Carlos Madeiro

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Reportagem

Por que a Amazônia teve o pior mês de fevereiro no histórico de queimadas

A Amazônia brasileira registrou o maior número de incêndios em um mês de fevereiro desde a criação do programa de monitoramento de queimadas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas e Estatísticas), em 1998.

O número recorde foi puxado por apenas um estado, o de Roraima, que enfrenta uma severa seca e calor acima da média. São fatores que ajudam a propagar o fogo em patamares nunca vistos, segundo os pesquisadores.

O estado registrou 2.057 focos de calor em fevereiro — o que corresponde a quase dois terços de todo o fogo que ocorreu na Amazônia no período (3.158 focos).

Na última segunda (26), o governo federal reconheceu situação de emergência em nove municípios de Roraima — os que mais sofrem com as queimadas. A fumaça tem invadido a capital Boa Vista nos últimos dias.

Mas o que está ocorrendo em Roraima?

Na Amazônia, o fogo é muito usado para limpeza de área na preparação do pasto ou da terra para agricultura. Mas o número de focos em Roraima impressiona — somente no dia 20 foram 538 registrados pelo Inpe, quase um a cada três minutos.

Até então, o recorde do estado para o mês de fevereiro tinha ocorrido em 2007, quando foram 1.347 focos — ou 32% a menos que em 2024. O recorde da Amazônia também tinha ocorrido no mesmo ano.

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Segundo Liana Anderson, pesquisadora do órgão federal Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), desde o ano passado a Amazônia sofre com os efeitos do El Niño, fenômeno de aquecimento das águas do Pacífico equatorial.

Para ela, diante do fenômeno, a seca já era um "desastre anunciado". "Ela não deveria pegar ninguém de surpresa", diz.

O El Niño é um processo longo, são meses consecutivos com redução de chuva. Em Roraima isso é comum e esperado nessa época do ano. E toda vez que tem seca, sabemos que o fogo vai vir em seguida.
Liana Anderson

Entretanto, ela explica que além do El Niño, outro fator climático ajuda a entender a explosão dos focos no estado neste ano: o calor intenso. "Isso coloca um segundo elemento na mesma panela de pressão."

Ela lembra ainda que mudanças climáticas reduziram a média de chuvas na Amazônia ao longo dos últimos anos, o que se soma ao desmatamento de áreas — cenário que também ajuda a aquecer a região.

A área de pastagem é mais suscetível à entrada do fogo. Quando chega a época de limpar a área, se você tem seca, calor e uma degradação, a chance de perder o controle do fogo é muito grande. Ele espalha por todos os lados.
Liana Anderson

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Sem chuva, muito calor

Segundo dados do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), Boa Vista registrou em 26 dos 29 dias de fevereiro temperaturas máximas a partir de 35ºC. No dia 4, foram intensos 39,6ºC.

Em média, a temperatura máxima histórica de fevereiro na capital de Roraima é de 33ºC.

Praticamente não houve chuvas no estado no primeiro bimestre:

  • Janeiro - 4 milímetros
  • Fevereiro - 6,8 milímetros

Em janeiro isso correspondeu a apenas 14% da média histórica para o mês. Em fevereiro, esse índice foi de 25%.
Rômulo Batista, porta-voz do Greenpeace Brasil

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A pedido do UOL, o Lapis (Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites) da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) fez um mapa de precipitação — que mostra como Roraima sofre com a falta de chuvas recentes.

O meteorologista e coordenador do Lapis, Humberto Barbosa, afirma que os efeitos da seca podem se estender por mais alguns meses.

Embora o Pacífico equatorial fique neutro [sem El Niño e sem La Niña] a partir de abril, a resposta da atmosfera ainda deve se prolongar por alguns meses. É o que estamos chamando de 'El Niño atmosférico', que deve atuar na temperatura global e na precipitação até a primavera [que começa em setembro].
Humberto Barbosa

Dias sem chuva no país
Dias sem chuva no país Imagem: Lapis/Ufal

Os pequenos agricultores estão sofrendo com a falta de água e com essas queimadas. Já não dá pra plantar tanto. Estão aprofundando seus poços para que chegue água para molhar as plantação.
Vanessa Xavier, da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em Roraima

Fogo atinge floresta

Segundo Rômulo Batista, do Greenpeace, Roraima tem uma característica peculiar: é o único estado brasileiro que está 100% no hemisfério norte e, por isso, tem a estação mais seca entre novembro e abril, diferente do resto da Amazônia — quando as queimadas explodem de agosto a novembro.

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Entretanto, este ano um dado chamou a atenção: 54% das áreas que pegaram fogo são formações florestais — e não pasto ou lavoura.

Isso mostra que o fogo está sendo utilizado de forma errônea, porque estamos em um período quente e de ventos, e o fogo em área de pastagem tem capacidade de adentrar nas áreas de florestas.
Rômulo Batista

Incêndio na Terra Indígena São Marcos, no município de Pacaraima (RR)
Incêndio na Terra Indígena São Marcos, no município de Pacaraima (RR) Imagem: Ibama

Três anos sem fogo

O professor e pesquisador Paulo Barni, da UERR (Universidade Estadual de Roraima), explica que além dos fatores climáticos impulsionarem o fogo, os proprietários de terra estão aproveitando o ano seco após os últimos três anos de clima mais úmido.

Geralmente os proprietários roçam a vegetação secundária. Eles o fazem para plantar a macaxeira, e daí queimam a sua área. Eventualmente esse fogo se propaga para pastagens adjacentes e para a área de florestas. É aí que vira o incêndio.
Paulo Barni

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Para Mariana Napolitano, diretora de Estratégia do WWF-Brasil, é preciso que o governo federal adote ações de longo prazo para tentar prevenir esses incêndios em cenário de mudanças climáticas.

Temos de fortalecer as brigadas e o manejo integrado do fogo. O que vem acontecendo é que os incêndios têm passado das áreas de fazenda para a floresta, que estão com as áreas de borda muitas vezes degradadas. Como esse é um cenário que vai ser mais frequente, vai ser necessário trabalhar também prevenção.
Mariana Napolitano

Área queimada na Amazônia em Roraima
Área queimada na Amazônia em Roraima Imagem: Funai/Divulgação

O que dizem as autoridades

O UOL procurou o Ibama, responsável pelo combate ao fogo em vegetação, que afirmou que tem atuado nos incêndios florestais em Roraima desde o ano passado com 292 profissionais e apoio do ICMBio. São 37 veículos e 4 helicópteros.

Estava prevista para ontem a chegada de brigadistas da Brigada Indígena Xerente de Tocantins.

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Até o momento, foram combatidos 188 incêndios florestais pela equipe do Prevfogo. Está prevista a chegada de mais brigadistas e veículos.
Ibama

O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima foi questionado sobre ações no estado, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

O governo de Roraima afirmou que suspendeu todas as licenças de fogo dadas no último dia 21 e que está fazendo ações emergenciais — como a entrega de 25 mil cestas de alimentos.

Autorizei a perfuração de mais 50 poços artesianos e caminhões-pipa para fazer o abastecimento naquelas localidades que não têm atendimento da companhia de água do estado. Autorizei a contratação de patrulha mecanizada para perfuração de bebedouros para os agricultores familiares que estão sendo atingidos pela falta de água.
Governador Antônio Denarium (PP)

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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