Moradores pedem plebiscito contra divisão de Aracaju: 'Não aceitamos mudar'
Moradores da área de litígio que hoje vivem em Aracaju, mas que podem ser "transferidos" para a vizinha São Cristóvão, reclamam por não terem sido ouvidos na ação judicial e cobram a realização de um plebiscito antes da mudança.
Em agosto, a Justiça Federal decidiu em fase final que um território —estimado entre 20 km² e 40 km²— deve passar da capital sergipana para o município de São Cristóvão. A área exata será delimitada por medições, mas no local moram ao menos 30 mil moradores, segundo a Prefeitura de Aracaju. (Leia mais abaixo)
O UOL ouviu líderes comunitários dessas áreas reivindicadas, que se mostram preocupados e até indignados com a situação.
Maria da Luz Santos, presidente da Associação de Moradores do Bairro Mosqueiro, diz: "nasci em 1971 e fui criada aqui". Ela afirma que os moradores "estão muito tristes" com a decisão.
Se tem essa linha dividindo, por que deixaram para lá de 1989 pra cá? São muitos anos a gente sofrendo aqui para resolver coisas. Agora que está tudo organizadinho, bonitinho, a gente não tem que aceitar isso de ser São Cristóvão? Nós não aceitamos mudar!
Maria da Luz Santos, presidente da Associação de Moradores do Bairro Mosqueiro
Na verdade, a ação judicial é de 2010, quando a prefeitura reivindicou de volta uma região tirada de São Cristóvão pela Constituição de 1988 e por uma emenda constitucional de 1999, que foram repassadas a Aracaju. As legislações foram consideradas nulas pelo STF (Supremo Tribunal Federal), em decisão transitada em julgado desde 2022.
Segundo ela, a área em que vive, ao sul da capital sergipana, nunca foi de São Cristóvão. "Tudo que temos hoje aqui foi construído por Aracaju. A única coisa que tinha aqui era em nome do São Cristóvão era uma escola", garante.
Pedido de plebiscito
Segundo o vice-presidente da Associação de Pescadores e Amigos do Bairro Areia Branca, Marcos André Barreto Nascimento, a decisão está causando "muito estresse entre os moradores." "A população que reside aqui é uma só voz contra, estamos fazendo abaixo-assinado contra", diz.
A gente está cobrando que seja feito um plebiscito, através de uma lei da Assembleia Legislativa, para que a população que vai sofrer com essa mudança tenha direito de voltar e escolher qual município deseja morar. A gente sabe que, por trás de tudo isso, estão os grandes empreendimentos e empresários que usam essa ação para que essa parte pertença a São Cristóvão.
Marcos André
Procurada, a Assembleia Legislativa informou que já existe um decreto de 2012 prevendo a realização de um plebiscito sobre a área, mas alega que não existe regulamentação federal que autorize tal realização.
"Por mais que o deputado estadual constituinte de 1989 tenha cometido um erro ao alterar os limites, nós, moradores, não temos culpa", reclama José Firmo, coordenador do Fórum em Defesa da Grande Aracaju.
A mudança agora, praticamente quatro décadas depois, vai impactar decisivamente nas vidas de milhares de pessoas. São gerações que nasceram sob a naturalidade de Aracaju e teriam que se adaptar --se conseguir-- a uma nova realidade.
José Firmo
Ele afirma que o Fórum tem tentado alternativas para "dialogar com todos os atores possíveis" e assim evitar a mudança. "Estamos em um grande esforço para encontrar uma saída negociada. Sabemos que é muito difícil, mas vemos como o caminho mais perto e menos traumático", pontua.
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Quero receber"Educação será melhor"
O prefeito de São Cristóvão, Marcos Santana (União Brasil), afirma que entende o temor dos moradores. "É natural sentir medo", diz, citando que isso seria fruto de uma campanha difamatória contra a cidade no intuito de evitar o cumprimento da sentença.
"Há uma tendência de parte da população incorporar um discurso que vem sendo feito por alguns políticos de Aracaju, com a falácia de que não estamos preparados para receber a área. Não só a cidade está devidamente preparada, como temos ferramentas para garantir todos os serviços públicos", garante.
Ele disse que, para receber a área, o município terá uma administração regional. "Já temos isso em outra área separada, que fica a 14 km do centro histórico onde está a sede da cidade. Com a nossa experiência, saberemos com certeza atender a todos os serviços", afirma.
Ele ainda lembra que a cidade tem alguns melhores índices e os novos moradores "vão ter uma educação melhor." "O nosso Ideb é o primeiro no estado de Sergipe, bem superior a Aracaju",
Para executar tudo isso, ele diz que será necessário um "período de transição." "Os serviços serão passados paulatinamente, assim como virão recursos que se recebe por controle daquela área. Eu garanto que os serviços vão melhorar", finaliza.,
Entenda o litígio
A decisão da 3ª Vara Federal atende a um pedido da Prefeitura de São Cristóvão feito em dezembro de 2010. O alvo da ação foi o IBGE, e por isso ela tramita na Justiça Federal.
O pedido feito foi para que o parâmetro no Censo daquele ano contasse a população usando os limites impostos pela Lei 554, de 6 de fevereiro de 1954.
Acontece que esses limites foram alterados primeiro pela Constituição de Sergipe, de 1989; e depois pela Emenda Constitucional 16, de 30 de junho de 1999, que incluiu novas áreas. Essas duas delimitações foram consideradas nulas pelo TJSE (Tribunal de Justiça de Sergipe) e STF.
Com a determinação, prédios e logradouros públicos, além de uma estimativa de pelo menos 30 mil pessoas que vivem no local (não há um número exato por se tratar de bairros e fragmentos deles), devem mudar de cidade.
Na ação, o município de São Cristóvão defendeu que a mudança foi inconstitucional, já que foi feita sem lei complementar e sem consulta à população.
Em 1954, a lei estipulava que o limite das cidades seria uma linha reta da foz do rio Vaza-Barris até o bairro Jabotiana, no norte do município, ou seja, mais ao leste do que os limites definidos hoje pelo IBGE.
O debate jurídico sobre esses limites é mais antigo que a ação da prefeitura e remonta ainda aos anos 1990, quando empresas e moradores da área em litígio foram à Justiça para continuarem pagando tributos, como o IPTU, a São Cristóvão, e não a Aracaju. Para isso, alegaram justamente os limites da lei de 1954.
A Prefeitura de Aracaju retrucou na Justiça alegando que, em 1954, a delimitação "não contava com as modernas técnicas de georreferenciamento" e citando que uma mudança de pessoas para outra cidade feria o "sentimento de pertencimento" dos moradores e traria grave dano à coletividade.
Para tentar ainda ao menos adiar a transferências de áreas, o município de Aracaju entrou com Agravo de Instrumento no TRF (Tribunal Regional Federal) da 5ª Região e aguarda uma decisão para não perder, pelo menos por ora, o território.
Segundo Sidney Amaral, procurador-geral do município, o agravo tenta criar uma mesa federativa para negociação e, por tabela, "a segurança das pessoas e a continuidade dos serviços."
O governo de Sergipe, intimado na decisão a informar os marcos referenciais dos limites, afirmou que "está analisando a documentação encaminhada pela Justiça Federal".
A análise está sendo realizada em conjunto com a Secretaria Especial de Planejamento, Orçamento e Inovação (Seplan), vinculada à Secretaria de Estado da Casa Civil, com o objetivo de definir a melhor forma de atender às determinações judiciais e apoiar os trabalhos do IBGE.
Procuradoria-Geral do Estado
Procurado, o IBGE não se pronunciou.
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