Condomínio de luxo é erguido em solo sagrado indígena e homenageia Portugal
A construção do condomínio de luxo em uma área considerada sagrada pelo povo Borari, em Alter do Chão (PA), gerou revolta de indígenas, que tentam barrar a obra. Para isso, eles têm apoio do MPF (Ministério Público Federal) e do Ibama, que embargou no início do mês a obra por diversas irregularidades.
O projeto do condomínio fica no turístico distrito de Alter do Chão, em Santarém, declarado como patrimônio cultural de natureza material e imaterial do Pará em 2022. Além disso, ele está em uma APP (Área de Preservação Permanente) - que implica uma série de restrições para obras.
O empreendimento, foi autorizado inicialmente pela prefeitura. A administração municipal, porém, voltou atrás nesta sexta-feira (29) e anunciou uma reanálise.
O nome escolhido para o condomínio é "Quinta da Villa Residence", em homenagem a uma chácara de Portugal, e a Alter do Chão.
A área em questão foi adquirida pela construtora Machado Lima Empreendimentos Ltda., em 2022, em negociação com o CNS (Conselho Nacional de Populações Extrativistas). A empresa diz que seguiu a legislação para conseguir as licenças para a obra. Entretanto, o MPF afirma que a terra é registrada como pública.
Segundo Samara Borari, líder indígena local, o território no qual o condomínio está projetado é exatamente onde existia a Escola da Floresta, um projeto de educação ambiental premiado nacionalmente. "Eu cresci naquela escola, meu pai trabalhou por muitos anos como vigilante lá", conta. A escola está funcionando agora em um prédio cedido pela Prefeitura de Santarém.
Samara conta que o povo Borari fez protestos desde que soube da venda da área, mas o ápice da revolta veio quando um vídeo mostrou a derrubada não autorizada de um Caraipé às margens do Lago Verde.
Era uma árvore sagrada para o nosso povo porque, através dela, a gente fazia artesanato. Ela era dos nossos ancestrais, e a derrubada foi uma coisa que uniu todo mundo. A partir daí nos articulamos e fizemos acampamento de três ali ao lado [de onde a árvore foi derrubada].
Samara Borari
"Combo de problemas", diz MPF
A obra está sendo feita, segundo o MPF, sem consulta prévia ao povo Borari, como é garantido pela Convenção n.º 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), a qual o Brasil é signatário. Uma visita técnica foi realizada no local em 15 de novembro.
Segundo o órgão, há suspeita no processo da aquisição da terra: a área do projeto pertence, na verdade, à União, e há indícios de que a transação do terreno tenha sido irregular.
As informações preliminares coletadas pelo MPF indicam que a área onde está sendo construído o condomínio de luxo, cuja posse anterior era do CNS, é terra pública, e não propriedade privada.
Recomendação do MPF
O MPF alega no pedido que já houve um desmatamento de floresta nativa sem autorização e que a obra ameaça poluir cursos d'água.
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Quero receberAinda há outro problema: o risco de danos arqueológicos, já que há evidências de que o solo e subsolo do local abrigam um sítio histórico, com "fragmentos de cerâmica e possíveis cemitérios de antigas ocupações."
Um outro aspecto que chamou a atenção do MPF é que a empresa responsável pela obra possui ligações com autoridades da Prefeitura de Santarém, o que levantou a suspeita de conflito de interesses e irregularidades no processo de licenciamento ambiental.
A esposa do sócio principal da construtora, José Maria Ferreira Lima, é irmã do secretário Municipal de Administração, Emir Machado de Aguiar; que, por sua vez, é parente do atual prefeito, Nélio Aguiar (DEM).
Por tudo isso, o MPF recomendou, no último dia 18, que a Prefeitura de Santarém revogue imediatamente as licenças para implantação das obras, oque foi anunciado nesta sexta-feira.
Segundo o procurador da República Vítor Vieira Alves, que assina a recomendação, o caso ganhou força após protestos do povo Borari. Ele diz que o condomínio possui "um combo de problemas."
"Casos assim têm se proliferado em toda Alter do Chão", diz, citando grilagem de terras públicas, desmatamento ilegal, destruição de sítios arqueológicos e falta de consulta prévia a povos originários.
Temos constatado que esses fatos têm se proliferado, e não apenas por omissão dos órgãos ambientais. Na verdade, o mais problemático, é que contam com a anuência deles, especialmente das secretarias municipais de meio ambiente. São licenças e autorizações ambientais que ignoram, por erro ou fraude, várias cautelas da legislação ambiental.
Vítor Vieira Alves
Procurada a, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente informou que "acatou as orientações recebidas do MPF" e suspendeu para realizar as licenças ambientais dadas ao empreendimento.
Após análise do procedimento de licenciamento administrativo ambiental, a Semma identificou que, apesar de o processo ter seguido rigorosamente os parâmetros legais, foi constatado o descumprimento das condicionantes ambientais previstas nas licenças.
Ibama embarga obra e multa dono
Em nota, o Ibama afirma que a Gerência Executiva em Santarém identificou "graves irregularidades ambientais" na área, que tem "alta relevância ecológica e cultural."
"No empreendimento imobiliário Quinta da Vila Residence, foram detectadas as seguintes irregularidades: concessão irregular de licenças ambientais e sobreposição de áreas protegidas na APA, em Alter do Chão e na Gleba Mojuí dos Campos", diz a nota.
Por conta das irregularidades, o Ibama aplicou multa de R$ 140 mil e embargou o empreendimento no início do mês.
Além disso, notificou a construtora para demolição de estruturas em APP. "São medidas respaldadas pela legislação ambiental e fundiária federal, com base nos artigos 20 e 225 da Constituição Federal, reforçando a atuação do Instituto na proteção das terras públicas federais e no combate à grilagem."
"Demanda reprimida"
A coluna tentou contato, pelo formulário do site e pelo WhatsApp da construtora Machado Lima Empreendimentos Ltda., mas não obteve retorno.
Em nota publicada em um portal local no dia 11 de novembro, o sócio da construtora, José Maria Ferreira Lima, afirma que tem as licenças necessárias para a obra e reclama que "mesmo assim" foi autuado pelo Ibama.
O art. 170, parágrafo único da Constituição Federal garante a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica. Em cumprimento a esse disposto, me associei a um grupo de pessoas e adquirimos a área do CNS, e nela estamos projetando a implantação de um Condomínio Residencial Fechado.
José Maria Ferreira Lima
Segundo a nota, o nome do condomínio veio de Quinta, uma "referência à chácara lá em Portugal", e Villa "em homenagem a Alter do Chão."
Existe uma demanda reprimida por empreendimento onde as pessoas se sintam seguras, tenham área de lazer e agreguem conforto às suas famílias, de forma que as pessoas possam optar em morar nas ruas e bairros de Alter do Chão ou em um Condomínio fechado.
José Maria Ferreira Lima
Sobre a Escola da Floresta, diz que ela está funcionando em um imóvel de propriedade do Município, "em área reservada atrás da Escola Doroty Stang, cujo custeio dos serviços de transferência e implantação na nova área foram custeados pelos sócios."
Ressaltamos que iremos lutar, na forma da lei, para o desembargo da área, propondo as medidas judicias cabíveis e, enquanto isso, continuaremos com a elaboração dos demais projetos.
José Maria Ferreira Lima
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