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Carlos Madeiro

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Reportagem

Humaitá (AM) vive tensão à espera de 'guerra' nas ruas em defesa do garimpo

O município de Humaitá (670 km de Manaus) viveu horas de terror nas ruas na quarta-feira (21). Com fogos de artifício e pedras, um grupo com cerca de 500 pessoas atacou agentes federais que tentavam desembarcar durante operação para desmantelar o garimpo no rio Madeira.

O clima na cidade é de tensão. A polícia local acredita que uma nova ida de agentes à cidade para uma operação pode gerar uma tragédia.

"A cidade de Humaitá está tomada pelo medo. As aulas das escolas do município foram suspensas", conta a jornalista Rayane Pacheco, que mora em Humaitá.

Resto de fogos de artifício usados em protesto da quarta-feira
Resto de fogos de artifício usados em protesto da quarta-feira Imagem: Rayane Pacheco/Arquivo pessoal

Ruas viraram batalha

O confronto de quarta começou por volta das 16h (17h de Brasília), quando agentes da PF (Polícia Federal), Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) chegaram ao porto do Passarão.

"Eles estavam em três lanchas, mas foram impedidos de desembarcar pela população. Os manifestantes queriam agredir os agentes, as palavras que usavam era de matar, não tem como diminuir. Os agentes se retiraram pelo rio, no sentido de Porto Velho", diz o major Anderson Saif, comandante do 4º Batalhão da Polícia Militar de Humaitá.

Após o recuo dos policiais federais, que comandaram a operação Prensa, a manifestação migrou para outros locais da cidade, e a PM foi acionada para controlar o distúrbio — o que gerou novos confrontos. Segundo a PM, houve tentativa de invasão à casa do prefeito e à sede da Prefeitura de Humaitá.

Segundo o major, o clima de caos na cidade durou cerca de cinco horas, e o controle das ruas foi retomado apenas às 21h. "Hoje [quinta] a cidade está tranquila, mas com um clima bem tenso", diz.

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Policial militar ferido durante ato em Humaitá (AM)
Policial militar ferido durante ato em Humaitá (AM) Imagem: Rayane Pacheco/Arquivo pessoal

Após os atos, cinco pessoas ficaram feridas, entre elas quatro policiais; e 14 pessoas foram detidas —seis delas seguiam presas até o fim de tarde desta quinta.

Devido ao agravamento e da situação urgente, 43 policiais do Choque da PM de Rondônia foram enviados à cidade. Eles vieram do estado vizinho por conta do acesso mais fácil (são duas horas de carro). Já de Manaus, são mais de 600 km, sendo 300 km de pista de barro.

Faltou planejamento, diz PM

O major explica que essa não é a primeira vez que uma operação da PF é recebida com hostilidade por moradores, mas que dessa vez foi o caso mais grave.

Em todas as manifestações eu consegui, na base do diálogo, convencer a fazer de forma pacífica, mas nessa não. Sequer encontrei uma liderança com quem pudesse negociar.
Major Anderson Saif

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Para ele, as ações da PF são "irresponsáveis", já que não há um planejamento conjunto com a PM local. "O que eles fazem, na minha opinião, é covardia. Eles recuaram e nós que tivemos fomos para cima recuperar o controle", avalia.

Muitos dos nossos policiais daqui tiveram de enfrentar o vizinho, o primo. São pessoas que cresceram com a gente. E eu não tenho dúvidas que se ele [PF] voltar, perdermos o controle na cidade. Vai virar guerra mesmo. Se eles [PF] vierem, tragam efetivo para enfrentar o distúrbio que causarem.
Major Anderson Saif

A coluna procurou a Polícia Federal para obter esclarecimentos sobre a comunicação com a polícia local, mas não obteve retorno. A corporação também não se pronunciou sobre o protesto contra policiais em Humaitá na quarta-feira.

Em nota, a PF informou que realiza ação conjunta com a Funai e Ibama desde segunda-feira, a Operação Prensa, que em três dias inutilizou 303 balsas de garimpo "que estavam atuando de forma ilegal no Rio Madeira e seus afluentes, Rio Aripuanã e Rio Manicoré."

A Operação conta com a participação de policiais federais especializados, que percorrerão municípios do sul do Amazonas, com o objetivo de combater os crimes de garimpo ilegal cometidos na localidade. A ação será contínua e com prazo indeterminado para finalizar.
Polícia Federal, em nota

O MPF (Ministério Público Federal) informou que acompanha a situação, mas não tem procedimento aberto para investigar os atos ou a atividade de garimpo no município.

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A SSP-AM (Secretaria de Estado de Segurança Pública do Amazonas) reforçou que a PM e Polícia Civil "seguirão trabalhando para a manutenção e preservação da ordem pública no município."

O prefeito de Humaitá, Dedei Lobo (União Brasil), não respondeu às mensagens.

Equipes fazem vistoria em busca de garimpo no rio Madeira, em Humaitá (AM)
Equipes fazem vistoria em busca de garimpo no rio Madeira, em Humaitá (AM) Imagem: PF/Divulgação

Mais ações

Agentes federais continuam atuando no município. Na quinta-feira (22), a ação dos órgãos foi realizada na comunidade de Lago do Antônio, que fica a duas horas de lancha de Humaitá.

O UOL recebeu diversos vídeos de garimpeiros gravando a chegada da PF em pontos remotos do município. Em um deles, um policial chega para conversar com alguns deles e diz que "não estou aqui por quero" e que apenas "segue ordem". "A gente é pai de família", argumenta um dos garimpeiros, sem sucesso.

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Já outro vídeo, enviado instantes depois, mostra uma embarcação em chamas, para lamentação dos garimpeiros.

Atividade tem apoio popular, diz garimpeiro

O garimpo em Humaitá tem um grande apoio popular devido à geração de trabalho e renda para a economia da cidade, que fica às margens do rio Madeira e serve de ponto de apoio para a atividade na região.

"Aqui, 40% do comércio gira em torno dessa atividade. Somos um município de quase 60 mil habitantes, e muitas famílias têm na atividade extrativista o seu meio de subsistência", diz um garimpeiro em conversa com a coluna.

"Dificilmente alguém da cidade não tenha um parente ou amigo que precise da atividade", completa.

Ele conta que a atividade garimpeira na região é antiga e, ao longo dos últimos anos, eles tentaram arrumar formas legalizar sua atuação, mas nunca conseguiram.

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Já houve reuniões das lideranças extrativistas com os representantes da cidade, nunca muda nada. Da esfera federal, o que tem é isso: policiais queimando as balsas e destruindo bens. Do governo do estado, nada foi feito por enquanto.
Garimpeiro, em entrevista ao UOL

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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