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Carlos Madeiro

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Reportagem

'Queria ver melhor, saiu cega': idosa perde olho após operar catarata no RN

A cabeleireira Izabel Maria dos Santos Souza, 63, estava animada para, após um ano de espera, realizar a cirurgia de catarata. O procedimento foi feito no último dia 28 durante um mutirão na cidade de Parelhas (RN). Mas não demorou para ela perceber que o resultado não estava saindo como esperado.

Izabel é uma das oito pessoas idosas que fizeram a cirurgia naquele dia e perderam o olho por conta de uma infecção pela bactéria Enterobacter cloacae, que vive no trato intestinal do ser humano.

No sábado [um dia após a cirurgia] à tarde mesmo a gente percebeu algo. Uma amiga dela veio a visitar, e minha mãe disse que estava com o olho queimando e não estava vendo nada. Essa amiga falou que não deveria ter essa demora para ver bem. Ela ficou preocupada, e a gente percebeu que começou a sair secreção e ficar inchado. No domingo a gente viu que não estava certo mesmo.
Eduardo Mandara, filho de Izabel

O que causou o problema está sendo investigado. A empresa responsável pelas cirurgias alega que cumpriu todos os protocolos (leia mais abaixo).

Após ser diagnosticada a infecção, Izabel foi levada para Natal, e no dia 4 de outubro passou por uma cirurgia para extração do globo ocular esquerdo no hospital Onofre Lopes. Ela continua internada.

Receio do local fechado

Segundo Eduardo, a mãe ficou temerosa ao saber que seria operada de catarata na maternidade de Parelhas. "A maternidade da cidade não estava funcionando, ela foi alocada para fazer a cirurgia", diz.

Ele conta que Izabel esperou por um ano pela cirurgia e recebeu uma ligação da prefeitura "em cima da hora, já na semana do procedimento", para ir operar o olho no primeiro dos dois dias de mutirão.

Não é fácil para nós, da família. Ela foi com o intuito de ver melhor, para que não precisasse usar óculos ou para reduzir o grau, e saiu cega. A gente se preocupa como vai ser a vida dela em Parelhas desse jeito, porque ela é uma pessoa bem vaidosa é cabeleireira há 31 anos. A gente fica sem saber o que fazer.
Eduardo Mandara

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A família chegou a questionar se seria possível fazer algum transplante, mas foi informada que apenas uma prótese pode ser colocada no local do olho extraído.

Segundo Aracele Tenório, enfermeira do Hospital das Clínicas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e doutora em ciências da saúde na área de infectologia, contaminação dos olhos por esse tipo bactéria é algo extremamente raro, já que é um tipo que se pega mais por alimentos contaminados.

"A Enterobacter cloacae é uma bactéria que faz parte da microbiota intestinal, mas pode ser oportunista, causando infecções em ambientes hospitalares, especialmente em pacientes imunocomprometidos ou expostos a procedimentos invasivos", diz.

Maternidade alugada pela prefeitura para realização do mutirão em Parelhas
Maternidade alugada pela prefeitura para realização do mutirão em Parelhas Imagem: Google Street View

Pai de vereadora também perdeu olho

O aposentado Francisco André dos Santos, 71, filho da vereadora Francicleide Maria de Souza, também perdeu o olho. A cirurgia para remoção do globo ocorreu no último sábado (12).

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Segundo Francicleide, o caso chama a atenção porque mutirões para cirurgias de Parelhas eram realizados, até então, fora do município. "Nunca foi feito aqui. Todos eram feitos pelo governo do estado, que fazia uma relação da fila de espera e encaminhava para o Ministério da Saúde, que liberava as cirurgias em locais credenciados", explica.

O prefeito resolveu fazer aqui agora, perto da eleição. Por quê? Eu estou nesse caso não só como filha, mas porque tenho um compromisso com os 15 que ficaram cegos.
Francicleide Maria de Souza

Francisco esperava a cirurgia havia dois anos e quatro meses. A filha conta que, assim como Izabel, seu pai também já sentiu dores no sábado, dia seguinte à cirurgia. "A gente trouxe ele na segunda para o médico. O olho estava vermelho, inchado", diz.

Empresa e maternidade contratadas

Para realizar as cirurgias, a prefeitura afirma contratou a maternidade e a empresa, que iria receber R$ 59 mil pelas 48 cirurgias (20 no primeiro dia e 28 no segundo). O valor, porém, ainda não foi pago. A gestão municipal diz que o pagamento só será feito —ou não— após o fim das investigações que estão sendo feitas para entender o que houve.

As cirurgias foram feitas pela empresa Oculare Oftalmologia Avançada Ltda., de Pernambuco, contratada por meio de licitação para realizar o mutirão. Ela disse, em nota, que o mutirão foi feito com "oftalmologista experiente" e garante que seguir "os protocolos médicos e de segurança exigidos".

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A empresa diz ainda que colabora com as autoridades de saúde para investigar e solucionar a situação. "Os pacientes afetados estão recebendo toda a assistência médica, incluindo tratamento com antibióticos, conforme os melhores protocolos oftalmológicos, bem como submissão à realização de vitrectomia nos casos indicados", acrescenta a Oculare, em nota.

Segundo a prefeitura, as cirurgias foram realizadas pela primeira vez na cidade para dar "mais conforto" aos pacientes, sem precisar de viagens. Antes, esses procedimentos ocorriam em cidades vizinhas com mais estrutura.

Em nota, a gestão municipal afirmou que "a presença da bactéria foi detectada prontamente por meio de exames especializados, permitindo que a equipe médica adotasse a medicação necessária conforme prescrição de um infectologista, visando o tratamento adequado de cada paciente". A prefeitura destaca que foram realizados outros 28 procedimentos cirúrgicos de catarata sem qualquer intercorrência no dia seguinte, "o que reforça a necessidade de uma investigação cuidadosa e detalhada sobre os casos de infecção".

Sobre a proximidade da votação, alega que os mutirões de procedimentos não foram paralisados devido às eleições e que os procedimentos visavam reduzir fila de espera de cirurgias.

A coluna procurou a assessoria do MP (Ministério Público) do Rio Grande do Norte, mas foi informando que até a tarde desta terça-feira ainda não havia sido feito contato com o promotor para saber dos encaminhamentos do caso.

Reportagem

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