da cidade apontada como de alto risco pelo afundamento do solo.

O que aconteceu

Após 49 anos, a igreja foi fechada no dia 3 de dezembro, após ordem da Justiça Federal de interdição do local por causa do risco de colapso da mina 18. O templo —último imóvel fechado na área— é um símbolo de resistência e luta pelo bairro, que foi o primeiro afetado pelo afundamento causado pela mineração de sal-gema ao longo de quatro décadas.

Após a interdição, a igreja resolveu recorrer à Justiça, pedir para voltar à área e seguir com atividades na sua sede histórica. Ainda não houve decisão. A Defesa Civil de Maceió informou ao UOL que o templo já estava na área de criticidade 00 —a máxima em risco—, desde dezembro de 2020.

Como a área 00 indica necessidade de realocação, o órgão explica que, desde o início, "ela deveria ser desocupada, contudo, como alguns imóveis resistiam à saída, somente após essa ordem judicial que foi expedida há alguns dias, tiveram que obrigatoriamente sair."

Após o indício de que a mina 18 iria desabar, a Justiça determinou a saída forçada de todos os moradores e a interdição dos prédios da área, o que incluiu a igreja.

Rua abandonada após afundamento no bairro do Pinheiro, em Maceió
Rua abandonada após afundamento no bairro do Pinheiro, em Maceió Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Única na área

A igreja é uma exceção em meio a quem vivia em áreas afetadas e já deixou o entorno. Os membros decidiram ficar no bairro, onde o templo está instalado —ainda como congregação— desde 1936. Também se recusaram a abrir negociação com a Braskem.

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Nós não estamos fazendo negacionismo: temos um laudo da Defesa Civil de outubro de 2021 em que disseram que não havia necessidade de deixar a área. Não nos visitaram em 2022, não nos visitaram em 2023 e aí veio a questão da mina 18 e o argumento de que já era para termos saído porque a área toda é uma área de risco.
Wellington Santos

Além disso, o pastor diz ter um laudo de uma empresa de engenharia —de novembro de 2021— atestando a segurança da área e de toda a estrutura.

Agora ele [o engenheiro] fez outro laudo, que está anexado também na nossa petição, em que afirma não haver risco nenhum. Se a área está em risco, por que a rua segue aberta, e os carros continuam passando?
Wellington Santos

Em nota, a Braskem afirma que, desde abril de 2021, vem mantendo tratativas com a igreja para oferecer apoio à realocação.

A empresa permanece aberta ao diálogo e segue empenhada na implementação das medidas decorrentes da desocupação nos bairros, conforme determinação das autoridades, com foco na segurança das pessoas.
Braskem

História e luta viram patrimônio

O templo foi inaugurado em 1974. Há dois anos, a igreja foi tombada como patrimônio material e imaterial de Alagoas pelos seus conhecidos serviços sociais prestados.

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Conhecida por ser acolhedora com todas as minorias, a igreja chegou a ser expulsa da Convenção Batista Brasileira por decidir, em assembleia em 2016, aceitar membros declaradamente homossexuais. Desde então, avançou para celebrar batismo e casamentos de pessoas do mesmo sexo —o que, claro, também rendeu ataques da ala cristã mais fundamentalista.

Por estar em uma área já inabitada e sem iluminação pública, a igreja decidiu, ainda em 2020, suspender os cultos presenciais às noites dos domingos e tornar online os das quartas. O culto da manhã do domingo seguia presencial até novembro, mas com a interdição do templo, está sendo realizado de forma provisória no auditório do Sindicato dos Urbanitários.

Pastor Wellington Santos realizando culto online
Pastor Wellington Santos realizando culto online Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Culto na casa de fiel

O culto da última quarta-feira (20) foi transmitido do apartamento do casal Alan Leite, 51, e Katia Azevedo, 50. Ambos ex-moradores do bairro do Pinheiro e expulsos pelo problema gerado pela mineração, eles continuam membros da igreja. A coluna acompanhou a celebração, com direito a música, militância pelo bairro e vítimas da mineração.

Pastor e membros cantam durante culto online
Pastor e membros cantam durante culto online Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Katia é quem toca teclado em todos os cultos. Alan é quem tem uma história mais curiosa com a Braskem, que remonta à expulsão ainda em gerações passadas.

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Meus avós moravam no Trapiche, e tiveram de sair de suas casas entre 1982 e 1983 após um vazamento de cloro e que resultou na interdição da área ao lado da fábrica. Ele morava onde hoje é o cinturão verde [área criada no entorno da unidade para resguardar moradores].
Alan Leite

Atualmente, a igreja e suas 5 congregações têm 316 membros. "Temos um grupo de pessoas que frequentam, mas que ainda não se tornaram membros. Desta forma, eu diria que somos umas 400 pessoas", explica o pastor Wellington. Ele diz que o problema no solo afugentou muitos fiéis.

A Braskem nos prejudicou muito. Primeiro porque muitas pessoas que viviam próximas tiveram de ser deslocadas para longe. Temos também a dificuldade das pessoas virem ao culto por medo de que aconteça algo no bairro.
Wellington Santos

A maioria dos membros da igreja é formada por moradores do entorno, que saíram de suas casas por conta do problema.

Inajara dos Santos Silva, 46, deixou sua casa no Mutange, com o filho, em março de 2020. Além de membro, ela era funcionária de serviços gerais da igreja, mas com as reduções das atividades e receita, acabou sendo desligada este ano e recebe seguro desemprego.

Depois não sei o que será de mim, porque deixei currículos e sei que, na minha idade, é difícil conseguir. Mas sigo aqui porque a igreja é minha casa também.
Inajara dos Santos Silva

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Inajara dos Santos Silva, 46, e ??Ely Daniel dos Santos Silva, 22: expulsos do bairro do Mutange
Inajara dos Santos Silva, 46, e ??Ely Daniel dos Santos Silva, 22: expulsos do bairro do Mutange Imagem: Carlos Madeiro/UOL

O filho dela, Ely Daniel dos Santos Silva, 22, estuda agronomia na Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e conta que a saída do bairro causou problemas de ansiedade e estresse.

Foram 18 anos de vida lá. Sair bagunçou minha cabeça. A gente morava em uma vila de famílias, e todo mundo foi para um canto diferente. O núcleo foi dispersado, e eu nunca tinha ido ao Tabuleiro [bairro onde moram hoje, na periferia de Maceió]. No Mutange era uma vida, não era só um imóvel: eram memórias.
Ely Daniel

Em meio a tantas histórias, o pastor Wellington diz que é preciso resistir não só por quem está na igreja, mas para lutar contra todas as injustiças que o caso carrega.

Nossa concepção de igreja é de uma comunidade. Lutamos porque é o espaço das nossas histórias, dos nossos afetos. A decisão comunitária entendeu que não faremos acordo com a Braskem e vamos lutar enquanto for possível.
Wellington Santos

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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