Em novas análises, órgãos federais divergem sobre usina que ameaça internet
A instalação de uma usina de dessalinização de água na praia do Futuro, em Fortaleza, recebeu nos últimos dias dois pareceres de órgãos federais com conclusões opostas — aprovando e reprovando o projeto. Empresas de telecomunicações afirmam que a obra pode derrubar a internet em todo o país.
O que dizem os órgãos
A SPU (Secretaria de Patrimônio da União) no Ceará aprovou o local do novo projeto apresentado. A proposta inclui o aumento de 50 para 567 metros da distância dos dutos de captação e emissão de água e rejeitos dos cabos submarinos.
Já a Anatel renovou a oposição ao projeto, recomendando a construção em outro local. A agência alega que não foram apresentadas garantias de segurança aos cabos.
O local escolhido pelo governo cearense gera polêmica porque, segundo as empresas de tecnologia, fica ao lado dos 17 cabos ópticos submarinos que trazem 99% da internet ao Brasil. Também estão na região os data centers de empresas.
A divergência também ocorre entre diferentes setores, que tentavam encontrar um consenso — sem sucesso. Um grupo de trabalho criado sob coordenação da Fiec (Federação das Indústrias do Estado do Ceará), que também incluía Anatel, Cagece (Companhia de Águas e Esgoto do Estado do Ceará), SPE (Sociedade de propósito específico) Águas de Fortaleza e operadoras encerrou seus trabalhos no último dia 11 sem acordo.
Em 8 de novembro, o Conselho Estadual do Meio Ambiente do Ceará aprovou por unanimidade o estudo de impacto ambiental do projeto. Falta apenas a liberação da SPU para a obra ter início — a previsão do governo é que isso ocorra até março.
Apesar de alguns avanços obtidos nas seis reuniões técnicas intersetoriais realizadas sob mediação da Fiec, os setores permanecem com os mesmos pontos de vista em relação à matéria.
Fiec, em nota
O que diz a Anatel
Em parecer detalhado de 32 páginas publicado no último dia 15, a Anatel defende que os cabos ocupam a área da praia há anos e são "infraestrutura essencial ao funcionamento das telecomunicações e da internet no Brasil e também para o fluxo de informações entre os continentes sul-americano, africano, europeu e norte-americano."
O órgão faz uma série de críticas ao projeto apresentado, entre elas:
- Embora tenha 1.584 páginas, não contém uma sessão sequer dedicada a analisar riscos e providências para com a infraestrutura terrestre e marítima associada aos cabos submarinos.
- Não há no projeto atual qualquer estudo, previsão, planejamento e detalhamento das medidas que serão adotadas para garantir que os dutos terrestres da usina (adutoras de grande calibre e cortes, perfurações nas avenidas da cidade) não provocarão interferências nos cabos terrestres de telecomunicações.
- Os cabos têm vida útil e há aumento anual de demanda de tráfego de internet, que tendem a requerer, paulatinamente e ao longo dos anos, decisão dos detentores quanto a substuição de cabos e/ou expansão para novos cabos.
Obra é segura, diz SPE
Em resposta ao parecer, a SPE Águas de Fortaleza enviou nota assegurando que o projeto "não traz qualquer ameaça aos cabos e nem aos data center que existem na Praia do Futuro".
Afirma que isso está "claramente demonstrado" nos "mais de 20 pareceres de órgãos técnicos ambientais aprovaram a licença prévia para a execução do projeto".
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Quero receberO governo e o povo cearense, que convivem com o problema da falta de água, não devem aceitar um parecer sem base técnica, manifestamente parcial, que atende apenas a interesses privados. A Anatel não tem poder de veto no projeto e está apenas sendo porta-voz de empresas interessadas em privatizar a Praia do Futuro.
SPE Águas de Fortaleza
O que diz a SPU
A SPU no Ceará, que havia vetado o projeto inicial, afirma em documento de 13 de novembro que "restou claro que, em nível de litoral e área de praia, a nova distância (567 m) é suficiente para superar a exigência de afastamento."
Ela cita um relatório do ICPC (Comitê Internacional de Proteção de Cabos) , que "recomenda uma separação padrão de pelo menos 500 metros na água com menos de 75 metros de profundidade e maior que 500 metros ou duas vezes a profundidade da água em profundidades maiores."
Nas conclusões, porém, a SPU admite que não é de sua responsabilidade a análise detalhada do cruzamento de cabos e tubulação de captação. O parecer local ainda será avaliado pela SPU nacional.
Empresas reagem
As empresas de comunicação seguem contrárias e avisam que não aceitam a instalação no local, segundo Luiz Henrique Barbosa, presidente executivo da TelComp, entidade que representa operadoras de telefonia, banda larga e acesso à internet; TV por assinatura e data centers.
Ele afirma que as empresas têm contratado estudos sobre impacto de usinas de dessalinização e garante que "nenhum lugar do mundo tem usina de dessalinização em área urbana". "Você não coloca uma máquina de lavar roupa ao lado do computador na sala. No caso, o computador não é seu", completa.
De acordo com Luiz, se a construção não for vetada, as empresas não descartam levar o caso à Justiça Federal.
Há risco, seja durante a obra, de choque elétrico ou mecânico; seja durante a operação, de risco de incêndio, fuga de água. Quando a Anatel se opôs, ela leva em conta que ali tem uma quantidade enorme de cabos e que não podemos aceitar o risco. Se acontecer [danos], é uma tragédia como a de Mariana ou Maceió. Seria uma irresponsabilidade seguir [no local].
Luiz Henrique
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