Casos de suspeitos de síndrome da zika crescem em 2023 após 6 anos em queda
A síndrome de infecção congênita pelo vírus zika, relacionada a casos de microcefalia e outros problemas neuromotores, voltou a ter um aumento no número de casos suspeitos notificados em 2023 após seis anos em queda. Segundo dados do Ministério da Saúde, foram 1.035 casos relatados no ano passado — trata-se do maior número desde 2019.
Por trás da alta recente nas notificações estão problemas que preocupam o ministério e especialistas e vão desde a demora em investigar os casos e fechar diagnóstico à falha de vigilância epidemiológica.
Em 2015, um aumento inexplicado de casos de microcefalia em Pernambuco chamou a atenção do mundo. Pesquisas apontaram que eles estavam relacionados ao vírus zika, o que levou a OMS, em 2016, a decretar emergência em saúde pública internacional.
Segundo boletim epidemiológico publicado na última segunda-feira pelo ministério, 2.877 casos foram notificados desde 2015 e ainda estavam em investigação no início deste ano.
Desses casos, quase metade (1.339) aguardam diagnóstico há mais de três anos. Nos casos de 2023, dois em cada três ainda estavam sendo investigados para chegar a uma conclusão.
Percebe-se que esse achado pode sugerir a falta de acesso aos serviços de saúde em tempo oportuno, a baixa captação de casos por busca ativa ou mesmo a dificuldade de acompanhamento de casos suspeitos, pois algumas anomalias são detectadas após o puerpério ou na primeira infância.
Boletim do Ministério da Saúde
Período de vida na notificações da síndrome:
Ainda de acordo com o documento, o alto percentual de casos em investigação "compromete o conhecimento fidedigno do cenário epidemiológico da síndrome no Brasil."
Diante de um cenário de recorde de casos de dengue no país, o boletim do ministério faz um alerta.
Levando em consideração a circulação do vírus zika no país e que seu vetor de transmissão, o Aedes aegypti, apresenta-se amplamente disperso por todo o território nacional, torna-se possível a ocorrência de novos casos, surtos e epidemia da SCZ.
Boletim do Ministério da Saúde
A médica sanitarista Bernadete Perez, vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), afirma que a demora em fechar os diagnósticos dessas crianças, além de atrapalhar no tratamento da criança, prejudica o país na formulação de políticas públicas.
A professorada UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) afirma também que a política de enfrentamento da dengue no país "está falida e errada."
Newsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberAs estratégias, sejam elas de prevenção, tratamento ou reabilitação, são diferentes. Na zika, a estratégia de enfrentamento com a degradação urbana é o uso de repelente, passar informação e orientação familiar e comunitária. É óbvio que você tem que fechar o caso, senão, como é que você orienta?
Não temos conseguido controlar. O contexto de degradação urbana, a ausência de vigilância integrada com atenção primária de saúde e estratégias comunitárias precisam ser reconsideradas.
Bernadete Perez, professora da UFPE
Pioneira vê cenário no escuro
A médica e diretora do Ipesq (Instituto de Pesquisa Professor Joaquim Amorim Neto), Adriana Melo, foi a responsável pela primeira coleta que relacionou, ainda em 2015, os casos de microcefalia ao vírus da zika. Ela afirma que, assim como naquela época, o Brasil trabalha no escuro.
Estudamos muito pouco o zika, ficamos sem verba. Hoje o grande problema é não fazermos vigilância laboratorial e tudo acaba sendo notificado como dengue.
Adriana Melo, médica
Ela afirma que, a cada 100 grávidas acometidas com a doença, 3 fetos vão ter, em média, a síndrome.
Apesar de dizer que a situação hoje é de número baixo de casos, ela também acredita que a chance de novos surtos existe, e o país não está pronto para saber disso a tempo de agir.
Infelizmente só saberemos quando for tarde demais. Quando as grávidas começarem a apresentar sintomas. A única opção é repelente para evitar a doença.
Sem epidemias desde 2021
Segundo a professora Vera Magalhães, da UFPE, o vírus da zika está circulando com dois subtipos (asiático, que causa a microcefalia; e o africano), mas em um número bem inferior ao que ocorreu há oito anos. "Desde 2021 não há relatos de epidemias de zika no mundo", diz.
Ela afirma que, como uma grande epidemia ocorreu entre 2015 e 2016 no país, muitas pessoas foram contaminadas e estão com a imunidade em dia.
Importante lembrar que 80% dos casos de zika são assintomáticos, então a maioria nem sabe que teve a zika. Mas não está havendo mais casos graves ou relatos de número elevados da síndrome congênita da zika.
Vera Magalhães
Apesar da imunidade se demonstrar eficiente duradoura, a ciência não sabe estimar o tempo que ela dura, nem pode ter cravar a impossibilidade de uma nova cepa surgir e contaminar pessoas já infectadas uma vez.
A situação epidemiológica da dengue demonstra que está havendo descontrole dos focos do mosquito vetor, é natural que haja aumento de todas as arboviroses transmitidas por esse vetor. Inclusive temos casos de coinfecção de zika com a dengue.
Vera Magalhães
Para ela, é importante uma "ampla política de acesso a testes laboratoriais, especialmente o PCR" — que é considerado o padrão ouro para diagnóstico.
Saúde cita complexidade
Em nota, o Ministério da Saúde afirma que "se mantém em alerta para os casos de arboviroses."
O monitoramento dos casos suspeitos e confirmados é realizado durante todo o ano. Além disso, a pasta mantém contato direto com as equipes estaduais para acompanhamento, bem como reconhecimento precoce de eventual aumento no número de notificações.
Ministério da Saúde
Para dar celeridade à conclusão dos casos ainda em investigação, o Ministério de Saúde afirma que tem atuado junto às equipes estaduais, apoiando a análise com base nas informações disponíveis para cada caso.
A pasta afirma, porém, que a investigação de um caso suspeito da síndrome é complexa e envolve:
- análise do cenário epidemiológico quanto à presença de circulação do vírus zika no local de residência da família;
- diagnóstico laboratorial para confirmação da infecção materna na gestação;
- diagnóstico laboratorial para descarte de infecção materna por outros agentes biológicos que também causam anomalias congênitas;
- exames clínicos e de imagem do feto/recém-nascido para avaliação das anomalias congênitas e alterações apresentadas.
É preciso levar em consideração que, em muitas situações, a mãe/parturiente e criança são assistidas em diferentes instituições de saúde, o acompanhamento e o resgate de tais informações em prontuários não são tão ágeis e acabam dificultando a imediata resposta.
Ministério da Saúde
Deixe seu comentário