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Carlos Madeiro

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Reportagem

Embate judicial abala donos e ameaça prédio símbolo arquitetônico do Recife

Considerado um símbolo arquitetônico do Recife, o edifício Holiday está no centro de um embate judicial que pode levar o prédio histórico, com 476 apartamentos, a ser demolido no Recife.

Erguido em 1962, o prédio chama atenção pelo formato curvo e está encravado no bairro nobre Boa Viagem. Entretanto, ele está interditado e desocupado por ordem judicial há cinco anos, a pedido da Prefeitura do Recife.

A alegação é que haveria risco de desabamento e incêndios —o que é refutado pelo Crea (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) de Pernambuco. (Leia mais abaixo)

Após cinco anos sem solução para fazer os reparos, a 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital decidiu por atender a Prefeitura do Recife por uma solução drástica: mandou o prédio à venda em um leilão para que um novo dono custeie a reforma ou faça demolição do Holiday.

Segundo perícia judicial, o prédio e o seu terreno foram avaliados em R$ 34,9 milhões. Esse seria o lance mínimo. O custo com uma reforma foi estimado em R$ 8,7 milhões. Já o valor de uma demolição e remoção ficou em R$ 2,5 milhões.

O edifício seria vendido em um leilão marcado para esta quarta-feira (22). Porém, atendendo a um pedido da Defensoria Pública do Estado, que atua em nome de proprietários, ele foi cancelado pelo desembargador Antenor Cardoso Soares Júnior.

A concretização da hasta pública [venda] do bem, no atual momento processual, é demasiadamente prematura e ocasionará prejuízos graves, e até mesmo irreparáveis, aos atuais proprietários e moradores da edificação, principalmente se considerarmos a previsão editalícia autorizando a completa e irrestrita demolição da edificação.
Desembargador Antenor Cardoso Soares Júnior

Vista do Holiday nos anos 1960
Vista do Holiday nos anos 1960 Imagem: Recife Antigamente/Reprodução Facebook

Ideia de venda abala ex-moradores

A decisão de vender o prédio causou grande abalo em pessoas que já moraram no local.

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Foi um verdadeiro e total pesadelo. Eu quero o meu imóvel de volta para que eu possa fazer dele o que eu quiser. Eu morava no coração de Boa Viagem. Comprei para desfrutar, e não pra que alguém desfrute do que é meu.
Girleide Ferreira, 50, ex-moradora e representante um grupo de proprietários

Ela conta que viveu por 30 anos no Holiday. Girleide e a filha moram desde 2019 junto com os pais, que têm outro apartamento no prédio. "A família morava praticamente toda lá; eu morava só com minha filha", lembra.

Para suspender o leilão, a Defensoria Pública do Estado alegou, primeiramente, que o processo não permitiria a venda de imóvel, já que trata-se de uma ação judicial que pede apenas a interdição.

Essa não é uma ação de desapropriação, como deve ser quando o poder público pretende usar ou destinar local para outra finalidade que não seja a moradia. A gente pretende ampliar o debate público, por isso pedimos que o imóvel não fosse vendido.
João Fernando Deblim, defensor público

Edifício Holiday, no Recife (PE)
Edifício Holiday, no Recife (PE) Imagem: Clara Gouvêa/UOL

Além disso, ele lembra que o Holiday está classificado como imóvel especial de interesse social, com "destinação específica para promoção da habitação".

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O defensor alega ainda que os moradores não tiveram oportunidade de propor alternativa no processo, já que não há hoje um síndico ou representante legal do prédio.

Eles querem que o Judiciário analise algumas possibilidades de reestruturação do imóvel, financiado pela Caixa ou por outros modos. Mas as ideias não puderam ser apresentadas porque o juiz negou a participação deles alegando que iria tumultuar o processo.
João Fernando Deblim

Prefeitura cobra obras desde 2012

O caso Holiday está tramitando na Justiça desde 2012, quando a Prefeitura do Recife acionou o condomínio exigindo a realização de obras de manutenção do prédio. Em fevereiro de 2013, a Justiça determinou que as obras fossem feitas —o que não ocorreu.

De acordo com o apurado no laudo, o local era classificado como uma 'favela vertical', com acúmulo de lixo e carroças estacionadas ao redor do edifício, com instalações hidrossanitárias comprometidas as unidades se utilizavam de caixas d´água ocasionado sobrepeso, além de ineficiência da rede de esgotamento, tubulações de ralos despejam os resíduos pelas fachadas do edifício.
Marcos Garcez de Menezes Júnior, juiz em decisão do dia 16 que determinou leilão do Holiday

Edifício Holiday com lixo flagrado em 2021
Edifício Holiday com lixo flagrado em 2021 Imagem: Clara Gouvêa/UOL
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Depois de sete anos sem as obras, em fevereiro de 2019 a prefeitura pediu a interdição do prédio alegando risco de desabamento e incêndio. A Justiça acolheu e determinou a evacuação do prédio —o que gerou muitas queixas à época.

Após a interdição, a ideia era de que os moradores iriam se unir para bancar a reforma, mas isso não se efetivou. Segundo o juiz, "não faltaram reuniões e audição para construção da melhor solução consensual".

Não houve uma única iniciativa concreta quando não foi realizada nenhuma obra quer de manutenção quer de recuperação executada às expensas do condomínio. Alijados do bem por meio de determinação judicial, [os proprietários] deveriam adotar providências efetivas para debelar a causa de interdição com respectiva recuperação do imóvel.
Marcos Garcez de Menezes Júnior

Em caso de leilão, o valor apurado com a venda, devem ser pagos:

  • Eventual dívida trabalhista e tributos sobre o imóvel;
  • Débito com concessionárias de serviço público;
  • Ressarcimento ao município das despesas com administrador Judicial;
  • Despesas com perícia para aferir o valor de mercado e estimativa de custo de eventual reforma ou demolição.

O que sobrar será rateado entre os proprietários ou aqueles que se apresentem com justo título documentalmente incontroverso, exceto os controversos cuja prova da legitimidade a percepção do saldo serão encaminhados às vias ordinárias.
Marcos Garcez de Menezes Júnior

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Crea rebate risco de desabamento

Formato curvo do edifício Holiday, no Recife
Formato curvo do edifício Holiday, no Recife Imagem: Clara Gouvêa/UOL

O coordenador da Câmara de Engenharia Civil e assistente técnico da Defensoria Pública no processo, Stênio Cuentro, afirma que laudos periciais refutam a ideia de que o prédio corre risco de desabar. "Os próprios peritos da Justiça disseram isso. A estrutura está lá intacta e estável", destaca.

Ele explica que desde 2020 há um projeto de recuperação da estrutura pronto, feito pela Escola Politécnica da UPE (Universidade de Pernambuco) em 2020. Também há um laudo de renovação da parte elétrica aprovado pela Celpe (companhia energética de Pernambuco). "O valor dessas obras têm de ser reavaliado, mas tecnicamente o prédio pode e deve ser recuperado, e não demolido", avalia.

Para Cuentro, os moradores saíram de seus apartamentos de forma indevida.

A tese que a gente defende com a defensoria é que a prefeitura deve pagar o aluguel a esse pessoal, porque ela não pagou um tostão com a saída dela. Foi a prefeitura que [foi à justiça e] colocou eles para fora de suas casas. Ela tem responsabilidade sobre isso.
Stênio Cuentro

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Outra fonte possível para financiar uma reforma é a Caixa, que teria colocado a ideia de recuperar o prédio pelo programa Minha Casa, Minha Vida. "O que precisa agora é a Justiça autorizar a assembleia para constituir um novo condomínio, para que ele tome as providências técnicas legais".

Com eleição de síndico, subsíndico e conselho fiscal eleitos, os donos podem iniciar o processo para atualizar os projetos e decidir de que forma vão buscar os recursos e definir como fazer o pagamento.
Stênio Cuentro

Procurada pela coluna, a Prefeitura do Recife não indicou ninguém para falar sobre o caso, nem enviou nota. O espaço segue aberto.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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