Escola pede 'trajes típicos' em mostra sobre África e se desculpa no Recife
O pedido de uma escola particular para que alunos do 4º ano do ensino fundamental usassem "adereços e trajes típicos" em uma mostra sobre África e africanidade, com indicação de vestimentas e acessórios, gerou criticas. O caso ocorreu no Colégio Marista São Luís, do Recife, para evento que será em 7 de dezembro.
No comunicado aos pais há cinco imagens com indicações de roupas, com sugestão de pinturas brancas na pele, para meninos; e trança ou turbante, para meninas. Além disso, pedem que os alunos levem pratos típicos da culinária africana.
O evento em questão é a Mostra Marista do Conhecimento, anunciada como uma ação pedagógica extracurricular que pretende criar reflexões sobre a importância da herança africana no Brasil.
Especialistas consultados pela coluna afirmam que a forma como o tema foi tratado foi inadequada, reduzindo a diversidade cultural e reforçando estereótipos.
Em nota, o colégio pediu desculpas e afirmou que "sob nenhuma hipótese tivemos a intenção de orientar estudantes, educadores ou famílias a realizarem qualquer ação que possa ser considerada racista." (A nota na íntegra está abaixo)
"Esse caso é bastante ilustrativo de como o racismo é uma questão que extrapola as nossas as nossas manifestações de vontade ou as nossas afirmações de intencionalidade", diz Paulo Victor Melo, professor universitário e pesquisador de comunicação e relações étnico-raciais e do coletivo Intervozes.
Ele cita que um dos problemas do comunicado é o reducionismo que ele faz à cultura africana.
A ideia de 'trajes africanos' é um de reforço de estereótipos. Passa a ideia de que, ao existir esses trajes africanos, não há outras formas de se vestir ou de pentear.
Paulo Victor Melo
Outro ponto que ele ainda cita é que haveria uma apropriação de símbolos e culturas sem dialogar com grupos que pauta a questão racial.
Eu diria que, para que escolas não cometam mais esses problemas, é fundamental que se abram para dialogar com movimentos da sociedade civil, com grupos de pesquisa que vêm há anos pautando a valorização da cultura das culturas afro-brasileiras.
Paulo Victor Melo
Lamentável, diz socióloga
A socióloga Regina Lopes, consultora da Plataforma JurisRacial —que reúne PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e órgãos federais—, diz que não afirmaria, de antemão, que se trata de um caso de racismo, já que desconhece como se dá o ensino e tratamento ao tema no dia a dia na escola.
Mas ela ainda diz ser "lamentável" que uma mostra sobre africanidade se resuma a "trajes e comidas típicas.". "Será que essa temática foi realmente debatida, disseminada nas turmas, com trabalhos, com redações, com leituras antirracistas?", questiona.
Para a socióloga, é um equívoco "folclorizar pessoas e identidades, é como se as pessoas negras, mesmo em África, se vestissem de uma forma homogênea."
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Quero receber"Eu não sei o que isso, da forma como foi colocada, iria contribuir para a percepção sobre africanidade. Acho que é necessário uma abertura maior de debate sobre a questão da negritude no país, que passou por um processo de miscigenação", completa.
Hoje temos, a partir do IBGE, a compreensão do que é ser negro, que são pessoas pretas e pardas, e não é admissível que se crie espaços que se exija que se venha dessa ou daquela forma. É como se ainda se festeja o folclore, o saci. isso é uma provocação mesmo: até onde vai a compreensão desta escola sobre o que é africanidade no Brasil e, além-mar, da África.
Regina Lopes
Escola pede desculpas
O UOL procurou o colégio, que enviou uma nota reconhecendo que o comunicado não foi assertivo, mas negando que tenha qualquer ideia de racismo. Leia a íntegra:
"O Colégio Marista São Luís, de Recife, se posiciona veementemente contra todos os tipos de preconceito e exclusão social. Enquanto Maristas, temos a inclusão e a acolhida como valores irrevogáveis, e nos comprometemos totalmente com o cumprimento da Lei 10639, de 2003, oferecendo um currículo integral e integrado que valoriza a identidade negra e promove o combate ao racismo estrutural. Sob nenhuma hipótese tivemos a intenção de orientar estudantes, educadores ou famílias a realizarem qualquer ação que possa ser considerada racista, que violente ou estereotipe grupos historicamente discriminados em nossa sociedade.
A atividade em questão, chamada Mostra Marista do Conhecimento, é uma ação pedagógica e extracurricular que convida os estudantes a pensarem e refletirem sobre a importância da herança africana, que ajudou a moldar a identidade do povo pernambucano por meio de aspectos como a música e a culinária, por exemplo. O projeto é realizado ao longo de todo o ano letivo e permeia várias práticas pedagógicas para aprofundar diversas temáticas, entre elas a Africanidade, abordada pelo 4º ano do Ensino Fundamental. Ela materializa o nosso compromisso social com o desenvolvimento de uma consciência crítica, contribuindo para a formação de cidadãos preparados para atuar de forma justa e solidária na sociedade.
Reconhecemos que o comunicado enviado às famílias não transmitiu de forma assertiva o objetivo e amplitude do projeto. Pedimos nossas sinceras desculpas a todos que potencialmente ficaram ofendidos pelo texto. Garantimos que sempre atuaremos em prol de uma educação antirracista, com práticas pedagógicas que abordam a diversidade e o respeito às diferenças. Seguimos sempre dispostos ao diálogo em busca de melhores caminhos para a formação humana e integral de nossos estudantes."
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