Morre Sílvio, filho dos cangaceiros Corisco e Dadá que foi doado a padre
Último dos filhos dos cangaceiros Corisco e Dadá, o professor aposentado Sílvio Hermano de Bulhões, 88, morreu nesta segunda (18) no hospital Arthur Ramos, em Maceió. Ele estava internado no local desde sábado (16) por apresentar problemas no intestino. A causa da morte não foi revelada.
Ainda na época do cangaço, em 1935, Sílvio foi dado pelos pais com nove dias de vida a José de Melo Bulhões, conhecido como padre Bulhões, de Santana do Ipanema (AL), de quem herdou o sobrenome.
Sílvio também ficou conhecido porque lutou pelo fim da exposição das cabeças dos cangaceiros em museu e cobrou o retorno delas às famílias. A cabeça do pai dele, por exemplo, estava em exposição no Museu Estácio de Lima, em Salvador, e só foi devolvida à família em 1967, após cobrança liderada por ele. "Isso muito me incomodava", dizia.
O velório do professor aposentado ocorre no cemitério Parque Maceió, e o corpo será cremado após cerimônia reservada a familiares e amigos mais próximos.
Livro relata sobrevivência
A história de Sílvio está relatada no livro de sua autoria intitulado "Memórias e reflexões de um filho dos cangaceiros Corisco e Dadá". Esta coluna contou a história dele e os detalhes de sua sobrevivência.
Meus pais foram fantásticos. Eles terem me doado ao padre Bulhões me salvou, só estou aqui por causa disso. Sinto-me muito orgulhoso de ser filho deles
Sílvio em entrevista ao UOL em agosto de 2023
Professor de matemática aposentado da rede estadual de Alagoas, ele detalha as conversas que teve com sua mãe, Dadá, após o reencontro deles em julho de 1954, em Salvador, onde a ex-cangaceira já estava casada novamente.
Minha mãe foi a única cangaceira que existiu. Maria Bonita, por exemplo, era a esposa de Lampião. Quando havia combate, só Dadá ia, as outras mulheres se retiravam. E ela era perita em tiro, papai que era péssimo atirador.
História
Corisco morreu em 1940, e Sílvio não guarda qualquer lembrança. Já Dadá morreu em 1994, quando o cangaço era apenas um passado distante. Enquanto ela esteve viva, Sílvio e Dadá conversaram sobre o cangaço e a vida deles.
Sílvio afirma ter ciência de que os pais "praticavam coisas erradas". Mas explica que não faziam isso voluntariamente. "O ambiente em que viviam era assim. Ninguém vai receber uma saraivada de balas para mandar buquê de flores. Dança-se conforme a música", disse.
Aceito qualquer crítica filosófica a respeito do cangaço. Chamo meus pais de cangaceiros, jamais de bandidos. Mas respeito quem os trata desse jeito. Eles estavam fora da lei, é verdade, mas estavam fruto de uma injustiça social do mundo em que viviam. Eles não optaram, foram forçados a isso.
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Quero receberOs irmãos mortos, conta ele, vieram de quatro gestações de Dadá entre 1931 a 1934 — ela sofreu um aborto em uma delas. Outros três bebês nasceram e morreram novos. "Desses, só eu vinguei, porque fui dado ao padre", contou.
A vida inóspita do cangaço acabou levando Corisco e Dadá a decidirem entregar o novo filho a alguém e evitar que a tragédia se repetisse. Foi nesse ínterim que o padre mandou um recado a Corisco: disse que queria criar a criança que Dadá gerava.
Os pais aceitaram e, junto da entrega de Sílvio por um portador ao padre Bulhões, Corisco escreveu uma carta relatando que confiaria apenas nele para criar seu filho.
Acompanhando de longe
Corisco era apegado ao filho. Mesmo de longe, recebia sempre notícias.
No livro, Sílvio conta um episódio da ousadia do pai para tentar acompanhar o crescimento do filho: no dia do batizado da criança, Corisco estava escondido em uma serra e acompanhando, de longe, a cerimônia.
Santana era onde ficavam localizadas as forças policiais contra o cangaço. Ele teve muita coragem, e minha mãe diz que ele chorou.
Bulhões considera ter tido quatro pais na vida: além de Corisco, Dadá e o padre Bulhões, chama de mãe "Liquinha", uma mulher que ajudou a criá-lo em Santana. "Meus pais [adotivos] sempre me direcionaram para o caminho do bem, e isso é tudo."
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