Despejo de usinas falidas do pai de Thereza Collor ameaça 10 mil sem-terra
Pelo menos 3 mil famílias sem-terra (cerca de 10 mil pessoas) ocupam há uma década parte das terras das usinas falidas Laginha e Guaxuma, que pertenciam ao ex-deputado federal João Lyra, em Alagoas.
Camponeses de outras cidades e trabalhadores que levaram calotes das empresas de Lyra montaram comunidades rurais que produzem alimentos, mas agora temem serem despejados, após decisões de desocupação que vêm sendo dadas pela justiça.
Já a massa falida informa que há vários tipos de ocupações irregulares das terras que eram do grupo.
Pai de Thereza Collor, Lyra era um empresário poderoso no estado e chegou a ser o deputado federal mais rico do país na legislatura 2011-14. Ele morreu aos 90 anos por complicações da covid, em 2021.
A morte abriu uma "guerra" dos filhos pela herança bilionária, que inclui seus bens pessoais e a representação familiar no polêmico processo de falência do grupo, decretada em 2012 e confirmada em 2014.
Somente o patrimônio da Laginha Agroindustrial S/A, maior empresa do grupo, é avaliado entre R$ 2 bilhões e R$ 4 bilhões.
Empresária, historiadora, fotógrafa e colecionadora de arte, Thereza Collor ficou conhecida em 1992 por se tornar um dos personagens no processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, irmão do seu então marido Pedro Collor (morto em 1994).
Entenda o caso na Justiça
Ao todo, sete movimentos e organizações do campo de Alagoas ocupam áreas e cobram que elas sejam destinadas à reforma agrária. Afirmam que um acordo nesse sentido foi firmado com o Estado e a massa falida do grupo, mas estaria sendo descumprido.
A nova administração da massa falida tem feito pedidos de reintegração de posse à Justiça desde 2021. Já existem decisões determinando a saída dos camponeses em muitas das áreas ocupadas.
Nenhuma das decisões foi cumprida, porque estão em câmara de negociação para tentativa de conciliação no TJ-AL (Tribunal de Justiça de Alagoas).
As ocupações das áreas ocorreram entre os anos de 2011 e 2014, período em que o grupo de João Lyra enfrentou uma crise, não conseguiu ter plano de recuperação aprovado e teve falência decretada pela Justiça.
O que diz o MST
Segundo Débora Nunes, da coordenação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), boa parte das famílias ocupantes tem ex-trabalhadores, que ficaram sem emprego e sem pagamento após o fechamento do grupo.
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Quero receberEles foram largados à sorte, e os movimentos de luta pela terra no estado se organizaram e ocuparam as três usinas para reivindicar que essas áreas pudessem ir para reforma agrária.
Débora Nunes, da coordenação do MST
Ela explica que desde 2016 foi iniciado um processo oficial de negociações entre os movimentos, governo estadual, massa falida e o TJ-AL.
Chegou-se a um acordo: os movimentos saíram da usina Uruba, em Atalaia, para que ela retomasse suas atividades. Em troca, teriam recebido a promessa de que seriam destinados 1,5 mil hectare de terra da usina Guaxuma e os 11 mil hectares da usina Laginha para a reforma agrária das famílias assentadas —essa parte final do acordo, porém, é negada pela massa falida.
Apreensivas, as famílias acampadas fecharam a rodovia BR-104 no final de novembro, na altura da antiga Usina Laginha, em União dos Palmares.
Desde o protesto, os mandados de reintegração de posse estão suspensos, e audiências estão sendo realizadas pela Comissão de Soluções Fundiárias do TJ-AL.
Carlos Lima, coordenador da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em Alagoas, afirma que a ideia dos movimentos é de que os valores devidos pelo grupo aos Tesouros estadual e nacional seja revertido em pagamento com terras para reforma agrária.
No último dia 21 de dezembro, os movimentos se reuniram com o presidente do Incra em Alagoas e cobraram uma ação do órgão para analisar a viabilidade da reforma agrária nas terras.
Nós solicitamos, em nível nacional, uma intervenção para que essas terras entrem como parte do pagamento desses valores. No âmbito estadual, não temos nada de concreto. Essa situação tem mexido bastante com as organizações, fora os boatos e articulações políticas com objetivo muito claro de tirar as famílias da região.
Carlos Lima, coordenador da CPT em Alagoas
O que diz a massa falida
O administrador judicial da massa falida, Igor Telino, explica que, quando que foi designado para a função, no final de 2021, observou vários tipos de ocupações irregulares das terras que eram do grupo João Lyra, não apenas por movimentos sociais.
Notamos que havia pessoas plantando toneladas de cana, criando milhares de cabeças. Decidimos, então, entrar com ações de reintegração de posse porque essas áreas eram usadas sem autorização e sem qualquer contrato de concessão ou repasse de valores à massa falida.
Igor Telino, administrador judicial da massa falida
Sobre a demanda dos movimentos sociais, ele confirmou que há um acordo para que 1,5 mil hectare da usina Guaxuma seja destinado —a área que diz estar ocupada e garantida aos trabalhadores.
Telino relata que tem tido reuniões frequentes com movimentos sociais e pretende uma solução negociada em relação ao destino da área ocupada.
Em relação à área da Laginha, ele diz que a solicitação dos movimentos sociais para destino integral de cerca de 11 mil hectares é inviável, visto que há uma série de débitos que precisam ser pagos e a área é fundamental para obter fundos, se for a leilão ou arrendada para uso agrícola.
Propomos uma solução negociada, seguindo os parâmetros que foram levados em consideração no caso da usina Guaxuma.
O que diz o governo estadual
Procurado, o Iteral (Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas) informou que só pode dar seguimento à aquisição de terras no local quando houver uma decisão judicial sobre o destino da área, o que ainda não ocorreu, nem tem data para ocorrer.
O Incra foi procurado na segunda-feira (22), mas não respondeu se há algum procedimento do órgão referentes às terras.
Caso chega ao CNJ
O caso da Laginha Agroindustrial S/A é um dos maiores processos de falência no país. O grupo tinha dívidas em um valor superior a R$ 3 bilhões.
Somente as dívidas com bancos somavam R$ 665 milhões. Já a dívida ativa inscrita na lista de devedores da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) somava R$ 1,97 bilhão.
Com o grupo repleto por denúncias de irregularidades, o processo de falência foi parar no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em 2021, quando foi considerado o maior do tipo em andamento no país.
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